27 de Agosto de 2008 - Luana Lourenço
- Enviada Especial - Marcello Casal Jr/Abr - Vila
Surumu (RR) - Grupos indígenas celebram
missa em uma quadra de esportes e aguardam por decisão
do STF favorável à demarcação
contínua da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol
Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) -
O pedido de vista do ministro Menezes Direito foi
comemorado com fogos de artifício por arrozeiros
e indígenas favoráveis à demarcação
em ilhas da Terra Indígena Raposa Serra do
Sol (RR). Logo após o anúncio da suspensão
do julgamento, o grupo vibrou aos gritos de “viva
a pátria”, “viva o Brasil” e “é campeão”.
Além de índios ligados
à Sociedade de Defesa dos Indígenas
Unidos de Roraima (Sodiu-RR), políticos do
município de Pacaraima, inclusive a candidata
a vice-prefeita na chapa do líder arrozeiro
Paulo Cesar Quartiero, Erotéia Mota, também
comemoraram a decisão.
“Estamos comemorando o pedido
de vista porque com isso a gente ganha tempo para
argumentar e garantir que os outros ministros votem
conosco. Agora sabemos os pontos em que ele [ministro
Carlos Ayres Britto, relator da ação]
se baseou e podemos argumentar em cima deles para
convencer os outros ministros”, afirmou o produtor
de arroz e secretário de saúde de
Pacaraima, Julio Jordão.
A Polícia Federal montou
uma pequena barreira para separar os dois grupos
que ocupam a única rua da Vila Surumu. De
um lado, índios favoráveis à
permanência dos arrozeiros. Do outro, o grupo
favorável à demarcação
contínua da área.
O tuxaua Martinho Souza disse
que não ficou decepcionado com a suspensão
do julgamento porque isso não representa
nenhuma decisão sobre o futuro da região.
“Vamos continuar acompanhando e vamos esperar a
decisão final. Estamos aqui há 37
anos. E 30 anos não são três
dias. Não vamos diminuir a mobilização”,
garantiu.
O coordenador regional do Conselho
Indígena de Roraima (CIR), Walter de Oliveira,
afirmou que não aceitará provocações
do grupo ligado aos arrozeiros e orientará
os cerca de 700 índios que vieram acompanhar
o julgamento a agir pacificamente.
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Relator vota por demarcação
em área contínua, com saída
de não-índios da reserva
27 de Agosto de 2008 - Marco Antônio
Soalheiro - Repórter da Agência Brasil
- Brasília - O ministro Carlos Ayres Britto,
relator da ação que contesta no Supremo
Tribunal Federal (STF) a demarcação
em área contínua da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol, em Roraima, votou pela manutenção
da reserva conforme homologada em 2005 pelo governo
federal, com 1,7 milhão de hectares.
O ministro rejeitou argumentos
de suposta falsidade do laudo antropológico
e proliferação estimulada de comunidades.
“Toda metodologia antropológica foi observadada
pelos profissionais que detinham competência
para fazê-lo. O estado de Roraima teve participação
assegurada no grupo de trabalho da Funai [Fundação
Nacional do Índio]. Não se confirma
a informação de que houve expansão
artificial de malocas. A extensão da área
é compatível com as coordenadas constitucionais,
e as características geográficas da
região contra-indicam uma demarcação
restritiva.”
Segundo o ministro, são
nulas as titulações conferidas pelo
Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) a não-índios,
pois as terras “já eram e permanecem indígenas”.
Os rizicultores que passaram a explorar as terras
partir de 1992 não têm, de acordo com
Britto, qualquer direito adquirido sobre a terra.
“A presença dos arrozeiros subtrai dos índios
extensa área de solo fértil e degrada
os recursos ambientais necessários à
sobrevivência dos nativos da região.”
