03/09/2008 - Leia artigo da advogada
Erika Magami Yamada que, ao examinar o voto do ministro
Carlos Britto, relator do STF no caso da Raposa-Serra
do Sol, faz uma análise
da compatibilidade entre a Declaração
da ONU sobre os direitos dos povos indígenas,
a Constituição Federal e a soberania
política e territorial brasileira.
Na semana passada (27/08), o Ministro
Relator do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres
Britto, surpreendeu com a força e a coragem
de seu voto histórico em favor dos povos
indígenas da Raposa-Serra do Sol, em Roraima,
e do Brasil. Falou-se de uma Constituição
que reafirma a compatibilidade da demarcação
de terras indígenas de maneira contínua
com a integridade das fronteiras do país.
Falou-se de uma era constitucional compensatória
que visa ao protagonismo de setores minoritários;
de uma Carta Magna que valoriza e protege valores,
culturas e formas de organizações
indígenas; e de um país onde há
lugar para todos.
Enquanto a questão da demarcação
contínua das terras tradicionalmente ocupadas
pelos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona
e Ingaricó ainda permanece sob discussão
no Supremo Tribunal Federal, o Brasil já
tem o que comemorar, e também o que refletir.
Não há quem tire a beleza de um dia
histórico em defesa dos indígenas
e seus direitos na suprema corte do país
- ainda que outros dias venham como dias comuns,
a repetir os erros do passado, ainda que o voto
em questão seja vencido. Contudo, na indesejada
hipótese de voto vencido, preocupa saber
que, em prejuízo dos povos indígenas,
uma errônea opinião pode se fazer unânime
e forte, a prejudicar a defesa de direitos e interesses
indígenas no Brasil e no mundo: a suposição
de que a Declaração da ONU sobre os
direitos dos povos indígenas pode ser desprezada
no Brasil. Não pode.
Aqui surge então a reflexão
para o futuro. Sugere o Ministro Relator em seu
voto que os “índios brasileiros nem sequer
precisam (da Declaração da ONU sobre
direitos indígenas) para ver sua dignidade
individual e coletiva juridicamente positivada,
pois o nosso Magno texto federal os protege por
um modo tão próprio quanto na medida
certa.” E conclui que “É a nossa Constituição
que os índios brasileiros devem reverenciar
como sua carta de alforria no plano sócio-econômico
e histórico-cultural, e não essa ou
aquela declaração internacional de
direitos, por bem intencionada que seja.” Opiniões
semelhantes - e outras mais extremadas no sentido
de rechaçar por completo tal Declaração
- surgiram no decorrer da semana.
A premissa de que o texto magno
brasileiro confere proteção aos povos
indígenas está corretíssima.
No entanto, concluir que por tal razão podemos
desprezar a Declaração da ONU ou qualquer
ditame de organismos internacionais (dos quais o
Brasil é parte por livre escolha) é
contribuir para uma afronta ao direito e às
relações internacionais e constitucionais.
É equivocada a idéia de que documentos
e tratados internacionais são necessariamente
contrapostos ao direito e soberania nacionais. Não
são. Instrumentos internacionais refletem
em si a manifestação da soberania
e liberdade nacional de cada país no cenário
internacional. Cada país pode escolher ou
não ratificar um tratado (seja de direito
comercial ou de direitos humanos) e incorporá-lo
como lei doméstica e vinculante. Cada país
tem a liberdade para votar favoravelmente ou contra
uma Declaração de direitos humanos,
arcando com as conseqüências morais e
políticas de seu posicionamento internacional.
Quando comunidades indígenas,
por meio de suas organizações ou organizações
de direitos humanos acessam o sistema internacional
de direitos humanos, dentro dos requisitos de processo
de direito nacional e internacional, para fazer
valer seus direitos fundamentais (inclusive reconhecidos
pela Carta Magna), elas estão contribuindo
para que o país se auto-examine e reconheça
seus limites para, daí então, poder
avançar.
