Panorama
 
 
 

A DECLARAÇÃO DA ONU SOBRE POVOS INDÍGENAS E A SOBERANIA BRASILEIRA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Setembro de 2008

03/09/2008 - Leia artigo da advogada Erika Magami Yamada que, ao examinar o voto do ministro Carlos Britto, relator do STF no caso da Raposa-Serra do Sol, faz uma análise da compatibilidade entre a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, a Constituição Federal e a soberania política e territorial brasileira.

Na semana passada (27/08), o Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, surpreendeu com a força e a coragem de seu voto histórico em favor dos povos indígenas da Raposa-Serra do Sol, em Roraima, e do Brasil. Falou-se de uma Constituição que reafirma a compatibilidade da demarcação de terras indígenas de maneira contínua com a integridade das fronteiras do país. Falou-se de uma era constitucional compensatória que visa ao protagonismo de setores minoritários; de uma Carta Magna que valoriza e protege valores, culturas e formas de organizações indígenas; e de um país onde há lugar para todos.

Enquanto a questão da demarcação contínua das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó ainda permanece sob discussão no Supremo Tribunal Federal, o Brasil já tem o que comemorar, e também o que refletir. Não há quem tire a beleza de um dia histórico em defesa dos indígenas e seus direitos na suprema corte do país - ainda que outros dias venham como dias comuns, a repetir os erros do passado, ainda que o voto em questão seja vencido. Contudo, na indesejada hipótese de voto vencido, preocupa saber que, em prejuízo dos povos indígenas, uma errônea opinião pode se fazer unânime e forte, a prejudicar a defesa de direitos e interesses indígenas no Brasil e no mundo: a suposição de que a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas pode ser desprezada no Brasil. Não pode.

Aqui surge então a reflexão para o futuro. Sugere o Ministro Relator em seu voto que os “índios brasileiros nem sequer precisam (da Declaração da ONU sobre direitos indígenas) para ver sua dignidade individual e coletiva juridicamente positivada, pois o nosso Magno texto federal os protege por um modo tão próprio quanto na medida certa.” E conclui que “É a nossa Constituição que os índios brasileiros devem reverenciar como sua carta de alforria no plano sócio-econômico e histórico-cultural, e não essa ou aquela declaração internacional de direitos, por bem intencionada que seja.” Opiniões semelhantes - e outras mais extremadas no sentido de rechaçar por completo tal Declaração - surgiram no decorrer da semana.

A premissa de que o texto magno brasileiro confere proteção aos povos indígenas está corretíssima. No entanto, concluir que por tal razão podemos desprezar a Declaração da ONU ou qualquer ditame de organismos internacionais (dos quais o Brasil é parte por livre escolha) é contribuir para uma afronta ao direito e às relações internacionais e constitucionais. É equivocada a idéia de que documentos e tratados internacionais são necessariamente contrapostos ao direito e soberania nacionais. Não são. Instrumentos internacionais refletem em si a manifestação da soberania e liberdade nacional de cada país no cenário internacional. Cada país pode escolher ou não ratificar um tratado (seja de direito comercial ou de direitos humanos) e incorporá-lo como lei doméstica e vinculante. Cada país tem a liberdade para votar favoravelmente ou contra uma Declaração de direitos humanos, arcando com as conseqüências morais e políticas de seu posicionamento internacional.

Quando comunidades indígenas, por meio de suas organizações ou organizações de direitos humanos acessam o sistema internacional de direitos humanos, dentro dos requisitos de processo de direito nacional e internacional, para fazer valer seus direitos fundamentais (inclusive reconhecidos pela Carta Magna), elas estão contribuindo para que o país se auto-examine e reconheça seus limites para, daí então, poder avançar.

Reclamações internacionais de direitos humanos ajudam a fortalecer a políticas de direitos humanos e os mecanismos de proteção aos cidadãos, ao revés de constituir intromissão estrangeira. Em assunto indígena, reclamações internacionais de direitos humanos (no âmbito do mecanismo CERD, OIT e do sistema interamericano de direitos humanos, e não da Declaração da ONU) evidenciam o entendimento de que as comunidades indígenas reclamantes vêem o Brasil como seu Estado e, por essa razão, reclamam por igualdade de tratamento e de direitos como parte fundamental da cidadania brasileira.

