12/11/2008
- Seminário termina com a avaliação
de que ainda há muito o que se fazer para
que sejam respeitados, no País, os direitos
estabelecidos pela Convenção. Um dos
desafios é regulamentar a realização
das consultas prévias, obrigatória
para a aprovação de leis e projetos
que possam afetar povos indígenas e quilombolas.
Um longo caminho a percorrer.
Essa foi a avaliação geral dos participantes
do seminário “Oportunidades e desafios para
a implementação da Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais
em países independentes”, encerrado ontem
em Brasília, sobre o quanto falta para que
o Brasil possa dizer que está cumprindo integralmente
o disposto nesse tratado internacional.
Segundo a representante da Coordenação
Nacional dos Quilombos (Conaq), Maria Aparecida
Mendes, “o governo brasileiro precisa estudar mais
a Convenção 169”. Ela se referia ao
comunicado oficial feito pelo governo brasileiro,
e enviado à Secretaria Geral da OIT, relatando
se vem cumprindo com as obrigações
existentes no tratado por ele assinado. “Para nossa
surpresa, nesse relatório não constava
o ensaio de consulta – porque é assim que
nós o chamamos - que o governo fez com os
quilombolas para mudar a Instrução
Normativa (IN) do Incra que regulamenta a titulação
de nossas terras”. Saiba mais sobre a IN nº
49 aqui.
A CONAQ, em conjunto com outras
entidades, enviou à OIT um relatório
alternativo ao oficial, relatando sua visão
sobre o grau de implementação da Convenção
no que se refere aos quilombolas. A mesma coisa
fez um conjunto de organizações indígenas,
dentre eles a Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
e a Articulação dos Povos Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo(Apoinme).
Ambos relatórios, preparados em parceria
com a Central Única dos Trabalhadores (CUT),
apontavam problemas que não foram citados
no documento oficial. Os dois informes foram apresentados
pela primeira vez ao público no seminário
e geraram muita discussão. O governo federal,
embora convidado a apresentar e defender o relatório
oficial, não enviou um representante.
O ministro do Tribunal Superior
do Trabalho (TST) e membro da Comissão de
Peritos em Aplicação das Normas Internacionais
da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Lélio Bentes Corrêa, afirmou
considerar de grande importância o envio de
relatórios alternativos, como os produzidos
pelos quilombolas e indígenas, sendo a única
forma de apresentar uma versão diferente
da produzida pelo Estado. Ele questionou a regra
da OIT de aceitar apenas informações
enviadas por organizações de trabalhadores,
como a CUT. Segundo o perito, “seria razoável
pensar, em tese, que as organizações
indígenas teriam status para apresentar,
em nome próprio, reclamações
e informes alternativos”.
Para indígenas e quilombolas,
eles ainda são vistos pelo governo mais como
um entrave à construção de
obras e implementação de grandes programas
governamentais do que como populações
com os mesmos direitos que os demais cidadãos.
De acordo com a socióloga do Instituto Indígena
Brasileiro Warã, Azelene Kaigáng,
que ajudou a produzir o informe alternativo dos
indígenas para a OIT, “o desenvolvimento
urge, mas também urge respeitar o direito
dos povos, que estavam aqui antes das criações
das fronteiras deste País”. Para Maria Aparecida,
“parece que quando o governo fala de desenvolvimento
da nação, não está nos
incluindo nesse conjunto”.
Falta de regulamentação
Para a senadora Marina Silva,
ex-ministra do Meio Ambiente, é fundamental
que haja uma regulamentação dos mecanismos
de consulta prévia no País, tanto
para medidas administrativas quanto legislativas.
Ela considera que os atuais processos de participação
cidadã, como as audiências públicas,
apesar de importantes, não podem ser confundidos
com a consulta prévia prevista na Convenção
169 da OIT, que se destina a consultar especificamente
as populações indígenas e quilombolas.
"Devemos trabalhar para viabilizar esses mecanismos,
sem abrir mão dos outros já conquistados”.
Para a senadora, a consulta não deve ser
compreendida como o direito de um grupo se sobrepor
aos demais da sociedade, mas como a oportunidade
de ter sua visão de mundo levada em consideração
e de ter seus direitos garantidos.
O presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Márcio
Meira, também disse que o grande desafio
é fazer a regulamentação da
consulta prévia, que deve ser sempre informada,
na língua própria de cada etnia e
com respeito aos seus costumes. Meira apresentou
como a Funai trabalha para fazer valer esse direito
nos casos de procedimentos de licenciamento ambiental
de obras que afetam terras indígenas. Atualmente,
segundo ele, existem 346 obras com impactos sobre
terras indígenas em licenciamento ambiental,
em sua maioria usinas hidrelétricas, linhas
de transmissão de eletricidade e rodovias.