Reclamações internacionais
de direitos humanos ajudam a fortalecer a políticas
de direitos humanos e os mecanismos de proteção
aos cidadãos, ao revés de constituir
intromissão estrangeira. Em assunto indígena,
reclamações internacionais de direitos
humanos (no âmbito do mecanismo CERD, OIT
e do sistema interamericano de direitos humanos,
e não da Declaração da ONU)
evidenciam o entendimento de que as comunidades
indígenas reclamantes vêem o Brasil
como seu Estado e, por essa razão, reclamam
por igualdade de tratamento e de direitos como parte
fundamental da cidadania brasileira.
É a própria Constituição
brasileira que recepciona o direito internacional
dos direitos humanos em seu artigo 5º, parágrafos
2 e 3, comprovando que a Carta Magna nacional caminha
de mãos dadas com o direito internacional
dos direitos humanos. Portanto, para manter-se na
“vanguarda mundial do trato das questões
indígenas”, como afirma o Ministro Relator
no caso Raposa Serra do Sol, não podemos
desprezar o avançado compromisso de intenções
e guia norteador das relações entre
Estado e povos indígenas que é a Declaração.
A Declaração da
ONU sobre direitos indígenas não é
lei ou tratado internacional, como bem lembrou a
advogada das comunidades indígenas ante a
Suprema Corte. A Declaração reafirma
a contínua existência indígena
e suas vontades de preservar e desenvolver suas
próprias culturas e tradições,
bem como de participarem das decisões e das
políticas que se refiram a eles. A Declaração
da ONU não invalida qualquer dispositivo
da Constituição brasileira; não
incide sobre terras indígenas de maneira
a sobrepor-se ao Direito nacional; e não
atenta contra a integridade territorial do país.
Construída ao longo de um árduo e
demorado processo de entendimentos e negociações
entre Estados, povos e organizações
indígenas, apenas em 2007 a Declaração
foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU,
com 144 votos de países a favor, 4 contra
e 11 abstenções. A adoção
da Declaração consagrou o início
da nova era de direitos humanos em questões
indígenas, mas não antes sem haver
passado por ajustes que correspondiam com o interesse
dos Estados em esclarecer os limites do termo “self-determination”.
E o que diz a Declaração
sobre o assunto? O artigo 3 da Declaração
apresenta a estrutura básica do referido
direito à livre-determinação,
advinda do artigo primeiro padrão dos Pactos
de Direitos Humanos da ONU. Já o artigo 4
esclarece que o direito à livre-determinação
no contexto indígena está relacionado
ao direito à autonomia e ao auto-governo
indígena para as questões relacionadas
com os assuntos internos e locais indígenas.
Trata-se, portanto, de espécie diferenciada
de auto-determinação, que a comunidade
internacional achou prudente chamar de livre-determinação
para explicitamente proteger a integridade territorial
dos Estados soberanos.
Na seqüência, o artigo
5 da Declaração esclarece que o escopo
do referido direito reside na participação
e envolvimento dos povos indígenas na vida
nacional do Estado, ao mesmo tempo em que se protege
a identidade cultural indígena. Os artigos
18, 19 e 20 reafirmam a relação dos
povos indígenas com o Estado, nas inúmeras
atividades de interesses das duas partes.
O artigo 36 versa sobre o direito
dos povos indígenas de manter e desenvolver
os contatos, as relações e a cooperação
com seus próprios membros e outros povos
através das fronteiras onde vivem. Especificam-se
as atividades de caráter espiritual, cultural,
político, econômico e social indígenas
- atividades que transcendem as barreiras formais
das fronteiras, mas não necessariamente constituem
afronta à estrutura estatal.
Por fim, o Artigo 46 (1) da Declaração
é explícito no sentido de esclarecer
que nenhum dispositivo do documento poderá
ser interpretado para autorizar ou fomentar qualquer
ação que afete, no todo ou em parte,
a integridade territorial ou unidade política
dos Estados soberanos independentes, respeitando,
assim, a Carta da ONU. A Declaração
complementa e reforça os dispositivos constitucionais
nacionais em matéria de direitos humanos.
