03/11/2008
- Está marcada para a próxima quarta-feira
reunião da Comissão Especial da Câmara
dos Deputados que analisa o PL 1610/96, de Mineração
em Terras Indígenas, para deliberar sobre
as emendas ao substitutivo apresentado em julho
pelo relator Eduardo Valverde.
No substitutivo, o relator incorporou
o anteprojeto de lei (APL) do Poder Executivo elaborado
por técnicos dos Ministérios das Minas
e Energia e da Justiça e da Funai, com alterações
substanciais. O parecer é um avanço
em relação à proposta original
do Projeto de Lei (PL) 1610/96 apresentada pelo
Senador Romero Jucá (PSDB-RR). No entanto,
foi apresentado um grande número de emendas
que visam a beneficiar as empresas mineradoras e
garantias fundamentais para a realização
da atividade de exploração mineral
em terras indígenas foram modificadas, não
estão dispostas de maneira clara ou não
foram incorporadas ao texto.
Falta a definição,
no PL, do que seja o interesse nacional que justifique
a mineração em terras indígenas,
além do estabelecimento de um procedimento
de autorização pelo Congresso Nacional
baseado em critérios técnicos, mecanismos
de controle externo das comunidades indígenas
sobre a atividade, sua participação
na renda a ser auferida e garantias de seguro contra
riscos ambientais.
Mineração no interesse
nacional
A possibilidade de pesquisa e
a lavra dos recursos minerais em terras indígenas,
por terceiros, é uma exceção
ao direito de usufruto exclusivo da área
pelos próprios indígenas. Por essa
razão a Constituição Federal
(CF) estabelece a necessidade de aprovação
pelo Congresso Nacional, a consulta aos povos afetados
e a existência de uma legislação
específica. No mesmo sentido, a CF exige
a prévia existência de interesse nacional
para que a atividade minerária possa ocorrer,
dado o seu alto potencial de impactos sociais e
ambientais sobre uma terra indígena.
A lei em elaboração
deve assegurar que a exploração mineral
ocorra estritamente quando necessária e desde
que não comprometa a sobrevivência
física ou cultural dos povos habitantes da
terra objeto da mineração, ou seja,
que a mineração nessas áreas
seja comprovadamente fundamental ao desenvolvimento
do país. Sem isso, corre-se o grave risco
de se abrir as terras indígenas, indiscriminadamente,
ao aproveitamento mineral.
Para balancear o direito de sobrevivência
física e cultural dos povos indígenas
e a possibilidade de exploração mineral
em suas terras para o desenvolvimento do país
é fundamental considerar alguns limites à
atividade. Em caso de existência de unidades
de conservação permanente, de povos
indígenas isolados e de não regularização
fundiária da terra indígena, não
deve ocorrer a exploração mineral,
sob pena do último comprometer o primeiro.
Mudança no procedimento
de autorização
Uma mudança grave introduzida
pelo relator em julho foi a alteração
do procedimento de autorização do
Congresso Nacional, que na proposta do executivo
era seqüencial e conclusivo. Ou seja, se por
meio de laudo fosse constatado não haver
potencialidade geológica, o requerimento
de pesquisa e lavra era arquivado no órgão
federal competente, sem haver necessidade de ser
submetido ao Congresso Nacional. Se houvesse potencial
geológico, seria elaborado laudo ambiental
a ser encaminhado ao órgão indigenista
federal para subsidiar a elaboração
de laudo sobre a compatibilidade sócio-cultural,
para demonstrar os possíveis impactos da
exploração mineral na comunidade indígena.
Em caso de manifestação desfavorável,
o procedimento administrativo era arquivado.
A proposta do relator é
que mesmo que não haja potencialidade geológica
e/ou que o laudo de compatibilidade sócio-
cultural seja negativo, o procedimento de autorização
seja submetido ao CN, que poderá aprovar
a pesquisa e lavra nestas circunstâncias.
Da mesma forma, o empreendimento deve ter a licença
ambiental expedida antes da outorga da concessão
mineral. É a licença ambiental que
analisa a viabilidade ambiental de determinado projeto.
Sem a licença, o Poder Público estará
outorgando concessão para a exploração
mineral em terras indígenas às cegas.
Mecanismos de controle externo
Além da necessária
fiscalização por parte dos órgãos
competentes, como Ibama, Ministério Público
Federal e Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), é fundamental que no PL conste
que, no edital e no contrato, estejam previstos
mecanismos que permitam o acompanhamento e controle
por parte das comunidades indígenas afetadas,
principais interessadas no correto funcionamento
da atividade. O mecanismo de acompanhamento deve
permitir à comunidade indígena controlar
e denunciar eventuais violações ao
contrato e a seus direitos. A avaliação
sobre a forma como se desenvolvem os trabalhos de
pesquisa e lavra, por envolver aspectos técnicos,
pode ser feita por uma auditoria externa independente,
contratada diretamente pela comunidade indígena,
e seus custos devem ser de responsabilidade do concessionário.
Garantias de segurança
ambiental
Ausente também no PL a
inclusão de condições fundamentais
que devem estar no edital de licitação,
entre elas a previsão de um seguro para riscos
ambientais. No edital, já devem constar as
condições necessárias para
garantir a segurança ambiental do projeto,
bem como as restrições de ordem socioambiental
estipuladas ao longo do procedimento autorizativo,
para que os licitantes façam suas propostas
já tendo em consideração esses
pontos. O seguro contra riscos ambientais é
uma garantia de que haverá a recuperação
do dano ocorrido e, talvez mais importante, que
haverá recursos suficientes para as ações
de emergência de contenção do
dano, já que muitas vezes o poder público
não tem esses recursos e a obrigação
de contenção é de quem causou
o dano.