Em todos esses casos, a Funai busca levar as informações
pertinentes às comunidades indígenas
e trazer sua opinião sobre o projeto para
incluir no processo de licenciamento.
Entretanto, o representante da
Associação Terra Indígena Xingu
(Atix), Marcelo Kamayurá, relatou o caso
das hidrelétricas previstas para a Bacia
do Xingu que, apesar de poderem afetar as comunidades
indígenas, nunca foram objeto de consulta.
Segundo ele, a informação de que existia
uma hidrelétrica em um dos afluentes do Xingu
só chegou quando ela já estava quase.
Apesar de toda a mobilização
feita pelos indígenas, ainda em 2006 (veja
mais aqui), em função de o governo
haver autorizado a construção da barragem
do Culuene sem qualquer tipo de consulta, em junho
de 2008 eles descobriram, por acaso, outra Pequena
Central Hidrelétrica (PCH) em um afluente
importante do Xingu, já em construção
e novamente autorizada sem nenhuma consulta. “Isso
só mostra como não há respeito
à Convenção 169 no Brasil”,
concluiu.
+ Mais
Mulheres indígenas protestam
em encontro contra saída da Unifesp do Parque
do Xingu
12/11/2008 - Cerca de 200 mulheres
de diversas etnias participaram do V Encontro de
Mulheres Xinguanas para debater a saúde do
adolescentes. Boa parte do tempo, elas dedicaram
a discutir a interrupção das ações
de saúde desenvolvidas pela Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), que atua
no Parque Indígena do Xingu há 43
anos.
O tema do V Encontro de Mulheres
Xinguanas, realizado no Posto Indígena Pavuru,
no Parque Indígena do Xingu, na primeira
semana de novembro, reuniu cerca de 200 mulheres
das etnias Ikpeng, Kamaiura, Kawaiwete (Kaiabi),
Kisêdjê, (Suiá) Yudja, Trumai
e Waura para debater o tema Saúde do adolescente.
Mas durante boa parte do encontro, do qual elas
participam desde 2003, debateram de que forma dialogar
com as instituições responsáveis
pela saúde indígena, como o Ministério
da Saúde e a Fundação Nacional
de Saúde (Funasa), para reverter a interrupção
das ações de saúde da Unifesp
no Parque Indígena do Xingu, prevista para
31 de dezembro próximo. A Funasa é
a responsável pela saúde indígena
no País, com atuações pontuais
ou por meio de convênios com outras instituições,
a Unifesp entre elas.
Ocorre que em 25 de julho deste ano, o governo federal
assinou o Decreto nº 6 170, que impede a assinatura
de convênios com entidades dirigidas por servidores
públicos federais. Dessa forma, ficou inviabilizada
a continuidade do trabalho que a Unifesp realizava
no Xingu há 43 anos e é referência
quando se fala em assistência à saúde
indígena no Brasil. Assim, a Funasa abriu
edital em outubro de 2008 e já escolheu a
nova conveniada que deverá cuidar do Distrito
Sanitário Especial Indígena do Xingu.
Preocupadas com a mudança
, as mulheres xinguanas reclamaram que as comunidades
não foram consultadas e, por isso, decidiram
se manifestar contra a saída da equipe da
Unifesp que há quatro décadas está
na região e é contratada e mantida
com os recursos desse convênio.
As mulheres escreveram cartas
com a assessoria dos professores e agentes indígenas
de saúde e deram entrevistas à TV
Centro América, afiliada da Rede Globo no
Mato Grosso, protestando. Também planejam
ir a Brasília reclamar diretamente com o
ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
+ Mais
Rede de Escolas Baniwa e Coripaco
avança na consolidação da educação
escolar indígena no noroeste amazônico
13/11/2008 - Encontro em Ucuqui
Cachoeira, no Alto Rio Ayari, (Alto Rio Negro),
no noroeste amazônico reuniu cerca de 300
representantes de escolas Baniwa e Coripaco, entre
professores e alunos e criou uma rede de escolas.
A idéia é aliar práticas educacionais
coletivas aos projetos socioambientais das comunidades
e promover o intercâmbio entre as escolas.
A comunidade de Ucuqui Cachoeira,
Alto Rio Ayari, recebeu entre 12 e 15 de outubro
em sua nova maloca os cerca de 300 representantes
das escolas Kayakaapali, Pamáali, Kalidzamai,
Herieni, Hiipana, Waliperedakenai, Maadzero, Paraattana
e Eenawi.
Apesar da longa viagem para chegar
a Ucuqui Cachoeira que incluiu de dois a três
dias de bongo para alguns e uma caminhada de 12
horas para outros, os professores e alunos Baniwa
e Coripaco chegaram animados e mantiveram o ritmo
durante os quatro dias de encontro que discutiu
e criou a Rede de Escolas Baniwa e Coripaco. Veja
no mapa a distribuição das escolas
e onde se localizam.
A proposta é resultado
da preocupação com a educação
escolar desenvolvida nas comunidades, e visa estabelecer
um ambiente de troca de experiências e a construção
conjunta pelas diferentes escolas de políticas
educacionais articuladas aos projetos socioambientais
pensados e propostos pelas organizações
de base e comunidades. “Escolas existem há
muito tempo na nossa região, mas a escola
que a gente quer veio há pouco tempo, ou
está começando e parece que o governo
não entende muito bem o que é a educação
indígena. Por isso temos que nos unir e ficar
fortes, para não voltar à escola que
não queremos”, definiu o professor Alberto
de Lima, de Uapuí Cachoeira, enfatizando
a importância da criação da
rede.
A experiência da Escola
Indígena Baniwa-Coripaco-Pamáali (EIBC-Pamáali),
no Médio Rio Içana, que conta com
o apoio do Projeto Educação Escolar
Indígena do Alto Rio Negro, desenvolvido
pela Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro em parceria com o
ISA, foi o exemplo que inspirou a criação
da rede. A Pamáali foi fundada no ano 2000,
depois de uma grande assembléia na qual os
povos baniwa e coripaco decidiram organizar uma
escola de acordo com a vivência nas suas comunidades,
que valorizasse a sua língua e cultura. O
ensino é via pesquisa e cada aluno desenvolve
um trabalho relacionado aos projetos da escola e
a atividades que promovem o desenvolvimento sustentável
das comunidades. E tem um blog que pode ser acessado.
Considerada um avanço na
consolidação da proposta do ensino
com qualidade e na construção do Programa
de Educação Baniwa e Coripaco, a rede
recém-criada será um espaço
privilegiado de interação e diálogo
entre as comunidades dos rios Içana, Ayari
e Cuiari, reunindo os professores que atuam na região,
alunos, pais e lideranças. Também
de troca de informações e de formação.
Os primeiros passos
O embrião começou
a se desenvolver em 2006 quando foram realizados
dois grandes encontros das escolas da região
do Rio Içana, para discutir a educação
escolar Baniwa e Coripaco vinculada aos projetos
das comunidades. A participação de
lideranças, professores, pais e alunos foi
fundamental para definir como deveria ser o ensino
escolar.
O primeiro encontro reuniu cerca
de 250 pessoas na EIBC-Pamáali. Ali foram
definidas as propostas curriculares nos diferentes
níveis de ensino e estabeleceu-se que nos
primeiros anos a língua de instrução
seria Baniwa e Coripaco (ou a língua falada
pelas crianças) e a proposta curricular tinha
de estar articulada às atividades cotidianas
da comunidade. Ainda em 2006 foram realizados os
primeiros intercâmbios entre as escolas Baniwa
e Coripaco, promovendo encontros de formação
de professores e trocas de experiências entre
alunos/professores.
Em 2007, os intercâmbios
foram decisivos na decisão de criar a rede
de escolas. Para o coordenador da Escola Pamaáli,
Juvêncio Cardoso, a rede possibilita construir
um plano estratégico entre as escolas e aproveita
as experiências de professores, lideranças
e alunos que tiveram maior oportunidade de formação.
“É um espaço de troca de experiência
entre as escolas, auto-formação de
professores, produção de material
didático e documentário das atividades
culturais e pedagógicas. É o espaço
para os Baniwa e Coripaco discutirem suas estratégias
de formação”.
A proposta formal da rede de foi
construída em junho de 2008, durante encontro
na EIBC-Pamáali com a participação
de nove escolas de ensino fundamental completo,
que funcionam no sistema nucleado e atendem a 60
comunidades da região do Içana, Ayari
e Cuiari.
Acesso a experiências de
êxito
A rede pretende garantir de forma
igualitária, que as escolas Baniwa e Coripaco
tenham acesso a experiências de educação
que tiveram êxito na região, incentivando
a formação continuada e em serviço
dos professores, assim como, o intercâmbio
entre alunos e a discussão das lideranças
para construir o ensino de acordo com a realidade
das comunidades. E permitirá que os alunos
de uma escola possam estudar ou mesmo estagiar em
outra escola por período determinado. Porém
esse estágio ou período de estudo
deverá ser combinado com o professor a partir
de um plano de trabalho. A boa notícia é
que o tempo em que o aluno estudou em outra escola
será considerado para avaliação
pela escola onde ele está matriculado e constará
dos documentos escolares.