Portanto, do importante voto em
favor da causa indígena no Supremo Tribunal
Federal, fica um ponto positivo e um desafio para
o Brasil: a compreensão da temática
indígena como temática de direitos
humanos. O direito, e principalmente o direito indígena,
evolui à medida que a sociedade envolvente
passa a compreender e respeitar a diversidade cultural
de outras coletividades. É através
de diálogos internacionais e com povos indígenas
que se atinge o maduro entendimento das questões.
Portanto, se ao louvarmos a constituição
brasileira, em seu caráter mais humanista
e moderno, rechaçamos um documento internacional
de direitos humanos, prendemo-nos a um paradoxo
complexo que nos impede de verdadeiramente “conciliar
colonização e indigenato”, como brilhantemente
propõe o ministro Britto.
Na verdade, a maior garantia da
não emancipação de grupos culturalmente
distintos, que detêm direitos territoriais
incontestáveis porque originários,
se dá a partir da garantia da intenção
indígena de fazer parte da sociedade maior
sem ter de renunciar à sua etnia e cultura
- verdadeira inclusão desses povos como parte
da sociedade brasileira, e não apenas como
folclore. Somente um Estado que efetivamente protege
vidas e culturas indígenas através
da não-discriminação pode fazer
com que os indígenas sigam querendo o “país
para ser deles e viver com eles para todo o sempre”,
como relata o ministro.
A Declaração, a
Constituição e o voto do Ministro
Relator concordam entre si no mérito, não
há disparates. Para conferir, vale uma leitura
responsável e contextualizada da Declaração.
Somente através de um processo educativo
sobre a Declaração, enquanto documento
de direitos humanos, será possível
evitar qualquer tentativa de uso malicioso do instrumento
em prejuízo dos povos indígenas do
Brasil e do mundo. O Brasil quer, precisa e já
se comprometeu a avançar ainda mais o humanismo
e a vanguarda em termos constitucionais e de direitos
indígenas. Resta agora fazê-lo.
Por Erika Magami Yamada, advogada
formada pela Universidade de São Paulo, mestre
em Direitos Humanos Internacionais pela Universidade
de Lund, e doutoranda no Programa de Direito e Política
Indígena da Universidade do Arizona.
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Reunidos em assembléia,
índios Yanomami rejeitam mineração
e denunciam o aumento das DSTs
02/09/2008 - Cerca de 70 representantes
de 25 comunidades da região da Serra das
Surucucus, Estado de Roraima, se declararam contrários
à mineração em suas terras.
Reunidos em uma assembléia regional promovida
pela Hutukara – Associação Yanomami,
de 25 a 27 de agosto, as principais lideranças
da região deixaram claro que defenderão
sua floresta da cobiça das mineradoras.
O repúdio a futuras atividades
de mineração em suas terras foi uma
resposta à visita feita por integrantes da
Comissão Especial de Mineração
em Terras Indígenas, no dia 14 de fevereiro.
Na ocasião, a principal liderança
da comunidade Xirimihiki, Paraná Yanomami,
deixou claro aos parlamentares que não aceita
a instalação de empreendimentos minerários
em suas terras. Anfitrião da assembléia
regional da Hutukara, Paraná voltou a criticar
a mineração. Segundo ele, antigamente,
quando os Yanomami não conheciam os brancos,
acreditavam em suas palavras, mas atualmente sabem
que a retirada de minérios não trará
benefícios para os índios. Por isso,
rejeita qualquer tipo de compensação
e diz que aceita apenas a presença de brancos
que trabalhem na saúde e na educação.
Lideranças Yanomami reunidas em assembléia
repudiam projetos de mineração em
suas terras e denunciam caos no atendimento sanitário.
