18/09/2008 - Se não se
mudar o modo de produção agrícola
no Mato Grosso, as mudanças climáticas
prejudicarão, e muito, a principal atividade
agrícola do estado. Pesquisas e estudos apresentados
no seminário sobre impactos das mudanças
climáticas na agricultura, realizado em Cuibá
(MT), entre 9 e 11 de setembro, pelo ISA e pelo
ICV, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente
de Mato Grosso, mostraram que é preciso buscar
novos caminhos.
A pesquisa Aquecimento Global
e a Nova Geografia da Produção Agrícola
no Brasil realizada pela Empresa Brasileira de Agropecuária
(Embrapa) revela que as perdas na agricultura por
conta do aquecimento global podem atingir R$ 14
bilhões no ano de 2070. Ou seja: uma perda
de até 40% em relação às
safras recordes registradas na última década.
As conclusões foram apresentadas pelo pesquisador
da Embrapa, Gianpaolo Pellegrino, a 160 pessoas
vindas de 26 municípios matogrossenses, entre
especialistas, produtores rurais, agricultores familiares
e indígenas durante o seminário As
Mudanças no Clima e a Agricultura de Mato
Grosso: impactos e oportunidades. E suscitaram debate
e reflexões sobre a necessidade de se buscar
novos caminhos para a principal atividade econômica
do Estado do Mato Grosso.
O estudo analisou nove culturas
e destas, apenas uma – a cana-de-açúcar
e a mandioca – apresentam um quadro mais favorável.
As demais, algodão, arroz, café, feijão,
girassol, milho e soja, devem sofrer enormes perdas
de áreas para o plantio.
“A idéia de uma nordestinização
da agricultura brasileira não é perfeita,
mas mostra que as culturas de calor, tradicionais
da região nordeste, como a mandioca e a cana
podem aumentar em todo o país. Mas ironicamente
sofrem baixa em sua área de origem podendo
agravar a segurança alimentar na região
que tem na mandioca a base de sua dieta”, afirmou
Gianpaolo. “A soja perde muito espaço e fica
mais difícil plantar café em Minas
e São Paulo, berço histórico
dessa cultura”. Com o calor, os estados do sul do
País poderiam ser favorecidos por essas culturas,
hoje irrelevantes em termos de produção.
A necessidade de procurar caminhos
e alternativas para a sobrevivência diante
do atual quadro do aquecimento global também
foi bordado em bate-papo que precedeu o seminário
reunindo a imprensa no histórico prédio
do Palácio da Instrução, na
capital matogrossense, com o jornalista Marcelo
Leite, especializado em jornalismo científico
e meio ambiente ,e que acompanha o tema há
quase 20 anos. Cerca de 40 jornalistas ouviram dele
uma avaliação sobre a questão
do clima e o papel da imprensa e da comunicação.
“Entramos em um novo patamar de comunicação
e de aceitação das mudanças
do clima. Sabemos que elas estão em curso
e devemos nos preparar para o que vem pela frente”,
disse Leite. “Os jornalistas não discutem
mais se elas vão existir ou se são
culpados os seres humanos. Temos de saber como poderemos
sobreviver a elas”. O coordenador da Iniciativa
Mudanças Climáticas do ISA, Márcio
Santill, concordou. “A iniciativa de conhecer e
discutir o problema é fundamental para que
possamos agir como povo, como nação
global e nos preparar para o futuro, juntos”.
Futuro quente
O futuro será de calor
e essa é uma das poucas certezas que os modelos
climáticos do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas, IPCC na sigla
em inglês, podem prever. A diminuição
das chuvas para o Estado do Mato Grosso já
não é tão certa assim. Os índices
apresentados pelo pesquisador do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Antonio Manzi,
em sua palestra apontam para um aumento de 3,5 a
7,5 graus celsius no estado até o ano de
2100. Mas na análise da quantidade de chuva
as previsões dependem de modelos climáticos
usados para fazer a previsão. “Os modelos
do Hadley Center em sua versão 3 apontam
para perdas de até 20% nas chuvas do estado
mas o modelo CCCSM3 aponta um aumento de chuvas
entre 5% e 10%”, conta o pesquisador que é
membro do IPCC. Ele conta que ainda há muita
incerteza nas previsões mas que os estudos
são fundamentais para entender os cenários
locais uma vez que os modelos produzidos até
agora fazem apenas uma análise global das
mudanças climáticas.