“O ato de demarcação
foi meramente declaratório de uma situação
jurídica preexistente, de direito originário
sobre as terras. Preexistente à própria
Constituição e à transformação
de um território em estado-membro”, assinalou
Britto. “Para mim o modelo de demarcação
é contínuo, no sentido de evitar interrupção
física entre o ponto de partida e de chegada”,
acrescentou.
Britto argumentou que, em Roraima,
há terra em abundância para toda a
população do estado. “Tudo em Roraima
é grandioso. Se há, para 19 mil índios,
17 mil quilômetros quadradros, para uma população
de menos de 400 mil não-índios há
121 mil quilômetros quadrados.”
Britto definiu como "falso
antagonismo" a idéia de que demarcação
de terras indígenas atrapalha o desenvolvimento.
“O desenvolvimento que se fizer sem os índios
ou contra os índios onde estiverem eles instalados
à data da Constituição de 1988,
será o mais profundo desrespeito”, afirmou
o ministro. Ele afirmou ainda que não há
impedimento jurídico para que o Exército
não atue nas reservas para preservar a soberania
nacional.
“Não vale o argumento de
que a demarcação contínua acarreta
a não-presença do Estado. Isso não
pode ser imputado aos índios, que não
podem pagar a fatura por algo que não contraíram.
A União deve cumprir o seu dever de assistir
a todas as comunidades indígenas, inclusive
com atuação das Forças Armadas
e da Polícia Federal em faixas de fronteira”,
disse Britto.
Inicialmente, o ministro ressaltou
que a Constituição Federal prevê
tratamento diferenciado aos povos indígenas,
como dispositivos suficientes para que os índios
brasileiros não precisem recorrer a amparo
jurídico estrangeiro.
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Voto de Ayres Britto é
elogiado entre defensores da Raposa Serra do Sol
27 de Agosto de 2008 - Ana Luiza
Zenker* - Repórter da Agência Brasil
- Brasília - A senadora e ex-ministra do
Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC) afirmou, logo
após o fim da sessão de julgamento
sobre a demarcação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal
(STF), que se emocionou em muitos momentos durante
a leitura do voto do relator da ação,
ministro Carlos Ayres Britto.
“O voto do relator é uma
síntese da competência técnica
da postura ética e da poética que
ele tem”, disse. Para a senadora, o pedido de vistas
não foi feito pelo ministro Carlos Alberto
Menezes Direito para protelar a decisão final,
mas para honrar o voto de Britto.
Posição semelhante
é a do presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Marcos Meira.
Ele destacou que o voto dá uma contribuição
jurídica significativa para o país.
“De certa forma até nos reconcilia conosco
mesmo, colocando os pontos nos seus devidos lugares,
e creio que é um momento histórico
que o nosso país está vivendo neste
momento”, acrescentou.
Meira disse esperar que o Supremo
mantenha o decreto de homologação
da terra indígena, de forma a reafirmar a
correção do trabalho da Funai e dos
preceitos constitucionais que protegem os povos
indígenas.
“Tudo o que nós defendemos
e colocamos no processo administrativo foi confirmado
pelo estudo que o ministro Britto fez, e eu espero
que esse voto siga em frente no momento adequado
em que o Supremo volte a se reunir para tomar a
decisão final”.
“Nós conseguimos ter um
voto favorável, isso mostra que é
constitucional a Terra Indígena Raposa Serra
do Sol. Se outros ministros votarem contra, eles
vão estar rasgando a Constituição
brasileira”, afirmou Jecinaldo Sateré-Mawé,
indígena morador da área da reserva,
que acompanhou o julgamento.
Na opinião dele, a Terra
Indígena Raposa Serra do Sol “significa uma
consolidação dos direitos indígenas
no Brasil ou um retrocesso a vinte anos atrás”.
Jecinaldo garantiu que os índios vão
aguardar o resultado final da questão no
STF, mas afirmou que eles continuam determinados
a lutar por seus direitos. “Nós vamos continuar
lutando pelo nosso direito, que é mais sagrado,
que é a terra."