A opinião de Paraná
foi compartilhada por outros participantes, como
Bacuri, da comunidade Thanimu, que relembrou que
os Yanomami trabalharam na abertura da pista de
pouso e na construção do 4° Pelotão
Especial de Fronteira, mas que a vida deles só
piorou após a realização dessas
obras. O tuxaua Duda, da comunidade Tihisipora,
foi enfático ao afirmar que não quer
sua floresta estragada. Reiterou que os brancos
chegam oferecendo presentes, mas no final cobiçam
suas mulheres, poluem os rios e destróem
a terra. Sua opinião foi ao encontro das
declarações de Raimundo, conselheiro
local de Saúde e representante da comunidade
Hakoma. Para Raimundo, além de estragar os
rios, a mineração vai espantar os
animais, matando os Yanomami de fome.
Atori Yanomami, também
da comunidade Xirimihiki, lembrou que a cultura
está ligada à terra, e afirmou que,
com a mineração, o modo de vida dos
Yanomami também estará ameaçado.
O depoimento mais contundente foi de Garrincha Yanomami,
da comunidade Koriyou opë, que afirmou ter
visto funcionários da Comara, na época
da expansão da pista de Surucucus, no final
dos anos 1980, cavarem um buraco fundo e retirarem
dele uma grande pedra brilhante, que foi enrolada
em um pano e levada pelos brancos.
DSTs
A reunião abordou também
os problemas das comunidades da Serra das Surucucus
em relação à saúde.
Mais uma vez, a situação de abandono
e sucateamento foi alvo das queixas dos Yanomami,
que denunciaram a total falta de medicamentos e
equipamentos, como luvas cirúrgicas, nebulizadores,
microscópios e radiofonia.
A maior preocupação
dos índios, no entanto, é o aumento
descontrolado das DSTs. Representantes de todas
as comunidades afirmaram que homens e mulheres sofrem
com esse tipo de doença sem que nenhum tipo
de atendimento ou prevenção seja oferecido
pelos responsáveis pela saúde. Segundo
os Yanomami, essas doenças foram transmitidas
por garimpeiros e pelos soldados do exército,
que mantiveram relações com suas mulheres.
A morosidade e burocracia para
o atendimento de emergências com o uso de
helicóptero, fundamental para a agilidade
nas regiões de difícil acesso, também
marcou as preocupações dos participantes.
Em resposta às reivindicações
dos Yanomami, Marcelo Lopes, Coordenador Regional
da Funasa-RR, afirmou que pretende visitar todas
as regiões da Terra Indígena para
conhecer os problemas mais de perto, uma vez que
ignorava a gravidade da situação em
relação às DSTs. Lopes afirmou
ainda que pretende resolver rapidamente os problemas
relacionados à escassez de remédios
e equipamentos, e que irá fiscalizar pessoalmente
a aplicação dos recursos da Funasa.
O presidente da Hutukara – Associação
Yanomami, Davi Kopenawa, chamou a atenção
de Lopes sobre o “buraco sujo da saúde indígena”
e sobre os políticos que roubam o dinheiro
do atendimento aos Yanomami. Elogiou a coragem da
ONG Secoya (Serviço de Cooperação
com o Povo Yanomami) por ter assumido as áreas
anteriormente atendidas pela Fundação
Unidade de Brasília que, devido à
malversação de recursos, não
teve seu convênio renovado. Mas, segundo Davi,
a situação de saúde não
melhora porque a Funasa não repassa os recursos
necessários. Funcionários estão
há três meses sem receber seus salários
e os postos de saúde estão sem as
condições mínimas de trabalho.
O evento contou também
com a presença de Marcelo de Lima Lopes,
coordenador regional da Funasa de Roraima, além
de representantes do ISA e da Secoya, entidade conveniada
responsável pelo atendimento à saúde.
ISA, Rogério Duarte do Pateo.
