16 de Setembro de 2008 - Vinicius
Konchinski - Enviado Especial
- Campo Grande (MS) - O presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Márcio
Meira, atendeu aos protestos dos produtores rurais
de Mato Grosso do Sul (MS) e suspendeu temporariamente
nessa segunda-feira (15) os estudos antropológicos
para a demarcação de terras indígenas
no sul do estado. Segundo ele, as pesquisas para
identificação de territórios
tradicionalmente ocupados pela etnia Guarani-Kaiowá
serão retomadas “o mais breve possível”,
mas somente depois que a Funai publicar uma instrução
normativa com novas diretrizes para a realização
do trabalho.
Meira comunicou a suspensão
dos estudos em entrevista coletiva concedida na
sede do governo sul-matogrossense, após reunir-se
por mais de quatro horas com o governador André
Puccinelli (PMDB). Também participaram do
encontro representantes de associação
de produtores rurais, de lojistas e de empresários,
além do presidente da Assembléia Legislativa
do estado, Jerson Domingos (PMDB), do secretário
de Assuntos Federativos da Presidência da
República , Alexandre Padilha, e do representante
da Casa Civil, Ricardo de Almeida Collar.
O presidente da Funai esteve em
Campo Grande para tratar das demarcações.
Desembarcou na capital no fim da tarde e foi recebido
pelo governador, em meio a uma manifestação
de pelo menos 200 produtores rurais.
Depois de negociações
classificadas como “tensas” por alguns dos participantes
da reunião, Meira firmou acordo com o governador
Puccinelli que prevê, além da paralisação
temporária dos estudos, a incorporação
de integrantes da administração estadual
no grupo de trabalho responsável pela identificação
dos territórios indígenas.
No documento, também ficou
definido que as eventuais demarcações
levarão em conta a necessidade de reduzir
eventuais prejuízos à economia estadual,
e que a Funai encontrará uma solução
legal para garantir o pagamento “justo e adequado”
das áreas eventualmente expropriadas. Esse
fato gerou polêmica, pois a Constituição
prevê que as terras indígenas são
da União e, por isso, os títulos sobre
elas são nulos.
“Estamos trabalhando para dar
um solução que não prejudique
os indígenas e as pessoas que adquiriram
as terras de boa fé”, disse Meira, ressaltando
que não será necessária nenhuma
mudança legislativa para que as indenizações
aos proprietários sejam pagas. “Vamos resolver
tudo de forma pacífica e juridicamente segura,
para que o estado possa crescer e se desenvolver.”
O senador Delcídio do Amaral
(PT-MS), relator do orçamento e que também
participou da reunião, disse que outros estados,
como o Rio Grande do Sul, já realizaram operações
como essa. Segundo ele, no próximo Orçamento
Geral da União, já devem estar previstos
recursos para os pagamentos das indenizações
aos proprietários de terras de Mato Grosso
do Sul.
Entretanto, mesmo com o acordo,
a reunião não satisfez o governador
Puccinelli. “Eu preferia que dissessem [a Funai]
que não vão demarcar novas terras
enquanto não resolverem as pendências”,
disse ele, lembrando que a criação
de pelo menos 26 terras indígenas no estado
está sendo questionada judicialmente. “Também
ficou faltando o quantitativo de terras que serão
demarcadas.”
Puccinelli afirmou, contudo, esperar
que as tensões entre produtores e indígenas
se dissipem após o evento.
Desde agosto, grupos da Funai
trabalham em 26 municípios para identificar
terras indígenas. O estudo faz parte de um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre
o órgão e a Procuradoria da República
em Dourados para que seja resolvida a questão
fundiária dos Guarani-Kaiowá até
2010.
Ontem, após a reunião,
Meira e Puccinelli afirmaram que os prazos do TAC
estão mantidos.
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Procurador questiona termos de
acordo entre Funai e governo de MS
17 de Setembro de 2008 - Vinicius
Konchinski - Enviado Especial - Dourados (NS) -
O procurador da República em Dourados (MS),
Marco Antônio de Almeida, questionou alguns
termos do acordo firmado entre a Fundação
Nacional do Índio (Funai) e o governo de
Mato Grosso do Sul para a realização
de estudos sobre a demarcação de terras
indígenas no estado.
Em entrevista à Agência
Brasil, Almeida afirmou que o protocolo de intenções
assinado nessa segunda-feira é um “avanço”,
mas destacou que algumas ações citadas
no documento terão de ser bem estruturadas
para que não infrinjam a lei.
O procurador é responsável
por monitorar o cumprimento do Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) firmado entre a Funai e a Procuradoria
de República em novembro de 2007, que determinou
que as terras dos Guarani-Kaiowá sejam demarcadas
até 2010, o que acabou causando tensão
entre produtores rurais e indígenas sul-mato-grossenses.
Para Almeida, o primeiro ponto
questionável é o que prevê a
participação do governo estadual no
grupo de trabalho constituído para realizar
o estudo antropológico que servirá
como base para a futura demarcação.
