13/11/2008
- Depois de ter autorizado a construção
de Angra 3, ter dilatado o prazo para reduzir em
70% a quantidade de enxofre no diesel a partir de
janeiro de 2009 conforme estabelecido em Resolução
do Conama de 2002, e com o Código Florestal
na linha de tiro, o governo Lula edita decreto aue
permite a destruição de cavernas por
empreendimentos e obras de infra-estrutura. Nem
sociedade civil nem comunidade científica
foram ouvidas.
O decreto de 11000 (nº 99.556),
que garantia proteção ao patrimônio
espeleológico brasileiro, foi revogado por
outro, em 7 de novembro último, permitindo
que cavernas sejam irreversivelmente impactadas
por obras de infra-estrutura e mineração.
O Decreto nº 6.640/2008 estabelece graus de
relevância para as cavernas e aquelas que
não forem consideradas excepcionais poderão
ser destruídas para que em seu lugar se construam
novos empreendimentos. Leia mais (link para o doc
da SBE).
"A situação
agora mostra o governo não cumprindo o que
determina a Constituição, que é
cuidar do patrimônio espeleológico
e ao editar esse decreto perdeu a oportunidade de
fazer algo bem feito", afirma o espeleólogo
Clayton Ferreira Lino, que trabalha com o tema desde
1970 e é ex-presidente da Sociedade Brasileira
de Espeleologia. "O decreto parte do princípio
errado, ou seja, de que todo empreendimento é
relevante enquanto que nenhuma caverna tem importância
até ser declarada como tal", diz Lino.
Os critérios de relevância
estabelecidos para classificar as cavernas também
são questionáveis. “Não têm
base científica e não são claros,
objetivos, transparentes. O risco é enorme
e representa uma irresponsabilidade do governo que
lança um decreto sem aprofundar a discussão
com a comunidade científica", avalia
o espeleólogo.
O advogado e coordenador do Programa
Política e Direito Socioambiental do ISA,
Raul Telles do Valle, concorda. “Além de
abrir a possibilidade de destruição
completa de cavernas, não deixa claro quem
- e com que critérios - vai definir as cavernas
de excepcional valor. Esta definição
não pode ficar a cargo apenas de um órgão
técnico, como estabelece o decreto".
O “dois pra lá, dois pra
cá” do MMA
Além de contrariar uma
disposição constitucional o novo decreto
também contraria uma Resolução
do Conama ((Conselho Nacional do Meio Ambiente)
de 2004, que já criava critérios razoáveis
para permitir a instalação de obras
que fosssem impactar cavernas. O novo decreto deixa
de considerar as cavernas como patrimônio
espeleológico conforme estabelecido no decreto
antigo.
"Passamos de uma legislação
que era extremamente restritiva em alguns casos
- como quando um empreendimento de mineração
era ou poderia ser paralisado apenas porque havia
encontrado uma pequena cavidade natural em seu caminho,
sem qualquer significância cênica, cultural
ou ambiental - para uma totalmente permissiva, como
é esse novo decreto", avalia Telles
do Valle. "As únicas cavernas que estão
de fato protegidas são as de relevância
máxima, que pelas regras são pouquíssimas,
pois têm que ser únicas em vários
aspectos. Outras tantas de grande beleza ou importância
ecológica vão poder ser destruídas
na lógica do "dois pra lá, dois
pra cá" inaugurada pelo ministro Minc:
destrói aqui para conservar ali, como se
isso fosse possível em termos ambientais”,
diz o advogado do ISA.
Durante a gestão da ministra
Marina Silva à frente do Ministério
do Meio Ambiente, encerrada em maio deste ano quando
ela se demitiu, longas e delicadas negociações
em relação a essa questão foram
realizadas envolvendo os ministérios de Minas
e Energia e Ciência e Tecnologia, além
de setores empresariais no sentido de flexibilizar
o decreto mas sem deixar de preservar o patrimônio
espeleológico brasileiro de acordo com a
relevância determinada pela Resolução
do Conama.
O caso de Tijuco Alto, no Vale
do Ribeira
A publicação do
novo decreto abre as portas para que o Ibama dê
a licença ambiental para a instalação
da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no
Vale do Ribeira, SP. "Após 20 anos de
resistência do movimento ambientalista e da
sociedade local, e mesmo tendo o Presidente Lula
afirmado durante a campanha eleitoral que não
permitiria sua construção em função
dos altos impactos socioambientais, a Companhia
Brasileira de Alumínio finalmente terá
o aval que precisava para instalar a usina e aumentar
sua produção industrial", diz
o advogado do ISA, Raul Telles do Valle.
Em fevereiro desse ano, a equipe
técnica do Ibama emitiu um parecer apontando
a existência do antigo decreto sobre as cavernas
como um impedimento para liberar a obra, já
que ela inundaria ou afetaria diretamente pelo menos
450 dolinas, 52 cavidades naturais subterrâneas
e 59 feições secundárias, além
de quatro sumidouros e oito ressurgências.
“Porém, em vez de negar a licença,
e por já saber das gestões junto à
Casa Civil para a mudança do decreto, o Ibama
teve de aguardar a publicação da nova
regra para tocar adiante o processo. Agora, se efetivamente
a licença for dada, o País trocará,
para sempre, a existência de algumas centenas
de cavidades ainda desconhecidas por mais alumínio
para exportação", afirma Telles
do Valle.