+ Mais
Um voto extraterrestre
02/09/2008 - Leia artigo do jornalista
Jessé Souza, de Roraima, sobre o histórico
voto do ministro do STF, Carlos Ayres Britto, no
caso da demarcação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol. O voto destacou a regularidade
do laudo antropológico que fundamentou a
demarcação da TI, bem como da Portaria
534/05, do Ministério da Justiça,
que estabeleceu os limites territoriais da área.
Um ex-astronauta da Nasa deu entrevista
recentemente dizendo que os Estados Unidos mantêm
contatos com extraterrestres desde a década
de 60, assunto mantido em absoluto sigilo por causas
óbvias: o mundo ruiria se os homens descobrissem
que não somos nada, que nossa economia é
um blefe, nossa tecnologia um arremedo, nossos transportes
são carroças com rodas quadradas e
nossas crenças um fiasco.
Ninguém mais acreditaria
nas igrejas, em governos, em potências mundiais
e todos ficariam sabendo que esse mundo é
tão ultrapassado quanto vender guaraná
com rolha. Descobriríamos finalmente de onde
viemos e para onde iremos, pondo fim a todo o mistério
da vida e o sentido de existir. Seria o fim.
Vejo o voto do ministro do Supremo,
Ayres Britto, sobre a Raposa Serra do Sol, como
o segredo dos extraterrestres revelados para a política
local. As 108 laudas são tão aterradoras,
por isso esse voto precisa ser vencido para a sobrevivência
da forma local de fazer política, para se
manter o falso nacionalismo, o alarmismo da invasão
estrangeira e a ameaça à soberania.
Ponto por ponto, o voto do ministro
destrói cada um desses argumentos, matando
monstros, destruindo paranóias, clareando
leis e pondo a Constituição Federal
no seu devido lugar para resguardar a verdadeira
soberania brasileira e os direitos dos povos indígenas.
Cada ponto do relatório
do ministro põe às claras as bravatas,
os falsos argumentos, as retóricas, o xenofobismo,
o preconceito e o racismo. Linha por linha, Ayres
Britto devolve à História o seu devido
respeito a quem de direito, apontando quem são
os que transgridem, os que invadem, os que alardeiam
o falso apocalipse.
Se o voto do ministro não
for derrubado pela elite agrária e econômica,
todos os seus discursos ficarão obsoletos,
e eles terão que encontrar novos argumentos,
novos pânicos, novas paranóias e nova
forma de fazer política.
Terão que refazer planos,
estudar novos comportamentos, respeitar leis, obedecer
a Constituição e passar a enxergar
povos indígenas como gente, com seus direitos
e com sua parcela de contribuição.
O voto de Ayres Britto é
um extraterrestre que o poder local precisa destruir
e esconder. Senão, a população
local vai descobrir que, mais uma vez, tudo não
passa de alarde para que eles (os poderosos) continuem
se mantendo no poder, à custa de um pânico
que paralisa, de uma incerteza que dá voto
e mantém status.
As pessoas descobririam que sacos
de grãos não protegem soberania e
que o Brasil é feito de diferentes, onde
leis precisam ser respeitadas e instituições
preservadas, inclusive de molotovs. Nunca um voto
foi tão aterrador para ameaçar um
poder que se acha acima de qualquer lei e de qualquer
suspeita.
Por Jessé Souza, editor-chefe do jornal Folha
de Boa Vista
+ Mais
Municípios podem diversificar
saneamento básico nos mananciais com alternativas
tecnológicas
02/09/2008 - Ao investir apenas
em grandes obras, os municípios deixam de
fora pequenas estações de tratamento,
wetlands, círculo de bananeiras, banheiro
seco, entre outras alternativas tecnológicas
que funcionam tanto em residências como em
bairros inteiros. Estas alternativas, que têm
a vantagem de terem baixo custo e de envolverem
as comunidades locais em sua implementação
e manutenção, poderiam diminuir o
déficit de saneamento existente nas regiões
de mananciais da Grande São Paulo.
