13/10/2008
- A Coordenação Nacional de Articulação
das Comunidades Negras Rurais Quilombolas -Conaq
- divulgou hoje, 10 de outubro, documento público
no qual repudia a nova Instrução Normativa
do governo federal que revê as normas que
garantem a titulação das terras quilombolas.
Leia abaixo.
Publicada no Diário Oficial
da União de 1º de outubro de 2008, a
Instrução Normativa (IN) Incra nº
49, que disciplina o Decreto nº 4.887/2003,
prevê novos procedimentos para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação,
titulação e registro das terras quilombolas.
O texto da nova instrução tem como
base o relatório do Grupo de Trabalho (GT)
coordenado pela Consultoria-Geral da União
(CGU) da Advocacia-Geral da União, formado
em 2007 para rever as normas que garantem a titulação
de terras quilombolas. (Leia notícia publicada
pelo ISA em 5/10/2008 a respeito da IN).
A norma publicada no Diário
Oficial teve sua modificação realizada
através de um conturbado e não democrático
processo conduzido pela AGU, com a realização
de uma consulta pública para outorgar suas
deliberações perante o movimento quilombola.
Na consulta a AGU, assim como o Governo Federal,
não cederam em qualquer ponto relevante de
seus entendimentos, assim como não deram
tempo e nem condições materiais para
que o movimento quilombola pudesse refletir sobre
o documento que se pretendia debater. Grande parte
das propostas do Governo foi rejeitada pelo movimento
quilombola.
Diante disso, a Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas – CONAQ – vem a público
declarar sua posição através
do manifesto público “Carta de repúdio
aos ataques contra o povo quilombola”, assinada
por entidades de apoio à causa quilombola.
Segue a carta e seus signatários.
O povo quilombola vem sofrendo
graves ataques e perseguições das
mais diversas formas, promovidos pelo Governo brasileiro
que prioriza os interesses do Agro-hidronegócio
que veio para massacrar os Povos e Populações
Tradicionais, entre eles os Afro-descedentes. Através
da Advocacia Geral da União (AGU) retiram
direitos, afrontam o decreto 4887/2003, a convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a serviço dos latifundiários
e das grandes empresas Multi-Multinacionais.
Como se não bastasse a
produção de eucaliptos nos estados
de Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e
Rio de Janeiro; a produção de soja
em vários estados brasileiros; a transposição
das águas do Rio São Francisco; as
construções de grandes barragens em
vários estados brasileiros; a construção
do gasoduto no Espírito Santo; concessão
deterras para expansão do agro-negócio
no Norte do Brasil; e o descaso com os quilombolas
da Marambaia-RJ e de Alcântara -MA.
O decreto nº 4887/03, que
trata da regulamentação das terras
de Quilombos, está sendo atacado no Congresso
Nacional pela bancada ruralista, representada pelo
partido dos Democratas (Dem), numa Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin), onde é
defendida a necessidade de uma lei disciplinando
o artigo 68 do ADCT e também representada
pelo Deputado Federal do PMDB de Santa Catarina,
Valdir Colatto, que entrou com o Projeto de Decreto
Legislativo propondo a sustação do
Decreto nº 4887/2003.
Este mesmo grupo também
defende a não aplicabilidade da Convenção
169 da OIT que trata dos povos indígenas
e tribais e são contrários a aprovação
do Estatuto da Igualdade Racial, com texto que trata
da regularização fundiária
dos territórios de quilombos, ou seja, todos
os instrumentos legais que beneficiam a nossa luta
estão passando por um processo muito forte
de perseguição.
Na maioria dos Territórios
Quilombolas a efetivação das políticas
tão divulgadas no Programa Brasil Quilombola
e, mais recentemente, na Agenda Social Quilombola,
são uma precariedade a exemplo da saúde,
educação, acessibilidade (estradas
de acesso), geração de trabalho e
renda, e principalmente a regularização
dos territórios Quilombolas.
Para o movimento Quilombola existem
atualmente mais de 3.000 comunidades quilombola
nos mais diversos processos. Desde a promulgação
da Constituição federal em 1988, o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades
dos Quilombos sob responsabilidade da Fundação
Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério
da Cultura registra a existência de apenas
1.228 comunidades quilombolas. Até junho
de 2008, apenas 143 comunidades quilombolas haviam
recebido o título de propriedade de seu território.
