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STF DECIDE PELA DEMARCAÇÃO CONTÍNUA DA RAPOSA, MAS APONTA RESSALVAS PARA NOVAS DEMARCAÇÕES

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Dezembro de 2008

11/12/2008 - Oito dos onze ministros votaram pela manutenção da demarcação contínua da Terra Indígena (TI) Raposa - Serra do Sol, em Roraima, homologada em 2005 pelo governo federal. Com a decisão, tribunal reconhece a regularidade do processo administrativo de demarcação e a necessidade de retirada dos rizicultores e outros ocupantes irregulares. Entretanto, liminar que proíbe o Governo Federal de iniciar a retirada dos rizicultores não foi ainda derrubada, pois o julgamento foi suspenso após o pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello e não há previsão para o tema voltar ao plenário.

Na sessão dessa quarta-feira, 10 de dezembro, no STF, ficou definida a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, embora o julgamento não tenha terminado por conta do pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. A maioria dos ministros também votou pela cassação da liminar que suspende qualquer operação de retirada de não-índios da reserva, outro tema que só voltará ao plenário com o voto-vista do ministro Marco Aurélio e, por isso, os rizicultores não serão obrigados a desocupar a área até a conclusão do julgamento.

O ministro Menezes Direito - que, no dia 27/8, pediu vista após voto favorável do relator, ministro Carlos Ayres Britto – votou pela demarcação em área contínua, mas com uma série de restrições (veja aqui quais são elas). Após rebater todas as afirmações de que haveria irregularidades no processo administrativo e reconhecer o direito de usufruto permanente dos povos indígenas sobre o território, o ministro passou a tecer considerações sobre o processo de demarcação de terras indígenas. Afirmou que não se pode mais demarcar áreas indígenas com base no indigenato – linha de pensamento jurídico segundo a qual o direito dos índios às suas terras precede a própria Constituição e independe de título ou reconhecimento oficial – mas sim a partir da posse atual. Ou seja, que só poderão ser reconhecidas como terras indígenas aquelas áreas que estavam efetivamente ocupadas por povos indígenas quando da promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo Direito, “a Constituição Federal de 88 destituiu de relevância a teoria do indigenato”. Foi explicitamente seguido, nesse quesito, pelos ministros César Peluzo e Ellen Gracie.

Essa afirmação teórica não veio por acaso. Como alguns ministros já haviam adiantado à imprensa, o julgamento da Raposa deve marcar uma mudança de rumo para novas demarcações de terras indígenas. É cada vez maior o número de disputas judiciais sobre demarcação de terras de onde as populações indígenas foram expulsas há décadas e onde depois se estabeleceram fazendas ou mesmo cidades. O retorno dessas populações às suas terras de origens, como ocorre com os Guarani do Mato Grosso do Sul, vem sendo visto como um dos mais graves fatores de “insegurança jurídica” por setores ligados ao agronegócio. De acordo com Raul Silva Telles do Valle, advogado do ISA, “um limite a esse direito ao retorno era esperado pelos proprietários rurais, e seu primeiro passo pode ter sido o voto do ministro Direito”.

Embora tenha reconhecido a regularidade do processo de demarcação e afastado a possibilidade de demarcação em ilhas, derrotando os dois pedidos da ação popular, Menezes de Direito votou pela procedência parcial da ação, na medida em que impôs 18 condições ao exercício do direito de uso dos índios Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingarikó sobre suas terras. Nenhuma dessas condições constavam dos pedidos dos autores populares, o que levou o relator, ministro Carlos Ayres Britto, a interpelar o ministro Direito sobre um possível exagero no exercício do poder de decidir, o que levou a uma rápida discussão entre os dois. No final do julgamento, no entanto, o relator acolheu as 18 condições propostas e reajustou seu voto.

Na primeira fase do julgamento, em agosto, Britto votou pela manutenção integral da portaria do Ministério da Justiça, que definiu a demarcação da área indígena de forma contínua, afirmando que as terras sempre foram indígenas e que os rizicultores - que ocupam irregularmente parte da área e demandam a demarcação em ilhas - não têm qualquer direito adquirido. Saiba mais sobre o primeiro julgamento.

Após a leitura do voto-vista de Menezes Direito, o ministro Marco Aurélio Mello fez, antecipadamente, novo pedido de vista dos autos. Na volta da sessão, após o intervalo de almoço, os ministros decidiram continuar o julgamento, levando em conta que, pela ordem, seis ministros (Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ellen Gracie) deveriam se pronunciar sobre a matéria antes do ministro Marco Aurélio (sucedido pelos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, presidente da Corte).