Consulta Prévia e Informada
O PL prevê de maneira confusa
como deve ser a consulta às comunidades indígenas
afetadas. A consulta é um passo fundamental
no processo de autorização de exploração
ou aproveitamento mineral em terra indígena.
O PL menciona que a consulta deve ocorrer mas omite
quais as suas conseqüências. A legislação
deve especificar de maneira clara como e quando
deverá ocorrer a consulta e quais os seus
resultados, ou seja, como o Congresso Nacional deve
considerar o que for levantando e decidido pelas
comunidades indígenas afetadas.
Emendas
Foram apresentadas 136 emendas
ao substitutivo do relator. Os deputados José
Fernando Aparecido (PV-MG) e Adão Preto (PT-PR)
apresentaram emendas buscando suprir as lacunas
e equívocos acima citados.
A Deputada Perpétua Almeida
(PC do B-AC) apresentou um projeto substitutivo
ao PL 1610/96 (ESB 38), baseado em proposta do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), propondo
que o tratamento da matéria seja feito, segundo
sua justificativa:
considerando que todas as questões
relativas a exploração mineral em
terras indígenas devem ser definidas administrativamente,
sendo apenas a autorização submetida
para decisão do Congresso Nacional;
é o Poder Executivo que declara a disponibilidade
de determinada área em terra indígena
para sua exploração, escolhe a empresa
que irá ter direito a preferência para
pesquisa e lavra, ouve as comunidades indígenas
e fixa as condições específicas
para a atividade minerária em terra indígena;
ao Congresso cabe autorizar a exploração
mineral em terras indígenas, para que haja
uma aferição mais detalhada e pública
sobre as graves repercussões e os fortes
interesses econômicos sobre a matéria.
O projeto da deputada propõe que a lei regulamente
a matéria da seguinte maneira:
a definição inicial
pelo Congresso Nacional quanto ao interesse nacional
na exploração de determinado minério
encontrado em uma terra tradicionalmente ocupada
por índios;
audiência da comunidade ou das comunidades
indígenas envolvidas, pelo Congresso Nacional;
análise, por meio de Comissão Mista,
quanto a conveniência e oportunidade para
a autorização, considerando as especificidades
étnicas e culturais do grupo indígena
envolvido e a efetiva necessidade para o país
na exploração mineral em questão;
definição de condições
específicas peculiares à comunidade
indígena envolvida;
deliberação, caso a caso, pelo plenário
do Congresso Nacional.
Emendas contrárias aos interesses indígenas
também foram apresentadas, entre elas as
dos deputado(a)s José Otávio Germano
(PP-RS), Arnaldo Jardim (PPS-SP), Bel Mesquita (PMDB-PA)
e Paulo Roberto PTB-RS, que buscam:
manter o direito de prioridade
de requerentes que fizeram as suas solicitações
antes e depois de 1988, ou seja, anteriores a promulgação
da Lei;
transformar o extrativismo mineral indígena
possível apenas no interesse nacional;
por fim a concessão para explorar minerais
apenas com o a exaustão da jazida e não
com o fim do prazo pela qual a concessão
foi outorgada;
criar mais uma instância para recurso no caso
de o órgão federal pertinente se manifestar
pela inexistência de potencialidade geológica
ou pela incompatibilidade sócio-cultural
com atividade de mineração: submeter
ao Presidente da República;
baixar de R$ 4 para R$ 2 o pagamento à União,
de taxa anual, por hectare;
excluir a possibilidade da(s) comunidade(s) indígena(s)
afetada(s) receber(em) uma renda a ser paga pela
ocupação e retenção
da área, por hectare ocupado;
excluir a possibilidade de união das comunidades
indígenas a empresas com experiência
na atividade mineradora;
alterar o procedimento de autorização
que prevê que o Congresso Nacional deve se
manifestar em dois momentos distintos, autorizando,
separadamente, a realização da pesquisa
e da lavra. Propõe apenas uma autorização
para as duas fases;
excluir que a receita decorrente da participação
governamental por compensação financeira
pela exploração de recursos minerais
seja alocada em projetos de desenvolvimento sustentável
em favor das comunidades indígenas brasileiras;
reduzir o valor das multas ao concessionário
em caso de descumprimento das obrigações
estabelecidas no contrato de concessão e
do disposto na Lei;
reduzir pela metade o valor da participação
da comunidade indígena no faturamento líquido,
ao invés de bruto, resultante da comercialização
do produto mineral obtido;
suprimir a exigência do órgão
federal competente publicar portaria de identificação
das comunidades indígenas, para os fins de
mineração;
suprimir a proibição de que haja mais
de uma atividade de pesquisa e lavra em uma mesma
terra indígena, apesar da proibição
conter a ressalva de que isto é possível
no caso de o laudo da compatibilidade sócio-cultural
emitido pelo órgão indigenista recomendar.
O presidente da Comissão Especial, deputado
Édio Lopes (PSDB-RR) apresentou uma única
emenda em que propõe que 2% da compensação
financeira pela exploração de recursos
minerais sejam destinados ao Fundo do Exército,
“tendo em vista o relevante interesse para a segurança
nacional que reveste tal exploração
e o fato de que o Exército, no âmbito
de suas funções, prepara o Plano de
Segurança Integrada, levantando as instalações
consideradas sensíveis, incluindo a minas
de exploração de minérios,
fazendo a segurança, quando necessário...”
As emendas dos deputados podem
ser acessadas no site da Câmara, pesquisando
o PL 1610 do ano de 1996.
Está marcada para o dia
05/11, às 14h30min, no Plenário 16
do Anexo II da Câmara dos Deputados, Reunião
Ordinária da Comissão Especial para
discutir e votar o Parecer do Relator, deputado
Eduardo Valverde.
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior.