05/11/2008
- Entra em votação hoje, na Câmara
dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 6.424/05,
que altera o Código Florestal. Da forma como
está, depois de ter passado pela Comissão
de Agricultura, pode trazer retrocessos e será
votado sem ouvir a posição de organizações
ambientalistas - que atualmente participam de discussão
sobre o assunto na Frente Parlamentar Ambientalista
da Câmara, que não está sendo
levada em conta.
As Ongs que formam o Pacto pela
Valorização da Floresta e pelo Fim
do Desmatamento na Amazônia , lançado
em outubro do ano passado, entregaram carta ao relator,
deputado Jorge Khoury (DEM-BA), manifestando posição
contrária à aprovação
do PL 6424/05, do senador Flexa Ribeiro, que "altera
a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965,
instituindo o novo Código Florestal, para
permitir a reposição florestal e a
recomposição da Reserva Legal mediante
o plantio de palmáceas em áreas alteradas".
Entre os argumentos das organizações
está a promessa de criação
de um Grupo de Trabalho (GT), pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA), para avançar
na discussão transparente da proposta do
novo Código, de forma a conter o ritmo acelerado
de desmatamento das florestas e seguindo os pressupostos
da proposta do Pacto pelo Desmatamento Zero na Amazônia.
Tendo em vista a importância
do tema e os possíveis riscos apresentados
pelo substitutivo, em termos de retrocesso na política
de combate ao desmatamento, as Ongs se manifestam
contrárias e solicitam prazo de, no mínimo,
três meses, para que o GT possa contribuir
em busca de acordos sobre pontos fundamentais do
PL.
O projeto estava previsto para
ser votado no final de 2007, com destaque para pontos
como a redução, na prática,
da Reserva Legal na Amazônia; a possibilidade
de manter bacias hidrográficas sem florestas
(ao permitir a compensação da RL em
outra bacia) e de transferir a elas a responsabilidade
pelas florestas recompostas (ao sugerir a recuperação
de áreas degradadas em terras de comunidades
tradicionais). Após amplo processo de negociação
e graças à articulação
das organizações a votação
foi adiada.
Entretanto, a bancada ruralista
conseguiu que o PL fosse enviado para análise
da Comissão de Agricultura, Pecuária,
Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Agora, de
volta à Comissão de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável, pode ser votado
sem novas negociações, pois não
houve ainda debates consistentes, públicos
e atualizados sobre o conteúdo do projeto,
que traz inovações substanciais em
relação à proposta então
publicada.
Para contribuir com o PL a Frente
Parlamentar Ambientalista tem promovido reuniões
técnicas para discutir pontos centrais da
gestão florestal brasileira com vistas ao
seu aprimoramento, entre eles a Reserva Legal, o
Zoneamento Ecológico-Econômico, as
Áreas de Preservação Permanente
e outros pontos tratados no PL 6424/05. Porém,
tais audiências não foram incorporadas
ao processo. Amanhã, dia 6/11, será
realizada a última reunião prevista.
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Pesquisadora do Instituto Florestal
de SP fala sobre restauração de matas
ciliares no Xingu
04/11/2008 - Em entrevista ao
ISA, Giselda Durigan conta o que viu e o que achou
de sua visita aos projetos de restauração
florestal implementados pela Campanha Y Ikatu Xingu
no Mato Grosso.
Mestre em engenharia florestal
pela Universidade de São Paulo, doutora em
Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e com pós-doutorado junto ao Royal
Botanic Garden, em Edinburgh, na Escócia,
Giselda Durigan é pesquisadora do Instituto
Florestal do Estado de São Paulo e professora
credenciada no Programa de Pós-graduação
em Ciências da Engenharia Ambiental, da USP,
em São Carlos. Em outubro, ela esteve em
Canarana (MT), a convite do Instituto Socioambiental
(ISA), para participar do II Encontro Nascentes
do Xingu e da I Feira de Iniciativas Socioambientais,
reunindo diversos projetos de restauração
dos recursos naturais da Bacia do Xingu e a geração
de alternativas econômicas sustentáveis
para populações tradicionais. Durante
o evento, a pesquisadora ministrou oficinas sobre
a conservação do Cerrado e a restauração
de mata ciliar. E aproveitou a oportunidade para
visitar acompanhada pelos técnicos do ISA
- alguns projetos de restauração florestal
que a Campanha Y Ikatu Xingu vem implementando na
região. Abaixo, suas impressões sobre
as técnicas de plantio que estão sendo
disseminadas para restaurar as áreas de nascentes
e as beiras de rio da Bacia do Xingu.
Quais foram suas primeiras impressões
a respeito do trabalho da Campanha Y Ikatu Xingu
para a restauração e preservação
das matas ciliares e áreas de preservação
permanente na Bacia do Xingu?
