Brasília
(08/10/2008) – Os moradores do município
de Prainha (PA), região próxima à
rodovia Transamazônica, aguardam com muita
expectativa a sanção do presidente
Lula ao decreto de criação da Reserva
Extrativista (Resex) Renascer. Banhada por afluentes
do rio Amazonas, a área fica no oeste do
Pará, na microrregião Santarém,
e ainda guarda consideráveis extensões
de floresta primária. Nela, 600 famílias
espalhadas em 12 comunidades sobrevivem da agricultura
de subsistência, pesca e atividades extrativistas.
Os ribeirinhos apóiam a criação
da reserva há quase uma década e os
conflitos com madeireiros que exploram a região
se intensificaram nos últimos anos.
Organizações não
governamentais, moradores da região e militantes
que defendem o uso sustentável da Floresta
Amazônica denunciam a exploração
e saída de madeira ilegal dos municípios
desde o ano 2000. Para tentar proteger as terras
que exploram de forma sustentável, dessa
época até meados de 2004, os pequenos
extrativistas abraçaram a idéia da
criação de uma grande unidade de conservação
chamada Verde para Sempre. A área conta com
quase dois milhões de hectares e abrange
mais de um município.
Por diversos motivos, a proposta dos ribeirinhos
foi desmembrada. O decreto que implantou a Resex
Verde para Sempre foi assinado em 2004, mas os extrativistas
de Prainha não foram englobados na nova unidade,
que contemplou apenas as comunidades do município
de Porto Moz. Desde então, as 600 famílias
de Prainha passaram a reivindicar a criação
da Resex Renascer, com uma área total de
quase 359 mil hectares.
A expectativa pela homologação
do presidente da República no documento que
cria a reserva passou, no entanto, a ser tensa.
A criação da Verde Para Sempre possibilitou
que o Ibama apertasse a fiscalização
dentro dos limites da unidade recém-formalizada.
Com isso, os madeireiros intensificaram a exploração
ilegal no município de Prainha. Os moradores,
famílias que vivem no local há quase
um século, reagiram e começaram a
denunciar a saída de caminhões e balsas
repletos de madeira.
O gerente executivo do Ibama/Santarém,
Daniel Cohenca, explica que até meados da
década de 11000 não havia grandes
ameaças aos ribeirinhos, mas que o modelo
econômico com base na extração
madeireira trouxe insegurança a essa população,
que teme ser expulsa das terras que ocupam há
tanto tempo. De acordo com Cohenca, até o
segundo semestre de 2006, as comunidades de Prainha
ainda aguardavam confiantes a criação
da Renascer. “Os ribeirinhos acompanharam as etapas
técnicas vencidas pela Resex Verde para Sempre
e passaram a exigir das autoridades os mesmos procedimentos
para que a Renascer também se concretizasse
o mais breve possível”, relata o gerente.
Mas, a ansiedade foi crescendo
à medida em que os extrativistas locais passaram
a presenciar com mais freqüência a exploração
ilegal da floresta. Em outubro de 2006, a situação
ficou violenta. Líderes comunitários
interditaram balsas carregadas de madeira explorada
ilegalmente. Muitos foram ameaçados de morte
pelos madeireiros. “Por mais de uma vez, as lideranças
impediram a saída dos carregamentos. Em uma
ocasião, atearam fogo em embarcações
que transportavam as toras. A fiscalização
do Ibama foi avisada e chegou a apreender mais de
30 mil m³ de madeira. Essa quantidade é
suficiente para carregar duas mil carretas”, conta
o servidor do Ibama.
Em novembro de 2006, a briga entre
os madeireiros e os ribeirinhos ganhou um novo componente.
Há dois meses de deixar o cargo, o ex-governador
do Pará decidiu transformar as terras da
região da Prainha em unidades estaduais de
conservação: uma Floresta Estadual
(Flota) e uma Área de Proteção
Ambiental (APA). As comunidades, as comissões
ligadas a Pastorais da Terra e da Pesca e ONG's,
como o Greenpeace, entenderam a medida como uma
forma de benefício aos empresários
que devastam a região, pois a APA conta com
propriedades privadas e a Flota estaria dando concessões
aos madeireiros.