Esse número representa apenas12% do total
de comunidades até agora catalogadas pela
Fundação Cultural Palmares e nem 5%
da totalidade estimada pelo movimento social, indicando
que a atuação governamental ainda
está muito aquém do necessário
para garantir o direito à terra, previsto
nos artigos 13 e 14 da Convenção -169
da OIT. Com o argumento de defender a manutenção
do decreto 4887/2003, o governo formou um grupo
de trabalho para alterar a Instrução
Normativa de Nº 20.
De acordo com a Convenção
169 da OIT é obrigatória a consulta
de boa fé aos quilombolas com o objetivo
de haver consentimento, antes da efetivação
de qualquer ação que venha a afetar
seus espaços, suas culturas, seu modo de
viver e fazer nos seus territórios. Ocorre
que nunca fomos consultados sobre a maioria das
ações acima mencionadas, com exceção
da alteração da Instrução
Normativa em que o governo ensaiou uma consulta
que não podemos considerar legal, pois já
recebemos o documento pronto e tivemos apenas três
dias para ouvir a apresentação do
documento pelo governo e colocar os nossos questionamentos.
Nesta consulta percebemos que
as propostas de alteração dos artigos
da IN retrocedem absurdamente quanto à efetivação
dos direitos quilombolas. Por isso não houve
consentimento da nossa parte na maioria das alterações
e segundo o GT aquele documento seria encaminhado
para o Presidente da República dar o veredicto
final.
Não entendemos como o governo
estava tão preocupado e apressado em alterar
a IN do Incra, pois a consulta foi realizada em
abril de 2008 e só agora em 19 de setembro
de 2008 teve a aprovação do presidente
Lula. Mesmo assim, sem levar em consideração
as nossas discordâncias, o que torna o documento
ilegal, pois não houve acordo sobre a maioria
dos pontos aprovados na alteração
da IN 20.
Por entender que a nova IN fere
profundamente os nossos direitos garantidos na convenção
169 da OIT - em especial o princípio da boa-fé,
centrando fogo no recuo em relação
ao conceito de território, auto-identificação,
e supressão da competência do Incra,
previstas no decreto 4887/2003 - encaminhamos em
01 de setembro de 2008 uma comunicação
à OIT manifestando a nossa insatisfação
e sugerindo uma série de recomendações.
O que mais chama a atenção
é que todo esse retrocesso, com os argumentos
de estar defendendo a manutenção do
decreto 4887, não impediu a pressão
da bancada ruralista para a aprovação
dos projetos de lei e da ADIN, que continuam tramitando
no Supremo Tribunal Federal, podendo ser votadas
a qualquer momento.
Nós queremos apenas usufruir
dos espaços que os nossos ancestrais conquistaram
a custa do seu suor e do seu sangue derramado nas
duras batalhas para defender um futuro digno para
os seus descendentes.
Diante do exposto, conclamamos
a todos os segmentos defensores das causas dos oprimidos
que apóiem a nossa luta nas reivindicações
que se seguem:
:: Que o Presidente da República
respeite as posições dos quilombolas
que rechaçaram as propostas de alterações
feitas pelo governo. Para que a consulta fosse considerada
de boa-fé, nos moldes da OIT, somente ospontos
consentidos pelos quilombolas deveriam ser alterados;
:: A urgência na realização
de uma audiência do Presidente Lula com representantes
da CONAQ e com as representações estaduais
dos quilombolas, dando as condições
necessárias para que haja de fato a participação
dos quilombolas, os maiores prejudicados;
:: Aplicabilidade da Convenção
169 da OIT em todos os atos que causem impactos
na vida dos quilombolas;
:: A imediata aprovação
do Estatuto da Igualdade Racial, conforme a redação
aprovada no Senado Federal;
:: A manutenção
da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003;
:: Que os Deputados, Senadores
e o Supremo tribunal federal Rejeitem os Decretos
Legislativos Nº 44/2007 do (Deputado Valdir
Collato do PMDB SC) e ação de inconstitucionalidade
(PFL atual Democratas) contra o decreto 4887/2003.
:: Que o Governo Federal acate
as proposta apresentadas pelos quilombolas na alteração
da IN 20/2005 do Incra apresentadas na Consulta
Pública realizada em abril de 2008;
:: Imediata agilidade nos processos
de identificação, reconhecimento,
demarcação e titulação
dos Territórios Quilombolas;
:: Desburocratização
do acesso às políticas públicas,
em especial às divulgadas na Agenda Social
Quilombola e no Programa Brasil Quilombola, priorizando
de fato as organizações quilombolas;
e
:: Que o governo priorize a criação
de programa de estado, ao invés de programa
de governo, que venha beneficiar os quilombolas.