Depois de cada manhã de
palestras com pesquisadores e especialistas, eram
formados grupos de discussão para levantar
recomendações para o governo do Mato
Grosso traçar políticas públicas
eficientes para a mitigação e adaptação
às mudanças. A divisão foi
feita entre Agricultura intensiva, agricultura familiar,
agroindústria e pecuária além
da agricultura indígena. Todos foram unânimes
ao recomendar no documento final, que se invista
pesado em estudos específicos para o estado.
O grupo de agricultura indígena pediu que
o tema fosse melhor explicado nas aldeias para que
pudessem tomar as decisões sobre o futuro
junto com os não-índios.
Carbono e fumaça
“Nós não conseguimos
ver o carbono, é fumaça, é
isso? A gente vê que a queimada que fazíamos
antes para preparar o roçado agora está
muito mais difícil de controlar. Vemos mudanças
nas rotinas dos animais e das plantas, mas não
conseguimos entender como o carbono está
causando tudo isso”, questiona Winti Kïsêdjê
que mora na Terra Indígena Wawi, no Parque
Indígena do Xingu. Na tentativa de explicar
para as oito etnias presentes ao encontro como o
aumento da quantidade de carbono na atmosfera terrestre
pode estar influenciando o aumento a temperatura
do planeta e de que forma as árvores podem
ajudar a retirar esse elemento do ar, o coordenador
do Programa Xingu do ISA, André Villas Boas,
fez uma pequena palestra ao grupo. Aprofundando
o conhecimento sobre os impactos, o grupo indígena
conseguiu entender que a ferramenta de Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação
(REDD), é uma oportunidade geração
de renda com preservação das matas.
A novidade do REDD é que
em vez de se pagar pelo plantio de árvores
como redutoras de emissão de carbono, agora
pode-se fazer um projeto para a preservação
das árvores já adultas que acumulam
grandes quantidades desse elemento. Os países
desenvolvidos poderão comprar créditos
de carbono da floresta preservada pelas terras indígenas
como forma de atingir as suas metas de redução
de carbono. “Como já está provado
que as terras habitadas pelos índios são
freios contra o desmatamento, muitas empresas vão
querer criar projetos de REDD para neutralizar as
suas emissões de carbono. Ou seja, pagando
para que os povos indígenas preservem suas
florestas. Portanto fiquem atentos para as propostas”,
explicou André Villas Boas, com a ajuda do
pesquisador João Andrade, do Instituto Centro
de Vida (ICV). Andrade é o co-autor, com
Laurent Micol e Jan Börner, do estudo que levanta
o potencial do Estado do Mato Grosso para uso da
nova ferramenta. Segundo a análise que fizeram,
o estado poderia preservar até 25% da sua
área de floresta recebendo dinheiro dos países
industrializados. Desenvolvimento sustentável
seria um bom termo para descrever este possível
cenário no estado que sempre quebrou recordes
de desmatamento.
No entanto o governador do MT,
Blairo Maggi, parece não compartilhar da
opinião. Sua participação no
evento estava programada para o final do seminário,
no dia 11, mas uma convocação recebida
do Presidente Lula para ir à Brasília
antecipou sua fala para o dia 10. Maggi fez comentários
sobre o uso da ferramenta de REDD por seu estado.
“A oportunidade deve ser aproveitada pelos que ainda
possuem mais de 90% desua floresta preservada como
é o Amazonas e o Acre. Esta fraldinha de
Amazônia representada pelo Pará, Rondônia
e o Mato Grosso deve ser vista como uma barreira
de proteção contra o desmatamento
mas respeitando a possibilidade de crescimento da
vocação do estado que é a agricultura”,
afirmou. “Temos que diminuir o desperdício
de água na nossa agricultura, repor as matas
ciliares para melhorar a irrigação.
A água deve ser a nossa prioridade”.
Gado contribui para o aquecimento
Os impactos da pecuária
no meio ambiente, atividade econômica importante
para o MT, podem ser reduzidos sem alterações
significativas e ainda com aumento de produtividade.
Sinônimo de lucro e um futuro melhor. O metano,
gás produzido pelo gado bovino em seu processo
digestivo tem capacidade de aquecer a atmosfera
terrestre até 26 vezes mais do que o carbono.
Relatório de 2004 do Ministério da
Ciência e Tecnologia informa que os gases
entéricos eram responsáveis por 69%
das emissões brasileiras de metano em 1994.
A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Magda Lima,
deixou claro em sua fala que algumas mudanças
alimentares e a implantação de um
sistema de gado confinado com captura do gás,
podem render lucro às fazendas na venda de
créditos de carbono certificado ou mesmo
no uso do gás como biocombustível
para outras atividades da mesma propriedade. Estima-se
que o retorno dos investimentos se dê em um
período de seis anos.
