(08/08/2008)
O aquecimento global poderá provocar uma
mudança significativa no mapa da agricultura
brasileira, gerando a redução de áreas
produtoras e prejuízos econômicos de
cerca de R$ 7,4 bilhões em 2020 e de R$ 14
bilhões em 2070.
Os resultados fazem parte do estudo
“Aquecimento Global e Cenários Futuros da
Agricultura Brasileira”, que avalia o impacto do
aumento da temperatura sobre a agricultura em 2020,
2050 e 2070. A pesquisa avaliou as seguintes culturas:
algodão, arroz, feijão, café,
cana-de-açúcar, girassol, mandioca,
milho e soja.
Coordenado por Hilton Silveira
Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas
e Climáticas Aplicadas à Agricultura
(Cepagri) da Universidade de Campinas (Unicamp),
e Eduardo Delgado Assad, da Embrapa Informática
Agropecuária, o trabalho contou com a colaboração
de 19 pesquisadores e com o apoio da Embaixada do
Reino Unido.
O estudo avalia que, se nada for
feito para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas ou adaptar as culturas para a
nova situação, deve ocorrer uma migração
da produção agrícola para regiões
que hoje não são de sua ocorrência
em busca de condições climáticas
melhores. Os autores, todavia, lembram que a agricultura
pode ter um papel importante na mitigacão
e na adaptação aos impactos das mudanças
climáticas.
Metodologia do trabalho
O trabalho foi feito com base
na tecnologia de Zoneamento de Riscos Climáticos,
uma política pública que orienta toda
a estrutura de crédito agrícola do
Brasil, uma vez que informa qual o nível
de risco de mais de 5.000 municípios brasileiros
para as culturas mais comuns do país.
A partir do zoneamento de 2007
para essas culturas, foram simulados os cenários
agrícolas do Brasil para 2010 (representação
mais próxima das condições
atuais), 2020, 2050 e 2070, diante das perspectivas
de aquecimento global. Para isso, foram consideradas
as projeções de aumento de temperatura
do quarto relatório de avaliação
do IPCC divulgado no ano passado. Para realizar
o estudo, os pesquisadores adotaram os cenários
A2 - o mais pessimista, que estima um aumento de
temperatura entre 2°C e 5,4ºC até
2100 - e o B2 - um pouco mais otimista, que prevê
um aumento de temperatura entre 1,4°C e 3,8ºC
em 2100.
Com essas temperaturas, os pesquisadores
do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos
Climáticos), órgão ligado ao
INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
simularam os cenários climáticos futuros
no Brasil. Ou seja, como estará o clima de
cada município do país em 2020, 2050
e 2070 nos dois cenários.
Nova geografia da produção
Nesta nova geografia prevista
para a agricultura brasileira, o Nordeste sofrerá
um forte impacto com o aumento das temperaturas.
Toda a área correspondente ao agreste nordestino,
hoje responsável pela maior parte da produção
regional de milho, e a região dos cerrados
nordestino – sul do Maranhão, sul do Piauí
e oeste da Bahia, onde predomina o cultivo da soja
– poderão ser as mais atingidas, enquanto
a mandioca corre o risco de desaparecer do Semi-Árido
nordestino.
No Sudeste, o aquecimento do clima
vai afetar principalmente o café, que terá
poucas condições de sobrevivência
nesta área. Por outro lado, a região
Sul, que hoje é mais restrita às culturas
adaptadas ao clima tropical por causa do alto risco
de geadas, deverá se tornar propícia
ao plantio da mandioca, de café e de cana
de açúcar, mas não mais de
soja.
Já alguns locais do Centro-Oeste,
que apresentam um alto potencial produtivo, devem
permanecer como áreas de baixo risco, porém
cada vez mais dependentes de irrigação
complementar no período mais seco.
A soja, principal produto agrícola
exportado pelo país, com produção
de cerca de 52 milhões de toneladas/ano e
valor de produção de R$ 18,4 bilhões,
conforme dados de 2006 do IBGE, poderá sofrer
uma perda econômica de R$ 4 bilhões
em 2020, resultado de uma redução
de quase 24% da área apta para plantio no
Brasil. As perdas podem chegar a R$ 7,6 bilhões
em 2070, decorrente de uma diminuição
de 40% da área apta para o plantio. A região
que mais deve sofrer os impactos é a região
Sul.
Tomando como base a produção
brasileira de café, de cerca de 2,5 milhões
de toneladas e valor de produção de
R$ 9,3 bilhões, segundo dados de 2006 do
IBGE, o aquecimento global deve trazer prejuízos
para a cultura de pelo menos R$ 882 milhões
em 2020, com uma queda de área apta ao plantio
de 9,48%. No cenário mais pessimista (A2)
– a queda de área de baixo risco atinge 33%
em 2070, o que representa um prejuízo de
R$ 3 bilhões.
Atualmente, o Estado de maior
produção de café no Brasil
é Minas Gerais, seguido pelo Espírito
Santo, Bahia, São Paulo e Paraná.