É a própria Constituição brasileira que recepciona o direito internacional dos direitos humanos em seu artigo 5º, parágrafos 2 e 3, comprovando que a Carta Magna nacional caminha de mãos dadas com o direito internacional dos direitos humanos. Portanto, para manter-se na “vanguarda mundial do trato das questões indígenas”, como afirma o Ministro Relator no caso Raposa Serra do Sol, não podemos desprezar o avançado compromisso de intenções e guia norteador das relações entre Estado e povos indígenas que é a Declaração.

A Declaração da ONU sobre direitos indígenas não é lei ou tratado internacional, como bem lembrou a advogada das comunidades indígenas ante a Suprema Corte. A Declaração reafirma a contínua existência indígena e suas vontades de preservar e desenvolver suas próprias culturas e tradições, bem como de participarem das decisões e das políticas que se refiram a eles. A Declaração da ONU não invalida qualquer dispositivo da Constituição brasileira; não incide sobre terras indígenas de maneira a sobrepor-se ao Direito nacional; e não atenta contra a integridade territorial do país. Construída ao longo de um árduo e demorado processo de entendimentos e negociações entre Estados, povos e organizações indígenas, apenas em 2007 a Declaração foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU, com 144 votos de países a favor, 4 contra e 11 abstenções. A adoção da Declaração consagrou o início da nova era de direitos humanos em questões indígenas, mas não antes sem haver passado por ajustes que correspondiam com o interesse dos Estados em esclarecer os limites do termo “self-determination”.

E o que diz a Declaração sobre o assunto? O artigo 3 da Declaração apresenta a estrutura básica do referido direito à livre-determinação, advinda do artigo primeiro padrão dos Pactos de Direitos Humanos da ONU. Já o artigo 4 esclarece que o direito à livre-determinação no contexto indígena está relacionado ao direito à autonomia e ao auto-governo indígena para as questões relacionadas com os assuntos internos e locais indígenas. Trata-se, portanto, de espécie diferenciada de auto-determinação, que a comunidade internacional achou prudente chamar de livre-determinação para explicitamente proteger a integridade territorial dos Estados soberanos.

Na seqüência, o artigo 5 da Declaração esclarece que o escopo do referido direito reside na participação e envolvimento dos povos indígenas na vida nacional do Estado, ao mesmo tempo em que se protege a identidade cultural indígena. Os artigos 18, 19 e 20 reafirmam a relação dos povos indígenas com o Estado, nas inúmeras atividades de interesses das duas partes.

O artigo 36 versa sobre o direito dos povos indígenas de manter e desenvolver os contatos, as relações e a cooperação com seus próprios membros e outros povos através das fronteiras onde vivem. Especificam-se as atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social indígenas - atividades que transcendem as barreiras formais das fronteiras, mas não necessariamente constituem afronta à estrutura estatal.

Por fim, o Artigo 46 (1) da Declaração é explícito no sentido de esclarecer que nenhum dispositivo do documento poderá ser interpretado para autorizar ou fomentar qualquer ação que afete, no todo ou em parte, a integridade territorial ou unidade política dos Estados soberanos independentes, respeitando, assim, a Carta da ONU. A Declaração complementa e reforça os dispositivos constitucionais nacionais em matéria de direitos humanos.

Portanto, do importante voto em favor da causa indígena no Supremo Tribunal Federal, fica um ponto positivo e um desafio para o Brasil: a compreensão da temática indígena como temática de direitos humanos. O direito, e principalmente o direito indígena, evolui à medida que a sociedade envolvente passa a compreender e respeitar a diversidade cultural de outras coletividades. É através de diálogos internacionais e com povos indígenas que se atinge o maduro entendimento das questões. Portanto, se ao louvarmos a constituição brasileira, em seu caráter mais humanista e moderno, rechaçamos um documento internacional de direitos humanos, prendemo-nos a um paradoxo complexo que nos impede de verdadeiramente “conciliar colonização e indigenato”, como brilhantemente propõe o ministro Britto.

Na verdade, a maior garantia da não emancipação de grupos culturalmente distintos, que detêm direitos territoriais incontestáveis porque originários, se dá a partir da garantia da intenção indígena de fazer parte da sociedade maior sem ter de renunciar à sua etnia e cultura - verdadeira inclusão desses povos como parte da sociedade brasileira, e não apenas como folclore. Somente um Estado que efetivamente protege vidas e culturas indígenas através da não-discriminação pode fazer com que os indígenas sigam querendo o “país para ser deles e viver com eles para todo o sempre”, como relata o ministro.