“Pode parecer óbvio mas
a questão das mudanças climáticas
nos colocou de volta aos parâmetros básicos
de agricultura. Para proteger o clima devemos consorciar
a agricultura de várias espécies com
a pecuária de corte ou de leite. Basta saber
que plantas cultivar, em que fase já que
cada propriedade tem sua especificidade, como na
agricultura familiar”, explica o pesquisado da Embrapa
Arros e Feijão, Flávio Wruck. Ele
apresentou alguns experimentos feitos em grandes
fazendas no estado, onde a rotação
de culturas prepara o solo para o cultivo direto,
sem a necessidade de adubos com altos índices
de carbono. O que possibilitaria o plantio de florestas
e a criação de gado de maneira mais
sustentável, em sistema agrosilvipastoril,
com a orientação de engenheiros agrônomos
locais e da própria Embrapa.
Reserva Legal em questão
Apesar de saber disso, o secretário
de Meio Ambiente de Mato Grosso, Luiz Henrique Daldegan
preferiu apresentar em sua palestra as dificuldades
que têm encontrado para mudar a maneira de
se produzir alimentos no estado. Ele afirmou que
o aumento da fiscalização já
diminuiu muito o desmatamento ilegal e a meta é
zerar esse número através do programa
MT Legal. “Apoiamos a moratória da soja e
estamos conversando com o setor pecuário
para fazer uma moratória semelhante que reduza
o desmatamento e aumente o cumprimento das leis
ambientais no estado. Sabemos que é um grande
desafio, pois a estrutura fundiária do MT
sempre teve muitos problemas”, A moratória
da soja
A obrigatoriedade de manter um
percentual preservado nas propriedades rurais (a
chamada Reserva Legal), conforme estabelecido pela
Medida Provisória nº 2166/01 que alterou
o Código Florestal, vem gerando debates e
discussões envolvendo ambientalistas e ruralistas.
A reivindicação do Mato Grosso é
que a RL seja de 50% como era antes. Como, o Mato
Grosso inclui-se na Amazônia Legal as propriedades
em área de floresta devem ter 80% de Rl e
as que estão em área de Cerrado 35%..
De acordo com Daldegan, a alteração
colocou os agricultores na ilegalidade. “Se desde
o início todos os produtores estivessem com
a sua Reserva Legal averbada hoje seria muito mais
fácil saber quem comprou a área e
quando, se antes ou depois da mudança do
Código Florestal”, disse o secretário.
Para o governador Blairo Maggi a definição
que incluiu o estado na Amazônia Legal é
questionável Ele disse estar indo à
Brasilia questionar o Presidente Lula sobre a participação
do MT na Amazônia Legal.
Com a antecipação
da participação do governador no seminário,
a apresentação do programa de mudanças
climáticas do estado e o recebimento das
propostas ficou a cargo de Daldegan. “Este é
o primeiro passo de mobilização da
sociedade para a construção de um
plano transparente e participativo, os atores sociais
aqui presentes e as suas propostas já formam
a base para o programa de Mudanças Climáticas
do Estado do Mato Grosso”. Leia aqui o documento
do final do encontro com as recomendações
dos grupos de trabalho.
+ Mais
Sobrevivência dos Yanomami
está ameaçada por garimpo ilegal em
Roraima
19/09/2008 - Nesta quinta-feira,
18/9, a Hutukara Associação Yanomami,
com sede em Boa Vista (RR), divulgou carta recebida
da comunidade do Alto Catrimani, endereçada
à Funai de Roraima, relatando que o garimpo
ilegal está poluindo o rio Catrimani. Por
conta disso, estão passando fome porque quase
não há peixes, não podem beber
água e nem tomar banho.
Como se não bastassem os
problemas que enfrentam em relação
à saúde, às invasões
de suas terras por fazendeiros, o garimpo ilegal
que já existia está crescendo nas
terras Yanomami, em Roraima. Nesta quinta-feira,
18/9, a Hutukara Associação Yanomami,
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ilegal está poluindo o rio Catrimani. Por
conta disso, estão passando fome porque quase
não há peixes, não podem beber
água e nem tomar banho. O garimpo está
ameaçando sua sobrevivência.
A carta divulgada ontem pela Hutukara
Associação Yanomami denuncia a ameaça
que os Yanomami do Alto Catrimani vêm sofrendo
por conta do garimpo ilegal instalado naquela região,
e que parece ter se ampliado nos últimos
meses em função do aumento do preço
do ouro e das eleições municipais
que se realizam em todo o País em outubro.
Pipocam relatos de aviões que desembarcam
garimpeiros nas terras indígenas e da omissão
das autoridades em relação aos caos
que tomou conta da região.