A ministra Cármem Lúcia acompanhou o ministro Menezes Direito e votou a favor da atual demarcação da Raposa - Serra do Sol, julgando parcialmente procedente a Pet 3388, apontando algumas objeções aos 18 pontos por eles colocados. Ela citou o estudo do consagrado jurista e constitucionalista José Afonso da Silva, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, que afirma que a demarcação da TI Raposa-Serra do Sol em ilhas fere a Constituição. "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são terras públicas e os direitos sobre ela são imprescritíveis", afirmou a ministra.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, que também votou pela demarcação contínua, é necessária a retirada imediata dos arrozeiros que ocupam a área indígena. Assim como a ministra Cármen Lúcia, Lewandowski descartou a hipótese de ameaça à segurança nacional com a saída dos não-índios da região, afinal “as terras ocupadas pelos índios são de domínio da própria União". Ele ressaltou que “quem tiver adquirido a qualquer tempo mediante compra, doação ou qualquer outro tipo, terras indígenas, na realidade não adquiriu coisa alguma pois essas terras pertencem à União e não podem ser negociadas”.

Segundo o ministro Eros Grau, que também destacou a plena compatibilidade entre a soberania territorial e o direito dos índios sobre as terras, as fronteiras estão mais adequadamente protegidas quando compostas por terras indígenas e “a presença de não-índios na reserva configura invasão de propriedade pública”.

O ministro Joaquim Barbosa, o sexto voto favorável à demarcação contínua da TI, julgou improcedente a ação popular, afirmando que o processo de demarcação seguiu os trâmites legais e que não há nada, além de especulação, que confirme a possibilidade de danos à economia do Estado de Roraima: “A grande extensão do território permite que a produção de arroz continue em outras regiões que não sejam de reserva”, explicou.

Os ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie também se manifestaram pela procedência parcial da Pet, votando pela demarcação contínua. Insistindo no pedido de vista, o ministro Marco Aurélio suspendeu o julgamento. Não há data prevista para o tema retornar ao plenário. Entenda a polêmica da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Entenda a polêmica da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol.

Para a wapichana Joênia Batista de Carvalho, advogada indígena que fez uma sustentação oral inédita na primeira parte do julgamento, em agosto, o resultado foi bastante esclarecedor contra os argumentos apresentados pelo Estado de Roraima: “Rechaçou todos os pontos polêmicos que a mídia tem repercutido ultimamente e esclareceu, em todos os votos, que não existe qualquer risco à soberania nacional, pois faixa de fronteira e Terra Indígena são princípios constitucionais compatíveis”. Joênia, representando as Comunidades Indígenas Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai, disse que a decisão reafirma garantias constitucionais que há muitos anos os povos da Raposa- Serra do Sol têm reivindicado, estabelecendo que os ocupantes ilegais se retirem da reserva: “Só esperamos que a continuidade do julgamento não demore, pois entendemos que a questão está ganha, já está decidida pela maioria, é uma grande conquista nossa, é o reconhecimento de nossos direitos sobre nossas terras tradicionais”.

A advogada Ana Paula Caldeira Souto Maior, assessora do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, afirmou que o entendimento dos ministros é uma vitoria para a Raposa-Serra do Sol e destaca quatro pontos fundamentais dessa decisão: “Primeiramente, reconhece que é possível demarcar Terra Indígena em área de fronteira. Também valoriza a importância da demarcação contínua, em área única. Além disso, mostra que o procedimento foi feito de forma correta e que é possível demarcar terra indígena sem comprometer o princípio federativo e o desenvolvimento do Estado”. Ela considera, porém, que as condicionantes apresentadas precisam ser melhor debatidas: “É necessário discutir com mais profundidade questões polêmicas como a sobreposição de Terra Indígena e Unidade de Conservação, a atuação das Forças Armadas dentro das TIs e os direitos de Consulta Prévia das comunidades indígenas”.

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Manifestações pela demarcação contínua marcam semana do julgamento da Raposa

08/12/2008 - Atos públicos em Brasília, nos dias 8 e 9 de dezembro, antecedem novo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, que foi suspenso no dia 27/8, após pedido de vista do ministro Menezes de Direito.

No mesmo dia em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra 60 anos (10 de dezembro de 2008), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima, homologada em 2005 pelo governo federal. São 1,7 milhão de hectares onde vivem cerca de 19 mil índios, em 194 aldeias. O STF deve decidir se o procedimento formal de demarcação seguiu os trâmites legais e a conseqüente obrigatoriedade da saída de rizicultores e outros que ocupam irregularmente a área.

Na primeira fase do julgamento, em agosto, o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, votou pela demarcação contínua, afirmando que as terras sempre foram indígenas e que os rizicultores - que ocupam irregularmente parte da área e demandam a demarcação em ilhas - não têm qualquer direito adquirido. Nesse dia ainda houve a sustentação oral inédita de uma advogada indígena, a wapichana Joênia Batista de Carvalho, que falou pelas Comunidades Indígenas Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai, destacando a importância de se manter a demarcação já consolidada.

 
 

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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