12/08/2008
- Em parecer escrito a pedido do Conselho Indígena
de Roraima, o consagrado jurista e constitucionalista
José Afonso da Silva, professor titular aposentado
da Universidade de São Paulo, escreve: “A
União não pode diminuir nem dividir
o território de ocupação tradicional
em função de questões de cunho
econômico ou político, porque isso
importará desrespeito à Constituição
(art. 231).” O professor analisou os principais
pontos questionados na Ação Popular,
que pede a anulação da demarcação
terra indígena, em Roraima, perante o STF,
cujo julgamento está marcado para o próximo
dia 27 de agosto.
Em atenção à
solicitação do Conselho Indígena
de Roraima (CIR), o parecer dispõe longamente
sobre o instituto do indigenato, direito originário
dos indios às terras que tradicionalmente
ocupam, inicialmente reconhecido no período
colonial pelo Alvará Regio de 1680, e posteriormente
recepcionado pela Constituição de
1934 e seguintes. Ou seja, o direito originário
dos índios às terras que habitam é
anterior à Constituição de
1934 que o reconheceu. O parecer é cristalino
ao expor que os direitos originários dos
índios sobre as terras que tradicionalmente
ocupam são reconhecidos diretamente pela
Constituição, independentemente da
demarcação de suas terras. O que significa
dizer que presentes os elementos necessários
para definir determinada porção de
terra como indígena, o direito dos índios
que a ocupam existe e se legitima independentemente
do ato demarcatório.
O Parecer aborda alguns pontos
específicos referentes à demarcação
da Terra Indígena habitada por índios
Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Patamona e Taurepang,
em Roraima. O eminente professor José Afonso
ensina sobre o pedido do Estado de Roraima de excluir
da terra indígena áreas ocupadas por
não-índios, como os arrozeiros, para
a construção de uma hidrelétrica
e outras, que a demarcação “de uma
terra indígena não é determinada
segundo critérios de oportunidade e conveniência
do Poder Público, porque o critério
que define a localização e a extensão
das terras é o da ocupação
tradicional, ou seja, a demarcação
tem que coincidir, precisamente, com as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, definidas cientificamente
por via antropológica. A União não
pode diminuir nem dividir o território de
ocupação tradicional em função
de questões de cunho econômico ou político,
porque isso importará desrespeito à
Constituição (art. 231).
José Afonso Silva entende
que é inconstitucional a demarcação
de terras indígenas que reconhece apenas
parcialmente a ocupação tradicional
dos índios. O retalhamento de terras indígenas
compromete a sobrevivência física e
cultural dos povos que nelas vivem, razão
maior da destinação de posse permanente
estabelecida na Constituição. E escreve:
“Em suma, as terras reconhecidas como tradicionalmente
ocupadas pelos índios têm que ser demarcadas
na sua integridade e continuidade. A Constituição
abeberou-se na experiência para assim estabelecer,
pois, antes dela, houve demarcação
de terras indígenas em ilhas que causou terríveis
danos aos índios, destruindo-os praticamente,
como se deu com os guaranis de Mato Grosso do Sul.
A Constituição, por isso, fechou essa
possibilidade, porque se compreendeu que admiti-la
seria sujeitar as terras indígenas a novas
invasões ilegítimas que depois seriam,
assim mesmo, invocadas para formação
de ilhas em seu favor.”
Em relação à
existência de risco à soberania do
país em caso de demarcação
em faixa de fronteira o entendimento expresso no
parecer “é de que a demarcação
das terras indígenas não muda em nada
a situação existente. Portanto, se
não havia risco antes da demarcação,
continua não havendo. Pois, não há
incompatibilidade alguma entre a defesa do território
e a ocupação tradicional indígena,
nem existe qualquer restrição constitucional
ou legal para a atuação das Forças
Armadas em território indígena, demarcado
ou não, em faixa de fronteira.”
O argumento do Estado de Roraima
de que 46% do seu território é habitado
por populações indígenas e
isso inviabiliza o seu desenvolvimento, comprometendo
a sua existência como ente federado é
considerado inconsistente. Pois, conforme explica
o professor José Affonso: “Primeiro, porque
essa situação já existia antes
da criação do Estado de Roraima, senão
antes mesmo da formação da Federação
brasileira; se os índios já ocupavam
tradicionalmente aquelas terras, e a Constituição
lhes garantia e garante a posse permanente, como
terras de domínio da União, essa é
uma circunstância de fato e de direito que
não comporta solução diversa
da que teve, qualquer que seja suas conseqüências
em relação àquela unidade federada.
Na verdade, não compromete a existência
do Estado porque os demais 54%, cerca de 120 km²,
tem grande potencial econômico e comporta
muito bem a sua população de 324,3
mil habitantes, que dá uma densidade demográfica
baixíssima, em torno de 0,57 hab/km².