A Declaração, a Constituição e o voto do Ministro Relator concordam entre si no mérito, não há disparates. Para conferir, vale uma leitura responsável e contextualizada da Declaração. Somente através de um processo educativo sobre a Declaração, enquanto documento de direitos humanos, será possível evitar qualquer tentativa de uso malicioso do instrumento em prejuízo dos povos indígenas do Brasil e do mundo. O Brasil quer, precisa e já se comprometeu a avançar ainda mais o humanismo e a vanguarda em termos constitucionais e de direitos indígenas. Resta agora fazê-lo.

Por Erika Magami Yamada, advogada formada pela Universidade de São Paulo, mestre em Direitos Humanos Internacionais pela Universidade de Lund, e doutoranda no Programa de Direito e Política Indígena da Universidade do Arizona.

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Reunidos em assembléia, índios Yanomami rejeitam mineração e denunciam o aumento das DSTs

02/09/2008 - Cerca de 70 representantes de 25 comunidades da região da Serra das Surucucus, Estado de Roraima, se declararam contrários à mineração em suas terras. Reunidos em uma assembléia regional promovida pela Hutukara – Associação Yanomami, de 25 a 27 de agosto, as principais lideranças da região deixaram claro que defenderão sua floresta da cobiça das mineradoras.

O repúdio a futuras atividades de mineração em suas terras foi uma resposta à visita feita por integrantes da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas, no dia 14 de fevereiro. Na ocasião, a principal liderança da comunidade Xirimihiki, Paraná Yanomami, deixou claro aos parlamentares que não aceita a instalação de empreendimentos minerários em suas terras. Anfitrião da assembléia regional da Hutukara, Paraná voltou a criticar a mineração. Segundo ele, antigamente, quando os Yanomami não conheciam os brancos, acreditavam em suas palavras, mas atualmente sabem que a retirada de minérios não trará benefícios para os índios. Por isso, rejeita qualquer tipo de compensação e diz que aceita apenas a presença de brancos que trabalhem na saúde e na educação.

Lideranças Yanomami reunidas em assembléia repudiam projetos de mineração em suas terras e denunciam caos no atendimento sanitário.

A opinião de Paraná foi compartilhada por outros participantes, como Bacuri, da comunidade Thanimu, que relembrou que os Yanomami trabalharam na abertura da pista de pouso e na construção do 4° Pelotão Especial de Fronteira, mas que a vida deles só piorou após a realização dessas obras. O tuxaua Duda, da comunidade Tihisipora, foi enfático ao afirmar que não quer sua floresta estragada. Reiterou que os brancos chegam oferecendo presentes, mas no final cobiçam suas mulheres, poluem os rios e destróem a terra. Sua opinião foi ao encontro das declarações de Raimundo, conselheiro local de Saúde e representante da comunidade Hakoma. Para Raimundo, além de estragar os rios, a mineração vai espantar os animais, matando os Yanomami de fome.

Atori Yanomami, também da comunidade Xirimihiki, lembrou que a cultura está ligada à terra, e afirmou que, com a mineração, o modo de vida dos Yanomami também estará ameaçado. O depoimento mais contundente foi de Garrincha Yanomami, da comunidade Koriyou opë, que afirmou ter visto funcionários da Comara, na época da expansão da pista de Surucucus, no final dos anos 1980, cavarem um buraco fundo e retirarem dele uma grande pedra brilhante, que foi enrolada em um pano e levada pelos brancos.

DSTs

A reunião abordou também os problemas das comunidades da Serra das Surucucus em relação à saúde. Mais uma vez, a situação de abandono e sucateamento foi alvo das queixas dos Yanomami, que denunciaram a total falta de medicamentos e equipamentos, como luvas cirúrgicas, nebulizadores, microscópios e radiofonia.

A maior preocupação dos índios, no entanto, é o aumento descontrolado das DSTs. Representantes de todas as comunidades afirmaram que homens e mulheres sofrem com esse tipo de doença sem que nenhum tipo de atendimento ou prevenção seja oferecido pelos responsáveis pela saúde. Segundo os Yanomami, essas doenças foram transmitidas por garimpeiros e pelos soldados do exército, que mantiveram relações com suas mulheres.