ASSINAM ESTE DOCUMENTO AS SEGUINTES
PESSOAS E ORGANIZAÇÕES:
ANAÍ - Associação Nacional
de Ação Indigenista
Associação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas do Rio de Janeiro-RJ
Associação dos Agricultores e das
Agricultoras Familiares do Sítio Poço
Verde
AATR - Associação de Advogados de
Trabalhadores Rurais da Bahia
Associação Quilombola de Conceição
das Crioulas - AQCC
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy
Ferreira da Silva)
CCLF - Centro de Cultura Luiz Freire
CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Cohre - Centro pelo Direito à Moradia Contra
Despejos
Comissão Pró-Índio de São
Paulo
Coordenação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas do Mato Grosso do Sul
Federação das Associações
das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande
do Sul.
Federação das Comunidades Quilombolas
de Minas Gerais - N´golo
Grupo de Trabalho sobre Regularização
de Territórios Quilombolas de Minas Gerais
(GT RTQ-MG)
IACOREQ - Instituto de Assessoria as Comunidades
Remanescentes de Quilombo - RS
Justiça Global
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos
Movimento Negro Unificado- Brasil
Movimento Negro Unificado de Santa Catarina
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Terra de Direitos
Ana Lúcia Pereira - Agentes de Pastoral Negros
do Brasil
Pastor Ervino Schmidt - Presidente do CONIC-RS
Pablo Matos Camargo - CEDEFES
+ Mais
ONG paraguaia denuncia desmatamento
promovido por empresas brasileiras na região
do Chaco
13/10/2008 - A região denominada
Patrimônio Ayoreo Totobiegosode, tombada como
Reserva da Biosfera e que abriga povos indígenas
isolados, continua sendo alvo de invasões
constantes por parte de brasileiros.
Imagens recentes de satélites
(setembro de 2008) indicam a ação
devastadora de tratores de empresas brasileiras
nas matas do Patrimônio Ayoreo Totobiegosode
(Estado de Alto Paraná, na região
do Chaco Paraguaio). As empresas Yaguarete Porá
S.A. e River Plate S.A. de acordo com denúncia
da ONG Gente, Ambiente e Território (GAT)
estão acabando com a rica biodiversidade
das matas localizadas no Núcleo da Zona Sul
das Terras Indígenas.
Não é a primeira
vez que a GAT denuncia a degradação
ambiental promovida por empresas brasileiras nessa
região protegida do Paraguai. Em junho e
em outubro de 2007 a organização divulgou
documentos relatando as invasões.
A área em questão
é tradicional do povo Totobiegosode em situação
de isolamento voluntário, o que significa
que abriga grupos indígenas que não
mantém contato com a população
não-indígena. A destruição
das matas se faz à revelia da vigência
de leis nacionais e convênios internacionais
que amparam os direitos indígenas, direitos
humanos, direitos culturais e direitos ambientais.
O mapa ao lado Alto Paraguay,
Chaco, mostra a situação em março
de 2008. Desmatamento da floresta virgem, da Fazenda
Yaguarete Porá S.A. e desmatamento suspenso
na Fazenda River Plate S.A. (círculo vermelho).
Patrimonio Ayoreo Totobiegosode.
Este mapa, de setembro de 2008,
mostra a evolução do desmatamento
desde março. Desmatamento recente na Fazenda
Yaguarete Porá S.A. (círculo vermelho
acima) e grande avanço do desmatamento na
Fazenda River Plate S.A. (círculo vermelho
inferior). Patrimonio Ayoreo Totobiegosode.
Também a River Plate S.A.
retomou trabalhos de desmatamento na área
dos Totobiegosode, apesar de o trabalho dos tratores
ter sido suspenso por determinação
da Unidade Penal Ambiental Especializada do Ministério
Público Geral do Paraguai.
A organização não-governamental
paraguaia Peyipie Ichadie Totobiegosode (Opit) vem
a público reiterar o pedido às autoridades
paraguaias de que sejam feitas intervenções
urgentes no sentido de parar esse processo.
As organizações
indígenas do Paraguai publicaram documento
datado de 10/10, solicitando providências
quanto ao desmatamento das terras onde se encontram
os povos isolados.