21 de
Agosto de 2008 - Mariana Jungmann e Ivanir José
Bortot - Repórteres da Agência Brasil
- Marcello Casal JR/Abr - Brasília - O ministro
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo
Vannuchi, diz, em entrevista à Agência
Brasil, que considera importante que o brasileiro
tenha direito à memória e à
verdade sobre a ditadura militar
Brasília - Nesta parte da entrevista à
Agência Brasil, o ministro da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos da Presidência da República,
Paulo Vannuchi, avaliou as políticas de direitos
humanos e a implementação desses conceitos
nos últimos anos. Ele falou sobre o sistema
prisional e a articulação com o Ministério
da Justiça para implantação
de um novo modelo de segurança pública
no país.
Vannuchi também comentou
o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que
decidirá sobre a homologação
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima, e considerou inadequadas as críticas
feitas pelo Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva – no episódio que suspendeu a operação
da Polícia Federal de retirada de arrozeiros
da região.
Agência Brasil: O fato de se falar muito em
direitos humanos pode ser interpretado como se,
no Brasil, a democracia não estivesse suficientemente
avançada, a ponto de as pessoas não
conseguirem exercer os seus direitos, daí
a necessidade de uma secretaria para defender esses
direitos. Como o senhor vê essa questão?
Paulo Vannuchi: Os direitos humanos servem para
reconhecer a dignidade de cada ser humano, do mais
pobre, do mais desprotegido, do mais desconhecido.
Ele tem a mesma dignidade, os mesmos direitos do
presidente da República ou da pessoa mais
rica do país. Ao mesmo tempo que as leis
que garantem isso vão sendo conquistadas
no mundo inteiro, diariamente ocorrem brutais violações:
guerras, chacinas, genocídios. No caso do
Brasil, também há violência
criminal, áreas onde a autoridade pública
nem pode mais entrar e, quando a autoridade policial
entra, ela mesma comete outros crimes e violências,
faz execuções sumárias.
ABr: E como estamos em relação
a esses temas?
Vannuchi: O Brasil, nos últimos 20 anos,
acumulou um reconhecimento muito nítido no
exterior. Em Genebra – onde está o Conselho
de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas (ONU) – na primeira
eleição, anos atrás, o Brasil
foi o segundo país mais votado no mundo para
ser um dos 45 integrantes. Só perdeu para
a Índia e foi o mais votado da América.
Há políticas de Estado no Brasil que
atravessam governos partidariamente opostos. No
governo Fernando Henrique, oito anos, o governo
Lula, serão mais oito. Serão 16 anos
de uma marcha de acumulação e de continuidade.
Cada vez reconhecendo mais os instrumentos da ONU
para examinar casos brasileiros que a Justiça
não examina. Um exemplo, a chacina do Carandiru:
1992, 111 mortos, quase todos negros. Tem outros
casos assim, como a Guerrilha do Araguaia. Então
a situação do Brasil é de que
temos o reconhecimento externo porque, nesses fóruns,
não ficamos escondendo os problemas.
ABr: O senhor avalia que estamos
num patamar diferente do que estávamos há
16 anos?
Vannuchi: Certamente. Tem uma avaliação
de que há instrumentos, há processos
políticos, econômicos e sociais que
são nitidamente de melhora. Embora, muitas
vezes, a sensação que se tem seja
do oposto disso. Com direitos humanos, a mesma coisa.
Faz 16 anos que o governo Fernando Henrique e o
governo Lula têm a posição de
reconhecimento do problema, de não negar.
Se trabalha, se denuncia. E o maior avanço
no governo Lula é o direito a comer, que
é o primeiro direito da pessoa. Se a pessoa
não comer, como ela vai lutar pela cor da
pele ou pelo direito a trabalho? A inclusão
escolar também chega cada vez mais perto
da universalização. Nós temos
políticas de cotas, acabamos de aprovar a
convenção das pessoas com deficiência.
São 25 milhões de pessoas que passaram
a ter defesa da lei brasileira para terem direito
a cadeira de rodas.
ABr: Como tem sido tratada pela
secretaria a questão dos direitos humanos
no sistema prisional?
Vannuchi: O sistema prisional é, por excelência,
uma questão do Ministério da Justiça
e a Constituição estabelece que é
um problema estadual. Começamos a montar
programas em que a União atua como fator
coordenador e os estados são chamados a aderir
voluntariamente. A discussão com o Ministério
da Justiça está em um excelente momento,
que é o Pronasci [Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania]. É o primeiro
programa de segurança pública que
tem direitos humanos em cada página da proposta.