Almeida afirmou que a legislação
nacional deixa claro que cabe exclusivamente à
União a demarcação de terras
indígenas no país. A eventual participação
de outro órgão que não do governo
federal poderia invalidar juridicamente o trabalho.
“Em seu voto no julgamento sobre
a reserva de Raposa/Serra do Sol, o ministro do
STF [Supremo Tribunal Federal] Carlos Ayres Britto
deixou claro que só a União pode demarcar
áreas indígenas”, disse Almeida. “Precisamos
ver como isso vai funcionar na prática, como
o estado vai participar, para saber se isso é
correto ou não”.
O procurador refutou a possibilidade
de o governo federal pagar pelas áreas rurais
que eventualmente sejam declaradas terra indígena,
como também foi acordado entre o presidente
da Funai, Márcio Meira, e o governador André
Puccinelli (PMDB). “Politicamente, parece viável.
Mas, juridicamente, isso não é cabível,
pois a Constituição impede o pagamento
de qualquer indenização que não
sejam referentes às benfeitorias”.
De acordo com Almeida, para que
os produtores recebam pela "terra nua",
há duas soluções: ou muda-se
a Constituição para que a União
pague as indenizações, ou o governo
de MS assume o ônus e paga os valores com
dinheiro do orçamento do Estado.
“O governo federal pode até
recompensar o estado pelo gasto com as indenizações,
mas não pode repassar os valores com o objetivo
claro de arcar com os pagamentos”.
O procurador disse também
que já pediu uma reunião com o presidente
da Funai para que todas as questões sobre
o acordo firmado no dia 15 sejam respondidas. Ele
também afirmou que espera que as medidas
acordadas não atrasem o cronograma de demarcações
previstas no TAC.
“Se houver vontade política,
ainda podemos batalhar pelo cumprimento dos prazos”.
+ Mais
Índios reivindicam participação
em discussões sobre demarcação
em MS
17 de Setembro de 2008 - Vinicius
Konchinski - Enviado Especial - Dourados (MS) -
Índios da aldeia de Dourados (MS) afirmaram
não estar satisfeitos com a forma com que
a Fundação Nacional do Índio
(Funai) e o governo sul-mato-grossense firmaram
o acordo sobre a demarcação de reservas
na região sul do estado. Líderes da
comunidade, uma das mais populosas de Mato Grosso
do Sul, reclamaram por não terem sido convidados
para o encontro que fixou novas diretrizes para
os estudos que determinarão quais as áreas
serão demarcadas e, além disso, demonstraram
preocupação com os resultados do trabalho.
“A demarcação tem
que ser discutida entre três partes: governo,
Justiça e indígena”, afirmou Getúlio
Juca de Oliveira, cacique Kaiowá da aldeia,
em entrevista concedida à Agência Brasil
na terça-feira (16). “Se o índio não
for ouvido, tekohas [locais de convivência
tradicional, em língua Guarani-Kaiowá]
ficarão de fora das reservas, e o trabalho
vai ter que ser feito de novo.”
"Quando a gente fica sabendo
que vai acontecer alguma coisa, ela já aconteceu”,
complementou a Alda Silva, que também vive
na aldeia. “Os fazendeiros foram a Campo Grande
fazer manifestação contra a demarcação.
A gente queria ir para pedir nossa terras, mas ninguém
deu apoio”.Segundo eles, nenhum líder da
comunidade foi convocado para o encontro realizado
na segunda-feira (15), na sede do governo estadual.
Contudo, representantes da Federação
da Agricultura do Estado de Mato Grosso do Sul (Famasul),
entidade declaradamente contra a demarcação,
estiveram presentes.
Oliveira afirmou que a solução
da questão fundiária da etnia Guarani-Kaiowá
é fundamental para a manutenção
da cultura e até para a sobrevivência
das comunidades indígenas. De acordo com
ele, na aldeia de Dourados, por exemplo, cerca de
13 mil índios dividem uma área de
aproximadamente de 3.500 hectares. “O que a gente
pode plantar aqui não dá para todo
mundo. Depois da colheita, tudo acaba rapidamente
e a gente sofre muito”, contou o cacique.
Para Oliveira, o pagamento de
indenizações a produtores que têm
fazendas em terras tradicionalmente ocupadas pelos
indígenas, assim como o acordado entre a
Funai e o governo do estado, pode até facilitar
a demarcação. Ele ressaltou, entretanto,
que certamente haverá proprietários
de terras que não aceitarão o dinheiro
e não sairá por vontade própria
dos territórios das reservas, mesmo após
os estudos.
O cacique afirmou, porém,
que os índios não farão concessões.
“Queremos o que é nosso. Onde há nosso
tekoha, o fazendeiro pode se preparar pois vamos
reivindicar a terra."
Até a publicação
desta reportagem, a Famasul não havia se
pronunciado oficialmente sobre os resultados da
reunião entre governo e Funai.