Para complementar a Plataforma
municipal para os mananciais da Grande São
Paulo, o ISA pesquisou alternativas para a implantação
de saneamento básico nas áreas produtoras
de água da metrópole. Na região,
apenas 74% dos 20 milhões de habitantes possuem
rede de coleta de esgoto. Destes 20 milhões,
somente 7 milhões têm tratamento de
esgoto. Esse quadro demonstra que as alternativas
escolhidas não têm sido eficientes,
tanto por desconsiderar as especificidades locais
quanto por seu alto valor e complexidade de implantação
e manutenção. Acesse aqui a pesquisa
completa.
Bairro Jd. Prainha, em São Paulo, tem grande
parte de seu esgoto despejado diretamente na represa
Billings.
A implantação de
saneamento básico não deve estar pautada
apenas na execução de grandes obras
que afastam o tratamento do esgoto da sua fonte.
Atualmente existe uma grande diversidade de alternativas
técnicas de tratamento de saneamento próximas
à fonte de esgoto. São sistemas simples,
de eficiência comprovada, mais baratos e com
maior eficiência em relação
às alternativas tradicionais. Algumas destas
alternativas, inclusive, podem gerar renda para
as comunidades locais, além de envolver os
moradores na sua construção, manutenção
e monitoramento.
O novo marco legal de saneamento
(Lei 11445/07) prevê a adoção,
por parte dos municípios, destas novas e
alternativas formas de saneamento. Desta forma,
todos os municípios podem fomentar e implantar
tecnologias alternativas locais para sanear, recuperar
e preservar seus mananciais. Contudo, ainda faltam
investimentos e um interesse efetivo por parte das
prestadoras e gestores municipais para implementar
estes sistemas alternativos de saneamento.
A falta de eficiência das
grandes estações de tratamento
Os atuais investimentos em saneamento
e intervenções das prestadoras de
serviço priorizam grandes estações
de tratamento que afastam o esgoto de sua origem
mas que, em geral, não apresentam resultados
satisfatórios mensurados na melhoria da qualidade
da água. O Programa Guarapiranga (projeto
do governo de São Paulo para recuperar e
proteger a bacia da Guarapiranga, realizado entre
1992 e 2000), por exemplo, se limitou a afastar
o esgoto que corria a céu aberto em algumas
áreas , mas não o coletou e o tratou
integralmente. Ainda que algumas das áreas
ocupadas precariamente tivessem tido melhorias urbanísticas
com o afastamento do esgoto, que prejudicava a saúde
e a qualidade de vida da população
local, a falta de coleta integral e de tratamento
fez com que o mesmo esgoto passasse a chegar em
maior volume e com maior velocidade nos rios e córregos
que desaguam na Guarapiranga, e também na
própria represa, piorando a qualidade da
água do manancial.
Local no Jd. Castro Alves, na região da Billings,
que poderia ser transformado em wetland sem grandes
investimentos.
Além de investimentos pontuais
em fossa sépticas, as prestadoras de serviço
de saneamento não têm considerado os
sistemas alternativos locais de tratamento nas áreas
de mananciais. Em suas páginas na Internet,
as prestadoras sequer consideram estas alternativas
como opções às grandes estações
de tratamento. Além disso, como as fossas
sépticas foram implementadas sem a garantia
de pós-tratamento, tornaram-se ineficiente
e verdadeiros focos de contaminação
de lençóis freáticos. A implantação
de fossas sépticas, desde que feita de forma
adequada com pós-tratamento é uma
alternativa local de saneamento eficiente. Contudo,
os sistemas alternativos de saneamento não
se reduzem às fossas sépticas, existem
diversas outras alternativas pouco exploradas no
Brasil, em especial na RMSP, e que poderiam reverter
ou atenuar o atual estado de degradação
dos mananciais.
A nova Lei de saneamento (Lei
Federal 11445/07) estimula a utilização
de alternativas diferenciadas para a prestação
de serviços de saneamento ao prever: o fomento
ao desenvolvimento científico e tecnológico,
a promoção de alternativas de gestão
que viabilizem a auto-sustentação
econômica e financeira dos serviços
e a utilização de tecnologias apropriadas,
considerando a capacidade de pagamento dos usuários,
a adoção de soluções
graduais e progressivas, bem como a difusão
dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento
básico.