A morosidade e burocracia para o atendimento de emergências com o uso de helicóptero, fundamental para a agilidade nas regiões de difícil acesso, também marcou as preocupações dos participantes.

Em resposta às reivindicações dos Yanomami, Marcelo Lopes, Coordenador Regional da Funasa-RR, afirmou que pretende visitar todas as regiões da Terra Indígena para conhecer os problemas mais de perto, uma vez que ignorava a gravidade da situação em relação às DSTs. Lopes afirmou ainda que pretende resolver rapidamente os problemas relacionados à escassez de remédios e equipamentos, e que irá fiscalizar pessoalmente a aplicação dos recursos da Funasa.

O presidente da Hutukara – Associação Yanomami, Davi Kopenawa, chamou a atenção de Lopes sobre o “buraco sujo da saúde indígena” e sobre os políticos que roubam o dinheiro do atendimento aos Yanomami. Elogiou a coragem da ONG Secoya (Serviço de Cooperação com o Povo Yanomami) por ter assumido as áreas anteriormente atendidas pela Fundação Unidade de Brasília que, devido à malversação de recursos, não teve seu convênio renovado. Mas, segundo Davi, a situação de saúde não melhora porque a Funasa não repassa os recursos necessários. Funcionários estão há três meses sem receber seus salários e os postos de saúde estão sem as condições mínimas de trabalho.

O evento contou também com a presença de Marcelo de Lima Lopes, coordenador regional da Funasa de Roraima, além de representantes do ISA e da Secoya, entidade conveniada responsável pelo atendimento à saúde.
ISA, Rogério Duarte do Pateo.

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Um voto extraterrestre

02/09/2008 - Leia artigo do jornalista Jessé Souza, de Roraima, sobre o histórico voto do ministro do STF, Carlos Ayres Britto, no caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O voto destacou a regularidade do laudo antropológico que fundamentou a demarcação da TI, bem como da Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, que estabeleceu os limites territoriais da área.

Um ex-astronauta da Nasa deu entrevista recentemente dizendo que os Estados Unidos mantêm contatos com extraterrestres desde a década de 60, assunto mantido em absoluto sigilo por causas óbvias: o mundo ruiria se os homens descobrissem que não somos nada, que nossa economia é um blefe, nossa tecnologia um arremedo, nossos transportes são carroças com rodas quadradas e nossas crenças um fiasco.

Ninguém mais acreditaria nas igrejas, em governos, em potências mundiais e todos ficariam sabendo que esse mundo é tão ultrapassado quanto vender guaraná com rolha. Descobriríamos finalmente de onde viemos e para onde iremos, pondo fim a todo o mistério da vida e o sentido de existir. Seria o fim.

Vejo o voto do ministro do Supremo, Ayres Britto, sobre a Raposa Serra do Sol, como o segredo dos extraterrestres revelados para a política local. As 108 laudas são tão aterradoras, por isso esse voto precisa ser vencido para a sobrevivência da forma local de fazer política, para se manter o falso nacionalismo, o alarmismo da invasão estrangeira e a ameaça à soberania.

Ponto por ponto, o voto do ministro destrói cada um desses argumentos, matando monstros, destruindo paranóias, clareando leis e pondo a Constituição Federal no seu devido lugar para resguardar a verdadeira soberania brasileira e os direitos dos povos indígenas.

Cada ponto do relatório do ministro põe às claras as bravatas, os falsos argumentos, as retóricas, o xenofobismo, o preconceito e o racismo. Linha por linha, Ayres Britto devolve à História o seu devido respeito a quem de direito, apontando quem são os que transgridem, os que invadem, os que alardeiam o falso apocalipse.

Se o voto do ministro não for derrubado pela elite agrária e econômica, todos os seus discursos ficarão obsoletos, e eles terão que encontrar novos argumentos, novos pânicos, novas paranóias e nova forma de fazer política.

Terão que refazer planos, estudar novos comportamentos, respeitar leis, obedecer a Constituição e passar a enxergar povos indígenas como gente, com seus direitos e com sua parcela de contribuição.