Ambientalistas do Greenpeace chegaram
a divulgar notas e artigos alertando que a criação
de uma floresta estadual em área destinada
à Resex Renascer só reforçaria
a destruição. Em matéria divulgada
no portal O Eco em 09/11/2006, o engenheiro florestal
da ONG, Marcelo Marquesini, relatou que já
existiam estradas ilegais servindo os madeireiros
e ligando a floresta à rodovia Transamazônica,
dificultando e tornando a fiscalização
quase impossível. “A Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente do Pará (Sectam)
não tem estrutura nenhuma para controlar
a ilegalidade”, enfatizou o engenheiro para a reportagem
do portal.
Ainda no final de 2006, o Ministério
Público Federal (MPF) entrou na briga e acionou
a justiça. Já no primeiro mês
de 2007, a Subseção Judiciária
Federal de Altamira confirmou liminar concedida
meses antes impedindo a instalação
de áreas de proteção estaduais.
A decisão, assinada pelo juiz Herculano Martins
Nacif, obrigava o Ibama a concluir o processo administrativo
de instalação da Reserva Extrativista
Renascer em um prazo de 30 dias.
Em documento direcionado à
imprensa, a Procuradoria da República no
Pará divulgou que a determinação
solidifica o entendimento do MPF de que a criação
da Floresta Estadual da Amazônia e da Área
de Proteção Ambiental Santa Maria
de Prainha seria um ataque ao modo de vida das populações
tradicionais da região, privilegiando um
modelo de exploração predatório
da floresta amazônica.
No decorrer de 2007, o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), criado a partir do desmembramento do Ibama,
realizou um seminário com os ribeirinhos
das comunidades de Prainha. O objetivo era avaliar
a proposta de limites territoriais da futura unidade
de conservação, além de sensibilizar
e esclarecer a população quanto as
características e limitações
de uma Resex. “O estudo sócio-econômico
e o seminário são etapas importantes
para a conclusão do processo administrativo
que propõe a reserva extrativista”, explica
o gerente executivo do Ibama. “Fomos surpreendidos
com o entendimento dos moradores locais. Eles têm
perfeita consciência dos objetivos de uma
unidade extrativista porque vivem há muito
tempo de forma coletiva, extraindo da mata somente
o necessário para a sua sobrevivência”,
acrescenta Daniel Cohenca.
Quinze dias após o seminário,
uma consulta pública, etapa obrigatória
do processo administrativo, foi realizada em uma
das comunidades de Prainha. Novamente, os servidores
do ICMBio falaram sobre a importância das
Unidades de Conservação como ferramentas
para garantir a biodiversidade, sobretudo na Amazônia.
De acordo com a coordenadora de criação
e gestão de reservas extrativistas do ICMBio,
Érika Fernandes Pinto, mais de 400 pessoas
das 12 comunidades participaram da consulta. “Explicamos
aos ribeirinhos que após vencidas todas as
fases para a criação da Resex, um
decreto federal é assinado pelo presidente
da República. Depois da homologação,
a administração da área passa
a ser do Instituto Chico Mendes e os extrativistas
terão a concessão real de uso da terra
por toda a vida”, lembra.
A coordenadora também se
impressionou com o engajamento dos ribeirinhos.
“Na consulta pública, constatamos que a proposta
das comunidades que vivem do extrativismo no município
de Prainha é muito consistente. Ficou claro
que as famílias entendem muito bem a finalidade
de uma reserva dessa natureza. Por isso, saberão
gerir e cuidar da unidade”, acredita.
Em maio de 2008, o processo de
criação da Resex Renascer seguiu para
a Casa Civil e espera somente a assinatura do presidente
Lula. “Acreditamos que a unidade é essencial
para amenizar os conflitos com madeireiros”, completa
Érika. Os ribeirinhos, que respeitam a floresta
há tantos anos, terão garantias da
preservação da mata e da sua forma
de subsistência. É por isso que todos
aguardam tão ansiosos a sanção
do nosso governante”, conclui Daniel Cohenca.