Entretanto, com as mudança climáticas
previstas, é possível que o café
não tenha muita chance de sobreviver no Sudeste,
migrando para a região Sul.
A previsão para a mandioca
é que o aumento da temperatura não
será vantajoso para a cultura em todo o país.
Em torno de 2020, o Semi-Árido nordestino
deverá deixar de ser um local de baixo risco
e outras regiões ainda não estarão
quentes o suficiente para seu cultivo.
A perda de área da mandioca
deve ser de 3,1%, com um prejuízo de R$ 137
milhões. Nas décadas seguintes, a
situação melhora para a raiz, que
encontrará áreas mais favoráveis
no Sul do país por conta da redução
do risco de geada e na Amazônia, pela diminuição
do excedente hídrico. O aumento da área
apta começa com 7,29% em 2050, chegando a
16,61% em 2070, no cenário B2. No cenário
A2, o avanço da área chega a 13,49%
a mais em 2050 e 21,26% em 2070, com ganhos de R$
589 milhões a R$ 929 milhões.
Com produção de
cerca de 11,5 milhões de toneladas registrada
em 2006 pelo IBGE, o arroz é considerado
uma cultura de alto risco devido à extrema
sensibilidade às variações
climáticas. Atualmente, a maior produção
do arroz se encontra em regiões com níveis
de chuvas mais propícios, em especial no
centro-norte do Mato Grosso.
Para 2020, o arroz poderá
ter um prejuízo de R$ 417 milhões
e uma redução em sua área apta
para o plantio de quase 10% nas áreas produtoras.
Em 2070, as perdas deverão estar em torno
de R$ 600 milhões nos dois cenários.
Segundo a Conab (Companhia Nacional
de Abastecimento), a safra brasileira de feijão
em 2006/2007 foi de 3,52 milhões de toneladas,
praticamente estável em relação
à safra anterior. Usando esses dados como
referência, a perda prevista deverá
ser de R$ R$ 155 milhões, em decorrência
de uma redução de 4,3% de área
apta ao plantio em 2020, podendo chegar a prejuízos
de R$ 473 milhões, com redução
da área de baixo risco de até 13,3%.
A queda deverá ser maior na região
Nordeste.
Área potencial da cana
pode aumentar
Das culturas avaliadas, a cana
de açúcar deverá ser a mais
favorecida até o final do século XXI.
A cultura, que hoje conta com uma área plantada
de cerca de 6 milhões de hectares, terá
uma área potencial de 17 milhões de
hectares em 2020 no cenário B2 Com essa expansão,
o valor da produção, que em 2006 era
de quase R$ 17 bilhões, poderá subir
para R$ 29 bilhões em 2020 no B2.
Áreas do Sul do Brasil,
hoje com restrições ao cultivo da
cana, podem se transformar em regiões de
potencial produtivo dentro de 10 a 20 anos. Locais
do Centro-Oeste, que hoje apresentam um alto potencial
produtivo, devem permanecer como áreas de
baixo risco, porém serão cada vez
mais dependentes de irrigação complementar
no período mais seco. Com o aumento da temperatura
nas décadas seguintes, a cultura precisará
mais de irrigação, e a área
total deve cair para 15 milhões de hectares
até 2070 no cenário B2, diminuindo
o rendimento para R$ 24 bilhões.
Já no A2, a cana deverá
ter uma área potencial de 16 milhões
de hectares, decrescendo para 13 milhões
até 2070. Neste cenário, o valor da
produção pode subir para R$ 27 bilhões
em 2020, regredindo para R$ 20 bilhões em
2070.
Soluções
De acordo com o professor Eduardo
Assad, “o estudo permitiu identificar de que maneira
a agricultura brasileira poderá ser atingida
pelas mudanças climáticas. No primeiro
momento, a situação poderá
ser muito difícil de ser contornada. Entretanto,
em função do grande conhecimento que
o país tem hoje em relação
às tecnologias em agricultura tropical, soluções
biotecnológicas poderão ser adotadas
para contornar os impactos nos próximos 20
anos”.
Para os pesquisadores da Embrapa
e da Unicamp, métodos alternativos de lidar
com a agricultura e a pecuária podem reduzir
as emissões do setor e ajudar até
mesmo a tirar da atmosfera os gases de efeito estufa,
ajudando a diminuir o problema.
“Paralelamente a isso, e visando
reduzir as emissões de gases de efeitos estufa,
ações de mitigação podem
ser imediatamente adotadas, como a redução
das queimadas e do desmatamento, adoção
de práticas agrícolas altamente eficientes
no seqüestro de carbono como o plantio direto,
e a integração lavoura e pecuária”,
comentou o professor Hilton Silveira Pinto. Essas
ações de mitigação,
segundo ele, são talvez o maior diferencial
que o Brasil tem hoje face as questões das
mudanças climáticas. “O Brasil é
um dos poucos, senão o único país
do mundo com área e tecnologia capazes de
ter escala na redução das emissões
de gases de efeito estufa”, complementou.