O voto de Ayres Britto é um extraterrestre que o poder local precisa destruir e esconder. Senão, a população local vai descobrir que, mais uma vez, tudo não passa de alarde para que eles (os poderosos) continuem se mantendo no poder, à custa de um pânico que paralisa, de uma incerteza que dá voto e mantém status.

As pessoas descobririam que sacos de grãos não protegem soberania e que o Brasil é feito de diferentes, onde leis precisam ser respeitadas e instituições preservadas, inclusive de molotovs. Nunca um voto foi tão aterrador para ameaçar um poder que se acha acima de qualquer lei e de qualquer suspeita.
Por Jessé Souza, editor-chefe do jornal Folha de Boa Vista

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Municípios podem diversificar saneamento básico nos mananciais com alternativas tecnológicas

02/09/2008 - Ao investir apenas em grandes obras, os municípios deixam de fora pequenas estações de tratamento, wetlands, círculo de bananeiras, banheiro seco, entre outras alternativas tecnológicas que funcionam tanto em residências como em bairros inteiros. Estas alternativas, que têm a vantagem de terem baixo custo e de envolverem as comunidades locais em sua implementação e manutenção, poderiam diminuir o déficit de saneamento existente nas regiões de mananciais da Grande São Paulo.

Para complementar a Plataforma municipal para os mananciais da Grande São Paulo, o ISA pesquisou alternativas para a implantação de saneamento básico nas áreas produtoras de água da metrópole. Na região, apenas 74% dos 20 milhões de habitantes possuem rede de coleta de esgoto. Destes 20 milhões, somente 7 milhões têm tratamento de esgoto. Esse quadro demonstra que as alternativas escolhidas não têm sido eficientes, tanto por desconsiderar as especificidades locais quanto por seu alto valor e complexidade de implantação e manutenção. Acesse aqui a pesquisa completa.

Bairro Jd. Prainha, em São Paulo, tem grande parte de seu esgoto despejado diretamente na represa Billings.

A implantação de saneamento básico não deve estar pautada apenas na execução de grandes obras que afastam o tratamento do esgoto da sua fonte. Atualmente existe uma grande diversidade de alternativas técnicas de tratamento de saneamento próximas à fonte de esgoto. São sistemas simples, de eficiência comprovada, mais baratos e com maior eficiência em relação às alternativas tradicionais. Algumas destas alternativas, inclusive, podem gerar renda para as comunidades locais, além de envolver os moradores na sua construção, manutenção e monitoramento.

O novo marco legal de saneamento (Lei 11445/07) prevê a adoção, por parte dos municípios, destas novas e alternativas formas de saneamento. Desta forma, todos os municípios podem fomentar e implantar tecnologias alternativas locais para sanear, recuperar e preservar seus mananciais. Contudo, ainda faltam investimentos e um interesse efetivo por parte das prestadoras e gestores municipais para implementar estes sistemas alternativos de saneamento.

A falta de eficiência das grandes estações de tratamento

Os atuais investimentos em saneamento e intervenções das prestadoras de serviço priorizam grandes estações de tratamento que afastam o esgoto de sua origem mas que, em geral, não apresentam resultados satisfatórios mensurados na melhoria da qualidade da água. O Programa Guarapiranga (projeto do governo de São Paulo para recuperar e proteger a bacia da Guarapiranga, realizado entre 1992 e 2000), por exemplo, se limitou a afastar o esgoto que corria a céu aberto em algumas áreas , mas não o coletou e o tratou integralmente. Ainda que algumas das áreas ocupadas precariamente tivessem tido melhorias urbanísticas com o afastamento do esgoto, que prejudicava a saúde e a qualidade de vida da população local, a falta de coleta integral e de tratamento fez com que o mesmo esgoto passasse a chegar em maior volume e com maior velocidade nos rios e córregos que desaguam na Guarapiranga, e também na própria represa, piorando a qualidade da água do manancial.

Local no Jd. Castro Alves, na região da Billings, que poderia ser transformado em wetland sem grandes investimentos.