Quando eu soube, pelos relatos
dos técnicos e pesquisadores envolvidos na
restauração ecológica dentro
da campanha Ikatu Xingu, que, contra todos os paradigmas
da silvicultura convencional, as matas ciliares
da região estão sendo recuperadas
com o plantio direto de sementes de árvores,
como se fossem soja ou milho, até mesmo com
máquinas plantadeiras, confesso que pensei
comigo: isto não vai dar certo... a germinação
vai ser baixa... a mortalidade será alta
na estiagem... sementes pequenas não vão
se desenvolver... o capim vai tomar conta dos plantios...
Além dessas suposições,
baseadas nas experiências do sudeste, eu sabia
também que outras técnicas de baixo
custo já haviam sido testadas na região,
sem sucesso, como a transposição de
plântulas ou folhiço retirados da floresta
nativa, que não sobreviveram à primeira
estação seca. E eu temia então
pelo desânimo das pessoas diante de uma nova
tentativa frustrada.
Mas, como regra número
1 do pensamento científico, eu não
podia me esquecer de que não se deve descartar
uma hipótese antes que tenha sido testada.
Então, esperei ansiosamente pelas visitas
às áreas de plantio, que tive a oportunidade
de conhecer após o evento. Enquanto esperava,
fui conhecendo as iniciativas de restauração
pelos relatos apresentados durante a Feira. Aos
poucos, fui entendendo que, nessa região,
há obstáculos outros à restauração
além dos que já conhecemos, que são
a seca prolongada, as formigas cortadeiras, os capins
africanos, o gado e o fogo. Todos estes estão
presentes também na região do Xingu,
mas a falta de infra-estrutura surge como um dificultador
a mais, além do também inexistente
respaldo da ciência, uma vez que não
houve tempo para a instalação de experimentos
de restauração que apontassem as melhores
soluções técnicas para restaurar
os ecossistemas locais. E a ciência já
comprovou pelo menos uma coisa: não existe
uma técnica de restauração
que seja adequada para todas as situações,
de modo que o que serve para uma região não
serve para outra e vice-versa.
Não consegui fazer o cálculo
de quanto custaria o plantio de uma muda produzida
em um viveiro em Canarana, que precisaria ser transportada
por centenas de quilômetros de estradas lamacentas
até chegar a alguma das inúmeras fazendas
com áreas a recuperar. Sei que seria um custo
alto demais para a dimensão do desafio de
restaurar florestas na região. Há
poucas estradas, poucos viveiros, pouca energia
para instalar novos viveiros nas fazendas e o transporte
de mudas nas estradas existentes na época
das chuvas, que é a ideal para os plantios,
é quase impossível. Entendi rapidamente
que o plantio de mudas em larga escala não
seria fácil e, portanto, se a semeadura direta
não desse certo, outro caminho teria de ser
buscado.
Mas, felizmente, voltei do Xingu
otimista.
O que você achou dos experimentos
que estão sendo feitos com agrofloresta,
plantio direto a lanço e mecanizado nas propriedades
rurais?
Comecei a visita pelo Ten Caten,
testemunhando o crescimento de grande quantidade
de arvorezinhas nos jardins agroflorestais do Osvaldinho
[técnico do ISA], sob as plantas de mandioca,
girassol e etc.. Ali, sob condições
ótimas de irrigação e fertilização,
parece que a semeadura direta está trazendo
de volta as árvores, em alta densidade e
diversidade. É cedo para conclusões,
pois o plantio tem apenas alguns meses, mas a impressão
inicial foi muito positiva. Ainda que esta técnica
não deva ser tão bem sucedida em larga
escala, em solos muito degradados e sem irrigação,
pode dar certo em situações privilegiadas
como esta que pude ver.
Depois fui para o Garapu, para
ver uma das tais áreas em que as sementes
de árvores foram semeadas com máquinas,
junto com sementes de guandu. Este plantio já
estava no terceiro ano e, para minha surpresa, havia
uma densidade estimada em 3.000 plantas de espécies
arbóreas por hectare, que sobreviveram a
duas estações secas, e algumas já
atingiam cerca de 2 m de altura! Jatobás,
pequizeiros, carvoeiros, barus, cajueiros, canudeiras,
de vez em quando uma garapa, um jenipapo.
Pensei: para esta densidade de
plantas sobreviventes, a quantidade de sementes
utilizadas deve ter sido muito alta. Sim, foi mesmo.
Mas, aprendi também que na região
do Xingu o que não falta são florestas
nativas e gente disposta a colher sementes, de modo
que, diferentemente do que ocorre no sul e sudeste,
as sementes são abundantes e custam muito
pouco. A diversidade parece baixa. E é mesmo.
Muitas espécies não germinam ou não
sobrevivem à seca. Mas, como temos aprendido
em nossos experimentos no sudeste, se há
vegetação nativa nas proximidades,
aos poucos a fauna trará muitas outras espécies,
de modo que basta recriarmos um ambiente florestal,
com árvores que atraiam especialmente aves,
e a natureza fará o restante do trabalho.
Muitos produtores rurais ainda
utilizam herbicidas para proteger suas plantações
da invasão da braquiária e das pragas.
Qual é o seu entendimento a respeito da utilização
de técnicas alternativas, como o plantio
de leguminosas, na Bacia do Xingu?