Diante desse quadro desanimador
está na hora de relembrar o mote proposto
pelo ISA no final de 2004: Desenvolvimento, sim.
De qualquer jeito, não!
+ Mais
Os desafios de se aplicar a Convenção
169 no Brasil
10/11/2008 - Termina amanhã,
dia 11 de novembro, em Brasília, o seminário
'Oportunidades e desafios para a implementação
da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas
e tribais em países independentes'. Nesta
terça-feira serão discutidos o sistema
de acompanhamento e controle de implementação
de Convenções e Normas Internacionais
da OIT, com apresentação dos relatórios
oficiais e alternativos referentes à implementação
da Convenção, entregues pelo governo
brasileiro e pela sociedade civil, bem como os desafios
da aplicação do direito de consulta
prévia sobre matérias legislativas
e administrativas no Brasil.
Da mesa da manhã farão
parte o ministro Lélio Bentes Corrêa,
do Tribunal Superior do Trabalho e membro da Comissão
de Peritos em Aplicação de Normas
Internacionais da OIT; o representante da Articulação
dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais
e Espírito Santo (APOINME), Sandro Tuxá;
Maria Aparecida Mendes, da Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas (CONAQ); além de
representantes do Governo Federal e da Direção
Nacional da Central Única dos Trabalhadores
(CUT).
A segunda mesa, que encerra o
evento, terá a presença da desembargadora
federal do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, Maria Lúcia Luz Leiria; da
senadora Marina Silva; do presidente da Funai, Márcio
Meira; e do representante da Associação
Terra Indígena Xingu (Atix), Marcelo Kamayura.
O encontro reúne autoridades
e lideranças de toda a América Latina
para debater formas de contribuir com a aplicação
do direito de consulta livre, prévia e informada
dos povos indígenas e quilombolas. O objetivo
é sensibilizar atores-chave no processo de
implementação política e judicial
da Convenção e da discussão
de estratégias dos povos interessados, para
reivindicar o cumprimento das obrigações
nela estipuladas.
Poder de veto
O primeiro dia de seminário
(10/11) foi marcado pela discussão sobre
o valor jurídico da aplicação
de normas internacionais no País. Na primeira
mesa de debates, da qual participaram o juiz ad
hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Roberto de Figueiredo Caldas; o especialista principal
sobre Normas Internacionais do Trabalho do Escritório
Regional da OIT para Brasil, Christian Ramos Veloz;
e a subprocuradora-geral da República e coordenadora
da 6ª Câmara de Coordenação
e Revisão (índios e minorias), Deborah
Macedo Duprat de Brito Pereira, uma das questões
levantadas foi se a consulta prévia implica
ou não o poder de veto por parte das comunidades
afetadas.
Christian Veloz, da OIT, afirmou que quando o tema
em análise afeta diretamente os direitos
dos povos indígenas e quilombolas, a consulta
livre, prévia e informada a essas comunidades
é obrigatória mas, segundo ele, não
implicaria em direito a veto, pois nenhum segmento
da sociedade pode impor uma decisão nesse
sentido à sociedade como um todo.
Para Deborah Duprat, entretanto,
em alguns casos, a consulta tem de ser considerada
com o devido poder de vetar uma decisão.
Ela foi contundente ao dizer que a Convenção
é uma norma de hierarquia constitucional,
por se tratar de instrumento de direitos humanos,
e não deveria haver dúvida sobre a
sua obrigatoriedade e o seu lugar no sistema jurídico
brasileiro. A subprocuradora acha que, apesar de
as regras internacionais, como é o caso da
Convenção 169, só valerem para
os países que aceitam aderir voluntariamente,
há muita resistência no Brasil, o que
prejudica ainda mais os direitos dos povos que deveriam
ser beneficiados pela consulta prévia.
Na mesma linha estava o representante
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto
Caldas, que concorda sobre a importância jurídica
da Consulta e destacou que tal resistência
na aplicação de normas internacionais,
tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Executivo,
é causada por desconhecimento das normas
ou por questões ideológicas, como
a ameaça à soberania nacional.
A segunda mesa tratou de experiências
de implementação da Convenção
em outros países da América Latina,
com exposições de Mario Melo, presidente
da Fundação Pachamama do Equador;
Eugenia Valey e Rosa Tomás, da Asociación
Maya UK’UX B’E, e Miriam Ischiu, do Coletivo Madre
Selva, da Guatemala; Marín Abadí Gutierrez
López, advogado do Centro de Estúdios
Aplicados a los Derechos Económicos, Sociales
y Culturales (CEADESC) da Bolívia; Lily Latorre,
diretora do Grupo de Trabajo Racimos de Ungurahui,
do Peru; e Ana Manuela Ochoa, indígena Kankuama,
chefe jurídica da Organização
Nacional Indígena da Colômbia (ONIC).
O evento, organizado pelo Instituto
Socioambiental e pela Comissão Pró-índio
de São Paulo, com o apoio da Oxfam, da RainForest
Noruega e do Ministério Público Federal,
é até dia 11 de novembro, das 9h às
18h, na Escola Superior do Ministério Público
da União, L2 Sul, Quadra 603/4, Lote 23.
A participação é aberta ao
público.