Existem diversas alternativas
tecnológicas e instituições
que podem contribuir com a implantação
do saneamento e a maximização da auto-sustentação
econômica do serviço. Estas alternativas
são diferentes das soluções
tradicionais tanto pelo tipo de tecnologia empregado,
na sua maioria de baixo custo, quanto pela escala
de tratamento, mais próxima da fonte de geração
do esgoto e com o envolvimento da comunidade local
na sua implantação e manutenção.
A simplicidade de sua engenharia e os tipos de materiais
utilizados geralmente permitem que não somente
técnicos as compreendam, implantem e mantenham,
mas tornam algo compreensível e acessível
a um maior número de pessoas nas comunidades
envolvidas.
A contribuição da
permacultura
Além da eficiência
no tratamento, agregam-se às tecnologias
alternativas valores ambientais da Permacultura:
a água é reutilizada, o esgoto vira
adubo e em alguns casos os materiais naturais, dentre
eles plantas com alto poder de absorção
de matéria orgânica, como bananeiras,
passam a fazer parte do espaço verde dos
bairros e áreas de lazer da cidade. A Permacultura,
ou cultura permanente, é um conjunto de práticas
que utilizam métodos ecologicamente saudáveis
e economicamente viáveis, capazes de responder
às necessidades básicas sem explorar
ou poluir o meio ambiente, sendo auto-suficientes
a longo prazo.
A pesquisa do ISA resultou em
uma lista de alternativas que podem ser utilizadas
para atender residências e bairros e outras
para atender mais de um bairro, um município
ou um conjunto do um municípios. Em geral,
todas as alternativas que podem ser adotadas por
residências também podem ser ampliadas
para atender pelo menos um bairro e, além
de tratar o esgoto, melhorar o espaço público
e garantir o reuso da água para diversas
finalidades; o círculo de bananeiras, por
exemplo, pode ser implantado em uma residência
ou em uma praça e, além de tratar
as águas cinzas (água de banho, pia
e lavagens em geral) de todos os residentes de um
bairro, contribui para manter a área verde
por meio do adubo e irrigação, reutilizando
a água tratada; os banheiros secos, por sua
vez, podem atender uma residência ou mais
pessoas servindo de banheiro público e também
produzem adubo; a reciclagem de água através
de filtros naturais e artificiais com materiais
porosos, o sistema circuito fechado e as fossas
sépticas também podem ser adotados
como soluções e permitem que a água
seja usada para limpeza doméstica (tanques,
pias, vaso sanitário e chuveiro), irrigação
de plantações, rega de plantas, sistemas
de ar condicionado e usos industriais.
As soluções também
podem visar atender maior número de habitantes,
mantendo-se localizadas, possibilitando o reúso
da água e tornar parte do espaço de
lazer das cidades e/ou bairros: as pequenas estações
de tratamento descentralizadas, os filtros percoladores,
o reator seqüencial por bateladas e as wetlands
são formas de tratamento de esgoto local
com maior capacidade de tratamento (podendo atender
um ou mais municípios) que permitem tratar
minimamente a água para que possa ser lançada
no corpo hídrico em condições
adequadas, bem como a irrigação das
plantas do jardim e árvores, sendo que as
wetlands podem se transformar em verdadeiras áreas
de lazer e parques.
Todas estas alternativas podem
e devem ser fomentadas, estudadas e implantadas
pelos municípios e prestadores de serviço
de saneamento de forma direta ou mediante parceria
com outras instituições. E, de acordo
com o novo marco legal do saneamento, trata-se de
um dever do município exercer este papel,
garantindo a eficiência do tratamento considerando
as especificidades locais e maiores benefício
sociais e econômicos.
ISA, Lilia Toledo Diniz.