A principal surpresa que tive
foi não ter encontrado uma manta de braquiária
dominando o território. Soube que houve um
esforço grande para controlar o capim antes
da semeadura das árvores e isto certamente
foi decisivo. Pelo menos nesses primeiros anos,
o guandu que germinou e cresceu rapidamente formou
sombra suficiente para impedir que o capim invadisse
a área em restauração. Não
é possível prever se isso acontecerá
e quando, mas, aparentemente, há árvores
suficientemente robustas para resistir à
invasão do capim e vencer a batalha.
Com base no princípio da
precaução, o uso de herbicidas tem
sido evitado na região. No sudeste, o glifosato
vem sendo regularmente utilizado e está sendo
regulamentado para uso em restauração,
pois reduz muito os custos de plantio e manutenção
e favorece a sobrevivência e o crescimento
das árvores, ao eliminar a competição
com os capins. Desde que cuidadosamente aplicado,
o herbicida pode otimizar os recursos, com a recuperação
de áreas muito maiores a um mesmo custo.
Quais as suas impressões
a respeito do que a Campanha Y Ikatu Xingu está
fazendo para a restauração florestal
em lotes de assentamentos rurais?
A última visita que fiz
foi ao sítio encantador da Luzia e do Ricardo,
em que a moradia, antes no meio do nada, como vi
na foto de alguns anos atrás, hoje é
circundada por árvores frutíferas,
sombreadoras e ornamentais, entremeadas por culturas
agrícolas. Ali comi mangaba, amora, caju
e comeria muitas outras coisas se não estivesse
com o estômago perturbado pelo excesso do
irresistível pequi do Xingu na noite anterior,
que a Luzia prontamente tratou com chá de
carqueja, apanhada no quintal (diga-se de passagem,
um santo remédio!).
Ali, no assentamento Jaraguá,
vi que a semeadura das árvores no meio da
mandioca e do abacaxi dá resultado, mesmo
sem irrigação, pois já tinha
até cajueiros frutificando. Mas se o capim
não for controlado, as árvores acabam
morrendo ou se desenvolvem muito mal. Também
vi por toda a região que, de modo geral,
a vegetação do cerrado é bem
mais fácil de restaurar do que as florestas,
regenerando-se naturalmente se cessarem as perturbações.
Depois de visitar a região,
o que mais você sugere que precisa ser feito
para alavancar o processo de restauração
dos recursos naturais da região?
Enquanto viajava de um lado para
outro alimentando a confiança nas iniciativas
de restauração das florestas e cerrados,
uma outra certeza foi se consolidando. É
urgente avançar em uma outra frente de batalha:
o manejo de microbacias hidrográficas. Regra
geral, percebi que os processos hidrológicos
não são compreendidos pelas pessoas
que vivem ou trabalham na região. Como resultado
do planejamento de cidades e estradas sem levar
em conta o destino das águas pluviais e pelo
manejo inadequado do solo nas propriedades rurais,
sem a preocupação em maximizar a infiltração
da água das chuvas, os mais graves problemas
ambientais da região hoje são a erosão
em sulcos ou voçorocas ao redor das cidades
e ao longo das estradas, além de nascentes
sem água na estação seca e
grandes enchentes na época das chuvas.
Plantar matas ciliares apenas
não resolve todos esses problemas. Se grande
parte da água das chuvas não infiltra
e a enxurrada desce a vertente rumo aos rios, a
faixa obrigatória de mata ciliar não
será suficiente para absorver toda essa água
de uma bacia inteira. A água que não
infiltra nas lavouras e pastagens vai embora nas
enchentes e, depois, vai fazer falta para as plantas
cultivadas e para abastecer as nascentes na estiagem.
A produtividade das fazendas cai, sem que o proprietário
compreenda o que está acontecendo. Perdem
os proprietários rurais e perdem todos os
cidadãos, pois é dos cofres públicos
que saem os recursos para as obras incessantes de
recuperar estradas e controlar as enchentes e a
erosão ao redor das cidades.
O ideal seria aumentar a área
de florestas na região, não só
para a conservação, mas incentivar
a silvicultura como opção de uso da
terra, produzindo lenha, madeira, látex ou
outros produtos não madeireiros. Mas, para
isso também são necessárias
pesquisas e infra-estrutura. Enquanto isso, valem
os esforços e investimentos em assistência
técnica voltada ao manejo adequado dos solos
e dos recursos hídricos e ao planejamento
da expansão urbana e da rede de estradas
Felizmente, também encontrei
no Xingu um cenário raro e altamente favorável
de agregação de esforços de
todos os grupos de pessoas e instituições,
compreendendo cientistas, organizações
governamentais e não-governamentais, populações
indígenas, estudantes, políticos,
proprietários rurais, todos devidamente articulados
na busca de soluções para os problemas
regionais. Ainda que existam opiniões divergentes,
trago uma certeza: uma vez identificado o problema,
todos contribuirão, cada um à sua
maneira, para encontrar a saída.
E trago também uma esperança:
que a água do Xingu possa vir a ser sempre
boa e bastante em cada braço de rio!