Cláudia Moreira
+ Mais
Livro aborda mudanças climáticas
e seus efeitos sobre a agricultura brasileira
(14/08/2008) Ações
do documento Confirmado para esta sexta-feira (15
) o lançamento do livro Mudanças Climáticas:
impactos sobre doenças de plantas no Brasil",
que trata de um dos assuntos mais estratégicos
para o Brasil, no que diz respeito à vulnerabilidade
da agricultura frente às alterações
do clima no planeta.
A partir das 19h30, no Café
Universitário, ao lado do estande da Associação
Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu),
uma das coordenadoras da publicação,
a pesquisadora do Laboratório de Microbiologia
Ambiental da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna,
SP), Raquel Ghini, participa de um bate-papo com
o público, seguido da sessão de autógrafos.
A programação faz parte da agenda
de lançamentos da Embrapa Informação
Tecnológica, para a 20a. Bienal Internacional
do Livro de São Paulo.
Sobre a elaboração
do livro, Raquel Ghini vai explicar a metologia
usada, desenvolvida a partir de dados climáticos
dos cenários futuros do Brasil, disponibilizados
pelo terceiro relatório do Painel Intergovernamental
de Mudanças Climáticas (IPCC), da
Organização das Nações
Unidas (ONU).
Todo o material foi analisado
por 34 especialistas de diversas instituições
públicas e privadas, com o objetivo de discutir
as alterações na incidência
de problemas fitossanitários de importantes
culturas do País. A edição
técnica da obra teve a participação
da pesquisadora Emília Hamada, também
da Embrapa Meio Ambiente.
Dividido por culturas -, incluindo
doenças de hortaliças (batata, tomate,
pimentão e melão), de grãos
(arroz, cereais de inverno, milho e soja) e outras
de fundamental importância para o País
(bananeira, cana-de-açúcar, cafeeiro,
citros, seringueira e eucalipto) -, o livro discute
os impactos potenciais sobre a incidência
de fitonematóides e sobre o controle biológico
e químico de doenças de plantas.
Mudanças Climáticas
Impactos sobre doenças
de plantas no Brasil, editado em papel reciclado,
tem 331 páginas, 19 capítulos desenvolvidos
em linguagem acessível para diferentes segmentos,
entre os quais pesquisadores, agricultores e tomadores
de decisão, envolvidos em ações
e estratégias de controle e redução
de prejuízos que comprometam a produtividade
agrícola e a proteção ambiental.
Outros lançamentos
Além da publicação Mudanças
Climáticas.., a Embrapa Informação
Tecnológica vai lançar na Bienal de
São Paulo os livros Cerrado: Ecologia e Flora
– Volume I (dia 18 de agosto – às 19h) e
Peixes do Pantanal: Manual de Identificação
2a edição (dia 19 de agosto – às
19h).
O local dos lançamentos,
com sessão de autógrafos e bate-papo
entre os pesquisadores e o público, é
o Café Universitário, da Associação
Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu).
O estande da Embrapa Informação Tecnológica
fica na Avenida 4, Rua N e o Café Universitário
na Avenida 1, Rua k.
As publicações Mudanças
Climáticas, impactos sobre doenças
de plantas no Brasil, Peixes do Pantanal: Manual
de Identificação 2a edição
e Cerrado: Ecologia e Flora – volume I custam, respectivamente,
R$ 42,00; R$ 90,00 e R$ 70,00, mas durante a Bienal
de São Paulo estarão à venda
com 30% de desconto.
Sobre o autora
Raquel Ghini: Graduada em Agronomia
(1981), Raquel Ghini tem mestrado (1984) e doutorado
em Fitopatologia (1988) pela Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São
Paulo, e pós-doutorado pela Universidade
de Torino (Itália, 1995).
Há 23 anos é pesquisadora
da Embrapa Meio Ambiente, no Laboratório
de Microbiologia Ambiental e é credenciada
como professora do curso de pós-graduação
da Universidade Estadual Paulista (Unesp)/Botucatu,
onde dá aula na disciplina “Mudanças
climáticas e proteção de plantas”.
Tem experiência na área Fitopatologia,
atuando principalmente nos seguintes temas: mudanças
climáticas globais, solarização
do solo, patógeno de solo, controle físico
e biológico.
Desenvolveu um equipamento denominado
“coletor solar”, para desinfestação
de substrato em substituição ao brometo
de metila. O equipamento é utilizado por
diversos produtores comerciais de mudas de plantas.
Há seis anos, dedica-se ao estudo dos impactos
das mudanças climáticas sobre doenças
de plantas.
É autora de três
livros, 51 artigos em periódicos, 32 capítulos
de livros, orientou quatro dissertações
de Mestrado e duas teses de Doutoramento. Atualmente,
lidera um projeto de pesquisa em rede, intitulado
“Impactos das mudanças climáticas
globais sobre problemas fitossanitários”.
Kátia Marsicano (Embrapa Informação
Tecnológica – Brasília/DF) e Cristina
Tordin (Embrapa Meio Ambiente – Jaguariúna/SP)