04/09/2008 - O Serviço
e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya),
organização sem fins lucrativos, informou
em nota pública a paralisação
temporária de suas
atividades de atendimento à saúde
na TI Yanomami. Segundo seu coordenador, a burocracia
e a morosidade da Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) no repasse dos recursos
impedem o pagamento de pessoal, a compra de medicamentos,
equipamentos e insumos e deixam 12 mil Yanomami
sem atendimento.
O Serviço e Cooperação
com o Povo Yanomami (Secoya), organização
sem fins lucrativos, informou em nota pública
a paralisação temporária de
suas atividades. Segundo seu coordenador, Silvio
Cavuscens, a burocracia e a morosidade da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) no repasse dos
recursos para pagamento de pessoal, compra de medicamentos,
equipamentos e insumos tornaram insustentáveis
as atividades na Terra Indígena. Servidores
há dois meses sem pagamento se recusam a
entrar em área e, com isso, deixam mais de
12 mil Yanomami sem atendimento.
Apesar de atuar no Amazonas desde
1999, apenas em 2008 o Secoya aceitou assumir o
atendimento à saúde dos Yanomami de
Roraima a convite da Funasa, quando a conveniada
anterior, ligada à Fundação
Universidade de Brasília, não teve
seu contrato renovado devido a denúncias
de malversação de recursos e baixa
qualidade do atendimento. A paralização
das atividades da instituição contraria
as promessas feitas aos Yanomami dia 27 de agosto
último por Marcelo Lima Lopes, Coordenador
Regional da Funasa em Roraima, durante a Assembléia
Regional da Hutukara – Associação
Yanomami, realizada na região da Serra das
Surucucus. Nesse evento, Marcelo Lopes declarou
que a crise na Funasa estava no fim, e que os recursos
logo seriam liberados.
Leia abaixo a íntegra do
comunicado público do Secoya.
SECOYA COMUNICA A PARALISAÇÃO
DAS ACÕES DE SAÚDE PARA A POPULAÇÃO
YANOMAMI DE RORAIMA
A Associação Serviço
e Cooperação com o Povo Yanomami –
Secoya vem a público comunicar a paralisação
de suas atividades de saúde junto à
população Yanomami de Roraima em decorrência
de mais de dois meses de atrasos de recursos além
da falta de condições adequadas de
trabalho para executar tais atividades.
A Secoya mantém parceria
com a FUNASA desde 1999, através de convênios
voltados para a assistência básica
de saúde junto à população
Yanomami dos Municípios de Barcelos e Santa
Isabel do Rio Negro, no Estado do Amazonas. Recentemente,
a partir de março de 2008, assumiu, a convite
da FUNASA, as ações de saúde
junto ao povo Yanomami e Ye´kuana residentes
nos estados do Amazonas e Roraima, totalizando 12.360
pessoas distribuídas em 183 aldeias.
Organizar os serviços de
saúde numa região cujo acesso se dá
via aérea para a maioria das aldeias localizadas
em Roraima e via fluvial no Amazonas, transpondo
multiplicidade de obstáculos e cachoeiras,
já não é tarefa fácil,
sem falar das enormes distâncias a serem percorridas
pelos profissionais de saúde para alcançar
as aldeias localizadas em áreas centrais
ou de serra.
Esta rede de assistência
pressupõe um espírito de serviço
e um gostar desse povo de cultura tão distinta.
Caso contrário, não seria possível
suportar as dificuldades impostas, seja pelo tempo
de serviço diretamente em campo (entre um
a dois meses), seja pelo isolamento e as limitações
de comunicação por meio de radiofonia.
A Secoya aceitou este desafio em solidariedade ao
povo Yanomami e esperando contar com as promessas
de apoio feitas pela direção da FUNASA
em Brasília (DESAI), condição
sine qua non para garantir a retomada das ações
de saúde no DSEI Yanomami e Ye´kuana,
após anos de atendimento precário.
Iniciou-se em março um processo de pactuação
concluído em julho para cobrir o período
de maio 2008 a maio 2009. Por conta da morosidade
dos trâmites administrativos da FUNASA na
aprovação de convênio e de análise
de prestação de contas, nos encontramos
sem recursos desde final de junho, sofrendo pressões
dos profissionais que estão com seus vencimentos
atrasados (salários de julho e agosto) e
que não querem entrar em campo nessas condições.
É necessário recordar
que muitos desses profissionais sofreram na pele
os problemas decorrentes do Convênio entre
a FUNASA e a Fundação Universidade
de Brasília-FUB, ficando sem receber até
hoje os vencimentos correspondentes a seis meses
de trabalho realizados em 2007, sem qualquer respeito
às leis trabalhistas vigentes no país.
Contudo, a realidade hoje é bem mais preocupante
e ultrapassa as questões acima levantadas.