Além de investimentos pontuais em fossa sépticas, as prestadoras de serviço de saneamento não têm considerado os sistemas alternativos locais de tratamento nas áreas de mananciais. Em suas páginas na Internet, as prestadoras sequer consideram estas alternativas como opções às grandes estações de tratamento. Além disso, como as fossas sépticas foram implementadas sem a garantia de pós-tratamento, tornaram-se ineficiente e verdadeiros focos de contaminação de lençóis freáticos. A implantação de fossas sépticas, desde que feita de forma adequada com pós-tratamento é uma alternativa local de saneamento eficiente. Contudo, os sistemas alternativos de saneamento não se reduzem às fossas sépticas, existem diversas outras alternativas pouco exploradas no Brasil, em especial na RMSP, e que poderiam reverter ou atenuar o atual estado de degradação dos mananciais.

A nova Lei de saneamento (Lei Federal 11445/07) estimula a utilização de alternativas diferenciadas para a prestação de serviços de saneamento ao prever: o fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, a promoção de alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação econômica e financeira dos serviços e a utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários, a adoção de soluções graduais e progressivas, bem como a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento básico.

Existem diversas alternativas tecnológicas e instituições que podem contribuir com a implantação do saneamento e a maximização da auto-sustentação econômica do serviço. Estas alternativas são diferentes das soluções tradicionais tanto pelo tipo de tecnologia empregado, na sua maioria de baixo custo, quanto pela escala de tratamento, mais próxima da fonte de geração do esgoto e com o envolvimento da comunidade local na sua implantação e manutenção. A simplicidade de sua engenharia e os tipos de materiais utilizados geralmente permitem que não somente técnicos as compreendam, implantem e mantenham, mas tornam algo compreensível e acessível a um maior número de pessoas nas comunidades envolvidas.

A contribuição da permacultura

Além da eficiência no tratamento, agregam-se às tecnologias alternativas valores ambientais da Permacultura: a água é reutilizada, o esgoto vira adubo e em alguns casos os materiais naturais, dentre eles plantas com alto poder de absorção de matéria orgânica, como bananeiras, passam a fazer parte do espaço verde dos bairros e áreas de lazer da cidade. A Permacultura, ou cultura permanente, é um conjunto de práticas que utilizam métodos ecologicamente saudáveis e economicamente viáveis, capazes de responder às necessidades básicas sem explorar ou poluir o meio ambiente, sendo auto-suficientes a longo prazo.

A pesquisa do ISA resultou em uma lista de alternativas que podem ser utilizadas para atender residências e bairros e outras para atender mais de um bairro, um município ou um conjunto do um municípios. Em geral, todas as alternativas que podem ser adotadas por residências também podem ser ampliadas para atender pelo menos um bairro e, além de tratar o esgoto, melhorar o espaço público e garantir o reuso da água para diversas finalidades; o círculo de bananeiras, por exemplo, pode ser implantado em uma residência ou em uma praça e, além de tratar as águas cinzas (água de banho, pia e lavagens em geral) de todos os residentes de um bairro, contribui para manter a área verde por meio do adubo e irrigação, reutilizando a água tratada; os banheiros secos, por sua vez, podem atender uma residência ou mais pessoas servindo de banheiro público e também produzem adubo; a reciclagem de água através de filtros naturais e artificiais com materiais porosos, o sistema circuito fechado e as fossas sépticas também podem ser adotados como soluções e permitem que a água seja usada para limpeza doméstica (tanques, pias, vaso sanitário e chuveiro), irrigação de plantações, rega de plantas, sistemas de ar condicionado e usos industriais.

As soluções também podem visar atender maior número de habitantes, mantendo-se localizadas, possibilitando o reúso da água e tornar parte do espaço de lazer das cidades e/ou bairros: as pequenas estações de tratamento descentralizadas, os filtros percoladores, o reator seqüencial por bateladas e as wetlands são formas de tratamento de esgoto local com maior capacidade de tratamento (podendo atender um ou mais municípios) que permitem tratar minimamente a água para que possa ser lançada no corpo hídrico em condições adequadas, bem como a irrigação das plantas do jardim e árvores, sendo que as wetlands podem se transformar em verdadeiras áreas de lazer e parques.

Todas estas alternativas podem e devem ser fomentadas, estudadas e implantadas pelos municípios e prestadores de serviço de saneamento de forma direta ou mediante parceria com outras instituições. E, de acordo com o novo marco legal do saneamento, trata-se de um dever do município exercer este papel, garantindo a eficiência do tratamento considerando as especificidades locais e maiores benefício sociais e econômicos.
ISA, Lilia Toledo Diniz.

 
 

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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