Entenda mais
Reservas extrativistas são áreas utilizadas
por populações tradicionais, cuja
subsistência baseia-se no extrativismo e,
complementarmente, na agricultura de subsistência
e na criação de animais de pequeno
porte. Sua criação visa proteger os
meios de vida e a cultura dessas populações,
assegurando o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade.
As populações que
vivem nessas unidades possuem contrato de concessão
de direito real de uso, tendo em vista que a área
é de domínio público. A visitação
pública é permitida, desde que compatível
com os interesses locais e com o disposto no plano
de manejo da unidade. A pesquisa é permitida
e incentivada, desde que haja prévia autorização
do Instituto Chico Mendes.
+ Mais
Flona comemora 64 anos de existência
e modifica objetivos
Brasília (10/10/2008) -
A Floresta Nacional de Três Barras, em Santa
Catarina, completou este mês 64 anos. Criada
em 1944 pelo então Instituto Nacional do
Pinho com o objetivo de servir de área para
plantação da araucária (pinheiro
brasileiro) e como forma de prevenção
contra a ameaça, na época, de uma
crise no setor madeireiro, a unidade de conservação
comemora suas seis décadas de existência
com uma profunda reformulação nos
seus objetivos.
Em processo de readequação
para atender às normas do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC),
a Flona Três Barras terá entre suas
principais finalidades, a de servir de local para
uso múltiplo sustentável dos recursos
florestais e de pesquisas científicas, com
ênfase em métodos para exploração
sustentável de florestas nativas.
Para isso, a equipe do ICMBio
atuante na unidade, juntamente com os representantes
das comunidades existentes e diretamente ligadas
à floresta, está em processo final
de revisão do plano de manejo, elaborado
dez anos antes da edição do SNUC e,
ao mesmo tempo, busca consolidar a gestão
participativa no conselho consultivo, o qual conta
com a participação de 30 entidades
(governamentais e não governamentais) e se
reúne a cada seis meses.
Iniciada em 2005, a revisão
do plano de manejo é produto de uma parceria
firmada entre o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio) com a Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), Universidade do Contestado
(UnC), Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
(Fafi – União da Vitória/PR), Empresa
de Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina S. A (Epagri), Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a organização
não governamental Assessoria em Projetos
de Agricultura Alternativa (AS-PTA).
Dentre as principais modificações
já introduzidas no novo plano de manejo,
destacam-se a recuperação de cerca
de 1.200 hectares de área plantada com espécies
exóticas, as quais eram formadas por antigos
campos de várzea, ou seja, área de
preservação permanente, e a mudança
de objetivo que, agora, vai ter como enfoque a experiência
no manejo e uso sustentável da floresta com
araucária e o envolvimento das populações
do entorno em projetos a serem desenvolvidos na
unidade de conservação.
Atualmente, a exploração
da floresta nativa e as atividades de florestas
plantadas estão paralisadas até que
o plano de manejo seja concluído. No entanto,
ocorrem pesquisas relacionadas à fauna (estudos
com felinos, aracnídeos e primatas) e à
flora (araucária, caraguatá, erva-mate,
cobertura vegetal nativa e reflorestamentos). A
flona abriga ainda duas parcelas do Inventário
Florestal de Santa Catarina, realizado pela Fundação
Universidade de Blumenau (Furb) em parceria com
a Epagri, a UFSC e outras instituições.
Na unidade, há cerca de
seis nascentes mapeadas, um rio (Jangadinha) que
nasce em seu interior e quatro lagoas marginais
ao rio Canoinhas. De acordo com o chefe da flona,
Carlos José da Silva, o principal problema
detectado na unidade é o combate à
dispersão do pinus, além do desmatamento
da floresta nativa e sua substituição
por plantios de pinus e de eucaliptos, uma vez que
há uma grande demanda regional por esse tipo
de matéria-prima.