A política de saúde
indígena passou por várias mudanças
desde 1999, que não conseguiram consolidar
esse modelo de sub-sistema de saúde para
que seja de fato operacional, coerente e adaptado
a multiplicidade da realidade dos povos indígenas
localizados nos 34 Distritos Sanitários Especiais
Indígenas-DSEI em nível nacional.
A centralização da gestão da
saúde indígena na FUNASA em Brasília
(medicamentos, combustível, processos de
pactuação, análise de prestação
das conveniadas, etc.) vem gerando demora nos processos
administrativos e constantes atrasos na aprovação
e liberação de recursos para as conveniadas.
Além disso, os princípios básicos
definidos nas leis que constituíram os DSEI
foram paulatinamente desvirtuados. Os Distritos
perderam a sua autonomia e ficaram refém
das Coordenações Regionais e os Conselhos
Distritais passaram a ter uma atuação
figurativa no processo de decisão em relação
aos Planos Distritais e as propostas orçamentárias
dos DSEI e dos Planos de Ação das
conveniadas. O Controle Social, proposta participativa
ousada, ficou então apagado.
Outra questão séria
se refere às dificuldades de gestão
da FUNASA, principalmente devido às influências
políticas partidárias que vêm
se sobrepondo a demanda de cunho técnico
para o exercício difícil e criterioso
da organização dos serviços
de saúde em situações extremas,
muitas vezes comparadas a situações
emergenciais de guerra.
Este quadro torna-se desolador
ao verificar o descaso com a situação
da infra-estrutura e dos equipamentos disponibilizados
para os trabalhos. Os equipamentos existentes hoje
foram adquiridos, em sua maioria, entre 1999 e 2003,
encontrando-se avariados ou de estado avançado
de sucateamento. A Secoya não consegue desenvolver
a contento suas ações em função
dessa precariedade e da falta de novos equipamentos,
tais como: barcos e motores de popa, geradores de
energia, bombas hidráulicas, instrumentos
médicos hospitalares e laboratoriais, radiofonias
e placas solares, além dos equipamentos necessários
para a manutenção das pistas de pouso
e outros ainda, para o combate à malária,
recrudescente na área Yanomami. A estrutura
física de todos os pólos bases, subpólos
e postos de saúde é precária,
necessitando de reforma além de ser insuficiente.
Além disso, é recorrente a falta de
medicamentos e outros insumos em área.
Apesar das promessas de apoio
do DESAI, incluindo as devidas condições
de trabalho quando do início do processo
de pactuação, estas não foram
cumpridas, nem mesmo em relação aos
equipamentos minimamente necessários para
a sede da conveniada em Boa Vista, apesar de já
estarmos há mais de 07 meses atuando em Roraima.
Como se isto não bastasse,
a nova forma de liberação de combustível
via Brasília, através de dezenas de
cartões magnéticos para o abastecimento
mensal de cada equipamento, é totalmente
inoperante e foge da nossa realidade de trabalho,
gerando uma série de transtornos e a falta
desse produto em campo, inclusive para atender situações
emergenciais.
Isto tudo compromete a assiduidade
e a regularidade das ações de saúde
pactuadas com a FUNASA. Basicamente as atividades
têm uma característica assistencial
e emergencial.
Em contexto como este, as ações
preventivas ficam aquém do preconizado pelo
Ministério da Saúde. Verifica-se um
aumento das remoções para a cidade
em busca de melhores condições de
tratamento para os pacientes Yanomami, elevando
ainda mais os custos da assistência. Mesmo
assim, ocorreram situações que atingiram
diretamente a vida de pacientes que não puderam
ser salvos em tempo, por falta de combustível,
por não ter disponibilidade de helicóptero,
de motor de popa, ou de radiofonia em bom estado
de funcionamento para realizar os procedimentos
de emergências requeridos.
Tais condições acima
referidas provocam um terrível problema na
gestão dos recursos humanos contratados.
É notória a redução
da qualidade dos serviços prestados pelos
profissionais em função de: processo
de terceirização de recursos humanos
sem a devida autonomia para executar as ações
de serviço em área; a falta de profissionais
capacitados em saúde indígena pela
FUNASA; o aumento significativo da rotatividade,
dado o grau de insatisfação provocado
pelas péssimas condições de
trabalho, de segurança e de capacitação
oferecidas pela FUNASA.
Apesar da falta de recursos, procuramos
manter a assistência, sensibilizando os nossos
profissionais no sentido de garantir a cobertura
da área e articulando com os fornecedores
a aquisição de gêneros alimentícios
para suprir as necessidades dos mesmos em campo,
para pagamento posterior.
Hoje esta situação
é insustentável, o ambiente é
de total desânimo. Os profissionais já
manifestaram publicamente a não entrada em
campo nessas condições e nos encontramos
diante da impossibilidade de novos débitos
junto aos fornecedores.