O Pronasci prevê a construção
dos presídios de juventude, voltados para
detentos de idade entre 18 e 29 anos. Assim vamos
tirá-los do convívio com chefes do
crime, que estão acima dos 30 anos, e proporcionar
todo tipo de cursos: ensino fundamental, médio
e até superior, profissionalizante. As medidas
que o Pronasci oferece são necessárias:
valorizar a justiça restaurativa e as penas
alternativas – nesse sentido o Brasil já
está hoje num patamar bastante razoável.
Sobretudo, um processo de investimento em cursos
que o Ricardo Balestreri [secretário nacional
de Segurança Pública] coordena e que
delegados e policiais do Brasil inteiro estão
fazendo para sedimentar essa compreensão
elementar de que o bandido tem que ser preso. Ele
deve ser levado a inquérito para ser processado
e condenado a penas adequadas, proporcionais e severas,
se for o caso, e não como acontece atualmente,
quando o policial muitas vezes se define como juiz,
decreta a pena de morte e já executa na hora.
Esse é o nosso mecanismo preventivo nacional.
ABr: Existem denúncias
de torturas no presídios?
Vannuchi: Existe um processo muito amplo de alegações
e denúncias, quase generalizado. As entidades
da sociedade civil, como a Pastoral Carcerária,
insistem para que consideremos sistemático.
Nós resistimos em dar essa designação
porque sistemático é uma palavra que
quer dizer que existe um comando do sistema que
quer que isso aconteça. E isso não
existe no Brasil atualmente. Existiu na ditadura
militar. Hoje o que existe é um sistema de
segurança pública federal e também
estadual que é contrário à
tortura. Porém, a velha cultura, a velha
tradição, a falsa opinião de
que se não bater no preso ele não
confessa. Nós temos idéias para acabar
com isso, como a de que todos os depoimentos em
inquéritos sejam gravados. Mas é preciso
mudar a cultura, resistir a essas idéias
e fazer educação em direitos humanos.
ABr: Como o senhor vê o
caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol?
Vannuchi: Raposa Serra do Sol é o mais importante
dos procedimentos do governo Lula na temática
indigenista. Há a resistência de um
conjunto muito pequeno de produtores de arroz, liderados
por um gaúcho que está lá há
20 anos, e que se insurgiu de armas na mão
contra todas as regras do Estado democrático
de direito. Explodiram bombas, fizeram assaltos
à aldeia Surumu, agrediram, deixaram um carro
bomba, que não explodiu, em frente à
Polícia Federal durante a operação.
A imprensa brasileira tratou isso como se fosse
um legítimo recurso, um protesto. A ação
da Polícia Federal foi interrompida por uma
ação no Supremo. E, mesmo que a gente
discorde da determinação do Supremo,
vamos acatar. Nós argumentamos, trabalhamos,
eu visitei ministros. Quando consultados sobre a
visita do relator da ONU para questões indígenas
[James Anaya] no período do julgamento, nós
respondemos que o Brasil tem convite permanente
para relatores, mas pedimos para que ele não
viesse agora. Ele veio mesmo assim. Mas nós
achamos que a presença do relator pode fazer
o Supremo ficar tentado a demonstrar sua soberania
e que não é por causa da presença
de um relator que ele vai dar uma decisão
favorável aos índios. Então,
votos que estavam indecisos podem ser decididos
sob essa influência, o que não é
bom. Ele disse que se for o caso não vai
comparecer ao julgamento. Quanto aos movimentos
sociais, nesse caso, acho que eles acertam e erram.
Condeno declaradamente o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) que tem uma posição estreita
e sectária em relação ao presidente
Lula. No episódio da decisão do Supremo
[que suspendeu a operação da PF de
retirada de não-índios do local] fizeram
um editorial dizendo que a culpa era do Lula. A
vontade de se opor partidariamente e politicamente
suplantou o reconhecimento de que o presidente Lula
determinou o cumprimento integral de uma bandeira
[retirada dos arrozeiros] do Cimi, do Conselho Indigenista
de Roraima (CIR). Mas nós não vamos
criminalizar o Cimi, chamá-lo de ilegítimo.
Apenas lamentamos.