A área restante ainda é maior do que
diversos Estados brasileiros: Sergipe (21.910 km²),
Alagoas (27.1000 km²), Paraíba (56.439
km²),quase quatro vezes mais que a Bélgica,
de sorte que ainda se tem um enorme potencial econômico
que, bem administrado, pode realizar o progresso
do Estado. Dizer que o Estado é inviável,
por causa da demarcação da Terra Indígena
Raposa do Sol, o mesmo é que dar argumento
e fundamento para que o Estado volte à condição
de Território. O signatário deste
parecer pensa o contrário, ou seja, que o
Estado não só é viável,
como pode dar ainda grande contribuição
ao progresso do Brasil.”
+ Mais
ABA defende laudo antropológico
da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol
14/08/2008 - Em nota publicada
em seu site a Associação Brasileira
de Antropologia (ABA) manifesta preocupação
e repúdio com as tentativas em curso de desmoralizar
o parecer realizado pelo antropólogo Paulo
Santilli. E apóia documento de professores
das universidades públicas paulistas em defesa
da competência e do trabalho realizado por
Santilli.
O presidente da ABA, Luis R. Cardoso
de Oliveira, assina nota publicada hoje, 14/8, em
seu site na qual afirma: “ A Associação
Brasileira de Antropologia manifesta sua preocupação
e o seu repúdio às tentativas de desmoralizar
o parecer antropológico elaborado pelo Prof.
Dr. Paulo José Brando Santilli sobre a Terra
Indígena Raposa-Serra do Sol. Trata-se de
profissional de reconhecida competência neste
campo, cuja atuação sempre se orientou
pelos mais altos princípios éticos.
Neste sentido, apoiamos com veemência a nota
abaixo, elaborada por colegas de Departamentos e
Programas de Pós-Graduação
em Antropologia."
Nota de apoio ao parecer antropológico
relativo à Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol (Proc. FUNAI 3233-77), de autoria do Prof.Dr.
Paulo José Brando Santilli, da Universidade
Estadual Paulista
Diante dos argumentos veiculados
pelo Governo do Estado de Roraima, por seus representantes
políticos e pela imprensa, quanto à
qualidade técnica e à lisura do processo
administrativo de reconhecimento da Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol, realizado pela Fundação
Nacional do Índio, os representantes dos
Departamentos e Programas de Pós-Graduação
em Antropologia e em Ciências Sociais das
universidades públicas no estado de São
Paulo vêm manifestar seu mais firme apoio
ao colega Paulo José Brando Santilli, responsável
pelo parecer antropológico comprobatório
dos direitos territoriais Macuxi, Wapixana, Ingarikó,
Taurepáng e Patamona sobre a área.
Docente do Departamento de Antropologia,
Ciência Política e Filosofia da Universidade
Estadual Paulista (campus de Araraquara, SP), docente
colaborador do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade Estadual
de Campinas, Paulo José Brando Santilli desempenhou
esta tarefa pública por merecida indicação
da Associação Brasileira de Antropologia
em 1996, em reconhecimento ao conjunto dos trabalhos
por ele elaborados e publicados, que constituem
referência para a história e etnologia
dos povos indígenas na região nordeste
do estado de Roraima.
Reiteramos, portanto, o caráter
altamente especializado e a expertise do parecer
antropológico do Prof.Dr.Paulo José
Brando Santilli, fruto de mais de duas décadas
de pesquisa rigorosa e academicamente reconhecida.
Não admitimos que, em nome
de interesses alheios à produção
acadêmica e à falta de argumentos positivos,
os litigantes contra a Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol tentem atacar a reputação e
a honra profissional do Prof.Dr.Paulo José
Brando Santilli para contestar direitos indígenas
consagrados na Constituição.
Assinam o presente documento:
Prof. Dr. José Luís
Bizelli
Chefe do Departamento de Antropologia, Ciência
Política e Filosofia
Universidade Estadual Paulista
Profa. Dra. Nádia Farage
Diretora Associada
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas
Prof. Dr. John Manuel Monteiro
Chefe do Departamento de Antropologia
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas
Prof. Dr. Omar Ribeiro Thomaz
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas
Profa. Dra. Sylvia Caiuby Novaes
Chefe do Departamento de Antropologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas
Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Paula Montero
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas
Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha
Professora Titular do Departamento de Antropologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas
Universidade de São Paulo
Prof. Dra. Marina D. Cardoso
Vice-Chefe do Departamento de Ciências Sociais
Universidade Federal de São Carlos
Prof. Dr. Piero de Camargo Leirner
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social
Universidade Federal de São Carlos
Prof. Dr. Igor José de R. Machado
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais
Universidade Federal de São Carlos