O Governo Brasileiro, em sua política
indigenista, o Ministério da Saúde
e a FUNASA, na gestão da saúde indígena,
precisam reagir e, com humildade, reconhecer que
não é dessa forma que se faz saúde.
Não é assim que se sustenta um sistema
de saúde diferenciado e que em suas premissas
foi muito bem idealizado. Tampouco é assim
que se mantém relação de parceria
com as conveniadas, na qual o sentido de colaboração,
de coresponsabilidade, de comprometimento está
ausente. E além de todo isso, precisam honrar
o seu compromisso para com o povo Yanomami, com
os povos indígenas, procurando resgatar o
respeito que foi ultrajado, o descaso que matou
e a insensibilidade que tomou conta da gestão
administrativa.
O conjunto dos elementos aqui
apresentado faz com que a Secoya, assim como outras
conveniadas, sofra enorme desgaste institucional,
sendo a sua imagem denegrida uma vez que é
frequentemente responsabilizada pelos problemas
ocorridos, principalmente por parte daqueles que
não possuem informações mais
detalhadas a respeito dos fatos, ou de representantes
do órgão gestor, preocupados em salvar
a imagem do governo.
Contudo, independentemente da
nova política em elaboração,
é preciso considerar que uma saúde
de qualidade e diferenciada para os povos indígenas
deve ser construída com eles, de modo participativo,
fazendo valer o espírito do Distrito Sanitário
Especial Indígena.
Nesse sentido, a Secoya nunca
mediu esforços no sentido de fazer a sua
parte e cumprir com seriedade os compromissos assumidos
com este “serviço” junto ao povo Yanomami,
desde que seja com a construção de
um trabalho sério, articulado e respeitoso
de uma verdadeira saúde indígena.
Enquanto a situação
não se resolve, a FUNASA terá que
arcar com o peso da história e a responsabilidade
pela vida e a saúde do povo Yanomami.
Manaus, 03 de setembro 2008
Silvio Cavuscens Coord. Geral
da Secoya
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Indigenistas e ambientalistas
da América do Sul criam rede jurídica
para a defesa da Amazônia
01/09/2008 - Entre os dias 19
e 21 de agosto, na cidade de Lima, no Peru, foi
criada a Rede Jurídica de Defesa da Amazônia
e seus Povos, que será formada por advogados
ambientalistas e indigenistas da Colômbia,
Peru, Equador, Bolívia e Brasil.
Os objetivos da Rede são
a troca de experiências na defesa dos direitos
socioambientais da região amazônica.
Além de apoiar solidariamente os trabalhos
jurídicos no interior de cada país,
prevê-se, eventualmente, articular litígios
regionais para causas transfronteiriças,
como na situação de indígenas
isolados em área de fronteira ou em questões
de impactos ambientais que transpassam as fronteiras
nacionais – o caso das fumigações
de cultivos ilícitos por parte da Colômbia
na fronteira sul com o Equador ou os efeitos, em
território peruano e boliviano, da construção
de hidrelétricas no rio Madeira por parte
do Brasil, por exemplo.
Os advogados reunidos concordaram
na existência de problemas comuns e na necessidade
de articular a sociedade civil e o trabalho jurídico
que já é feito nos diferentes países
para a defesa dos direitos socioambientais da região
Amazônica.
Para Biviany Rojas Garzón,
consultora do Programa de Política e Direito
Socioambiental (PPDS) do ISA, que participou da
reunião em Lima, o desafio atual para a sociedade
civil da região é superar os nacionalismos
e articular-se, para aproveitar as sinergias geradas
pela comunicação e pelo intercâmbio
permanente de experiências, sempre em busca
de uma estratégia comum: “Os problemas que
enfrentamos na América do Sul não
conhecem fronteiras, os impactos ambientais, sociais
e culturais de grandes empreendimentos tampouco”,
sustenta a advogada.
A implementação
da Convenção 169 da OIT e da Declaração
das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas são alguns dos
temas identificados pelos participantes como prioritários
para o trabalho da rede. Esses dois instrumentos
internacionais constituem o marco legislativo comum
de quase todos os países que partilham a
bacia amazônica, representando um poderoso
ponto de partida para trabalhos nacionais e regionais.
Entre os problemas regionais mencionados
pelos participantes estão a consolidação
das Terras Indígenas e Unidades de Conservação
em toda a região; a falta de aplicação
do direito de consulta livre, prévia e informada
dos povos indígenas; a exploração
indiscriminada de recursos naturais e a falta de
institucionalidade dos Estados amazônicos,
para a implementação da legislação
indigenista e ambiental existente.
A Rede Jurídica de Defesa
da Amazônia e seus Povos programou um segundo
encontro ainda para este ano, durante o mês
de novembro, em Brasília. Desta vez, o objetivo
é definir um plano de trabalho para 2009
e participar da primeira atividade de intercâmbio
de experiências jurídicas, o Seminário
Internacional sobre a aplicação da
Convenção 169 da OIT.