A Associação do
Conselho da Escola Pamáali (ACEP) ficou responsável
pela captação de recursos para viabilizar
os encontros e a gestão será acompanhada
por cada associação parceira da Rede
(APMC-EIN; APMC-HIPANA; AEL, CERIC; AEIK; ACEH,
AEP e ACEIK).
Os Assessores Pedagógicos
Indígenas (APIs) - categoria reconhecida
de professores indígenas da Secretaria Municipal
de Educação de São Gabriel
da Cachoeira (Semec), que atua na formação
dos docentes - serão os responsáveis
por sistematizar as propostas dos encontros, para
que possam ser incluídas no Programa de Educação
Escolar Baniwa e Coripa
Intercâmbio e encontros
Uma das principais linhas de ação
da rede será a formação (autoformação)
dos professores no sentido de que tenham condições
de buscar juntos, estratégias pedagógicas,
instrumentos de auto-gestão e conhecimentos,
deixando de lado práticas que não
sejam coletivas.
Intercâmbios e encontros
entre as escolas vão garantir a consolidação
das práticas educativas. Assim, os intercâmbios
foram organizados em três momentos. O primeiro,
chamado de Wawakaaka-topewa (Nosso Pequeno Encontro),
vai reunir professores, alunos, pais e lideranças
de cada escola nucleada, o que corresponde a seis
comunidades em média. A idéia é
consolidar a prática educativa: a construção
coletiva de saberes/conhecimentos e da vivência
de relações mais democráticas,
nas quais a contribuição de cada professor
será necessariamente o ponto de partida das
discussões, como fator de enriquecimento
do grupo.
O segundo momento, chamado de
Wawakaaka-pheenawa, (Nosso Encontro um pouco maior)
são os encontros de sub-regionais dos rios
Içana e Ayari. O objetivo é que os
professores de diferentes escolas possam interagir,
expor suas práticas e ouvir as demais e usar
as práticas que deram bons resultados na
formação escolar.
O terceiro momento, o Wawakaaka-piwa
(Nosso Encontro Grande), é o de consolidar
as propostas pedagógicas levantadas nas duas
fases anteriores. Nele estarão envolvidos
todos os professores das nove escolas e mais as
lideranças das sub-regiões do Içana
e Ayari. É o momento de implementar as experiências,
as trocas, as propostas construídas durante
o primeiro e o segundo momento, de forma que possam
integrar o Programa de Educação Escolar
Baniwa e Coripaco e assim serem assumidas como política
pública do município de São
Gabriel da Cachoeira e do Estado do Amazonas.
Intercâmbios entre professores
e alunos de diferentes escolas para troca e aprendizagem,
apoio a atividades de ensino, pesquisa ou formação
também serão promovidos pela rede
como forma de garantir a qualidade do ensino.
Festa na maloca
O encontro terminou com uma grande
festa de inauguração da Maloca da
comunidade, preparada pela Escola Heriene com os
velhos da comunidade Ucuqui Cachoeira. Na noite
do dia 15 de outubro, com todos os participantes
dentro da Maloca os jovens e professores apresentaram
a dança tradicional do Yooko, com o bastão
de ambaúba. Em seguida todos se prepararam
para o Jurupari, com a cerimônia de Kapetti.
“É um momento sagrado, um momento em que
os dançarinos estão benzendo a maloca
antes de aparecer o herói Ñapirikoli”,
explica o professor Marcelino Fontes, um dos participantes
do ritual.
O som das flautas sagradas de
Kowai é afinado, agudo e alto. Cada um deles
está associado a um determinado comportamento
das pessoas. Como parte do ritual, que encerrou
a cerimônica, duas pessoas com dois kapetti
(chicote ritual) na mão, entraram na maloca
e se posicionaram no centro, dando duas chicotadas
nas costas de cada um.
“Este é o momento de perder
preguiça de trabalhar, receber conselho para
comportarem-se bem entre as pessoas da comunidade,
ter uma vida saudável e de prevenir-se de
doenças”, explica o professor Marcelino Fontes.
No dia seguinte a festa de Podáali
(dabucuri), com frutas, beijus e farinhas, preparada
pela Escola Herieni e a comunidade Ucuqui foi a
forma de agradecimento a todos os presentes ao encontro.
Durante o Podáali foram apresentadas as danças
carriço, japurutu e surubim. Tudo em retribuição
aos presentes levados por cada grupo que veio participar
do encontro e garantir a alimentação
da viagem de retorno para suas comunidades.
ISA, Laise Lopes Diniz.