20 de
Outubro de 2008 - Família coleta água
na região de Caetité: Ministério
Público Federal da Bahia vai convocar audiência
pública para discutir denúncia de
contaminação da água local
por urânio. INB, responsável pela mineração,
diz que não há problema algum.
São Paulo (SP), Brasil
— Estatal que explora urânio afirma que sua
operação está livre de qualquer
problema. População local pensa diferente
e exige investigação
A denúncia sobre a contaminação
da água de Caetité (BA) por urânio,
feita pelo Greenpeace no último dia 16 de
outubro, começa a surtir efeito. Um dia depois
da apresentação dos dados do relatório
Ciclo do Perigo - Impactos da Produção
de Combustível Nuclear no Brasil, que revelam
problemas na área de influência direta
da estatal Indústrias Nucleares do Brasil
(INB), o Ministério Público Federal
(MPF) da Bahia anunciou a realização
de uma audiência pública para discutir
os problemas com a população local
e também representantes da INB. Uma equipe
formada por técnicos de órgãos
do governo do estado da Bahia, entre eles o Instituto
de Meio Ambiente (IMA), o Instituto de Gestão
das Águas e a Secretaria de Saúde,
viajará a Caetité amanhã (terça-feira,
dia 21/10) para fazer um diagnóstico da situação
social e ambiental no entorno do empreedimento.
A empresa também se manifestou
por meio de nota oficial, na qual nega todo e qualquer
problema na região. Segundo a INB, "sua
operação não apresenta qualquer
evidência de contaminação ambiental
ou que tenha colocado em risco a saúde dessas
populações". Diz ainda que "realiza
aproximadamente 16 mil análises ambientais
por ano e ao longo de 8 anos de operação
montou um banco de dados que lhe permite assegurar
que opera dentro dos limites estabelecidos pelos
órgãos de licenciamento" e que,
"ao realizar perfurações para
atender às comunidades do entorno, só
libera a sua utilização após
comprovada inexistência de urânio".
Não é bem assim
que fuciona, segundo informações dos
moradores de Caetité. Em oito anos de operação
da mina de urânio, eles confirmam que a INB
fez testes na água local mas dizem que a
estatal nunca revelou o resultado dessas análises.
De acordo com pessoas ouvidas pelo Greenpeace ao
longo dos oito meses que a organização
esteve no local investigando o caso, a INB sempre
se fechou às preocupações da
população sobre uma possível
contaminação da água e do meio
ambiente por urânio.
"A nota divulgada pela INB
beira o cinismo e indica que a empresa vestiu a
carapuça", afirma Rebeca Lerer, coordenadora
da campanha de energia do Greenpeace.
"Nossa denúncia é
sobre a contaminação da água
na área de influência direta da mineração
e processamento do urânio. Solicitamos aos
entes competentes que procedam a uma investigação
para detalhar o que está realmente acontecendo
– ou seja, não acusamos diretamente a INB.
Se a empresa não tem nada a temer, deveria
apenas se colocar à disposição
e apresentar todos os dados que acumulou, mas nunca
divulgou, ao MPF e aos órgãos públicos."
Para a procuradora da República,
Flávia Galvão Arruti, que atua em
Guanambi (subseção judiciária
que abrange Caetité e outros municípios
da região), "o relatório do Greenpeace
corrobora a necessidade da realização
de uma perícia independente, como já
vem sendo apontado pelo MPF". Além da
audiência pública para ouvir a população
de Caetité, o MPF vai pedir informações
à INB, Ibama e Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN) sobre a denúncia de
contaminação da água por urânio.
+ Mais
A ''renascença'' da energia
nuclear
20 de Outubro de 2008 - São
Paulo (SP), Brasil — Artigo de José Goldemberg,
professor da Universidade de São Paulo, sobre
os principais problemas da energia nuclear, no Brasil
e no mundo. Foi publicado no jornal O Estado de
S. Paulo (20/10).
A energia nuclear teve sua "época
de ouro" de 1965 a 1975. Nesse período
foi iniciada a construção de mais
de 200 reatores, principalmente nos Estados Unidos,
na França, na Alemanha, no Japão e
na União Soviética. Somente em 1975
foi iniciada a construção de 32 reatores.
Com isso a eletricidade produzida por reatores nucleares
passou a representar cerca de 17% de toda a eletricidade
produzida no mundo - a França e o Japão
respondem por mais da metade. Após 1980,
contudo, foi iniciada a construção
de apenas quatro ou cinco reatores por ano, em geral
para substituir velhos reatores nucleares que foram
desativados. Desde 1985, nos Estados Unidos, que
têm cerca de cem reatores nucleares funcionando,
não foi iniciada a construção
de nenhum outro reator.
Uma visão desapaixonada
da indústria nuclear é a de que ela
entrou em declínio após 1985. Esta
é, porém, uma área em que avaliações
objetivas não são comuns e os entusiastas
da energia nuclear continuam a fazer grandes esforços
para reavivá-la.
O governo americano, nos oito
anos do presidente George W. Bush, simplificou muito
o procedimento de licenciamento para a construção
de reatores e criou importantes subsídios
para encorajar a indústria a investir neles.
Nos Estados Unidos quase todos os reatores nucleares
foram construídos pelo setor privado. Nem
assim a "renascença" da era nuclear
decolou, por uma variedade de razões, a principal
das quais são os altos investimentos necessários,
a insegurança regulatória e os atrasos
que a construção de reatores nucleares
sofre freqüentemente.
Essa situação piorou
muito após os acidentes de Three Mile Island,
nos Estados Unidos, e de Chernobyl, na então
União Soviética.
A "renascença"
da energia nuclear se baseou um pouco nas novas
preocupações que surgiram, após
1980, com o aquecimento global. Reatores nucleares,
diferentemente de termoelétricas a carvão,
gás ou óleo combustível, emitem
poucos gases do efeito estufa e são vistos
por alguns como a solução para o aquecimento
global, o que é claramente um exagero. Eles
poderiam até ajudar, mas seria necessário
construir pelo menos 2 mil ou 3 mil reatores nucleares
até 2050 para fazer uma diferença
real.
Dos 400 reatores em funcionamento
no mundo, apenas uns 50 estão em países
em desenvolvimento e a grande esperança da
indústria nuclear é que estes países
(sobretudo China e Índia) adotem esse tipo
de energia em grande escala para compensar a estagnação
da indústria na Europa e nos Estados Unidos.
Isso é o que explica o interesse renovado
de construir reatores nucleares no Brasil, que lembra
bem o que aconteceu em 1975, quando o governo Geisel
adotou planos grandiosos para essa energia no País.
Na época se argumentava que ficaríamos
sem eletricidade se os reatores não fossem
construídos, o que se revelou sem fundamento,
pela simples razão de que tínhamos
outras opções, como construir Itaipu
e muitas outras usinas hidrelétricas.
Dos planos do passado sobrou um
reator nuclear inacabado, que é Angra 3,
cujas obras foram paralisadas há 20 anos,
apesar de boa parte dos equipamentos já ter
sido comprada. Poder-se-ia até argumentar
que o melhor seria concluir sua construção
para evitar perdas maiores. Mas propor com base
nessa decisão uma "renascença"
da energia nuclear no País, e começar
a planejar 60 reatores nucleares para os próximos
50 anos, é totalmente fora da realidade e
vai desviar a atenção de outras soluções
mais realistas. Temos ainda várias opções
para produzir a eletricidade de que necessitamos:
apenas 30% do potencial hidrelétrico brasileiro
foi utilizado, a geração de eletricidade
com bagaço de cana poderá fornecer
10 milhões de quilowatts até 2015
(outra Itaipu!) e o uso da energia dos ventos nos
Estados do Norte-Nordeste do País poderia
ser estimulado. O sistema elétrico brasileiro
é todo interligado e não há
razões - a não ser políticas
- para encorajar regionalismos nessa questão.
Para concluir Angra 3 restam,
contudo, questões relativas ao licenciamento
ambiental - como, aliás, ocorre no mundo
todo - e o Ibama deu uma solução para
o problema que, se levada a sério, vai inviabilizar
esse projeto.
Ao conceder licença prévia
para a obra, o Ibama impôs 60 "condicionalidades",
que incluem medidas mitigatórias que vão
de programas de assistência social à
criação de postos de saúde
e financiamento do saneamento ambiental dos municípios
de Angra dos Reis e Parati. Essas ações,
presumivelmente, são consideradas como "compensações
ambientais", o que, a nosso ver, viola o espírito
da lei que regula o assunto. Compensações
ambientais têm por finalidade compensar impactos
decorrentes das obras - que não puderem ser
mitigados -, e não ser usadas para corrigir
diferenciais dos serviços públicos,
como o saneamento, por mais desejável e necessário
que ele seja. Elas, provavelmente, foram incluídas
entre as compensações para atenuar
resistências à construção
de mais um reator nuclear naquela área.
O problema real com os reatores
nucleares é a disposição final
dos resíduos radioativos de alta atividade,
corretamente identificado pelo Ibama. Sucede que
esse problema não foi resolvido satisfatoriamente
ainda em nenhum país do mundo nem há
acordo completo sobre o que se entende por "disposição
final" dos resíduos - 50, 500 ou 5 mil
anos? Esperar que ele o seja no Brasil "antes
do início da operação do reator",
como consta das condicionantes, é realmente
um "tiro no escuro", que poderá
dar no futuro em toda sorte de questionamentos.
Esta questão precisa ser
esclarecida satisfatoriamente antes que sejam feitos
mais investimentos na conclusão de Angra
3, que já custou bilhões de reais
e vai custar ainda outros tantos.