22 Dec
2008 - Regras elaboradas pela comunidade na Reserva
Extrativista do Lago do Cuniã auxiliam a
manter a sustentabilidade da pesca na região
- Por Bruno Taitson - Resex do Lago do Cuniã,
Rondônia - As 100 famílias que vivem
na Reserva Extrativista do Lago do Cuniã,
já percebem os resultados do primeiro acordo
de pesca realizado em uma unidade de conservação.
“Estamos conseguindo pescar mais do que antes. Aqui,
comemos peixe diariamente, se faltar peixe, complica”,
afirma Zacarias Santos, morador da Resex, que tem
área de 55,8 mil hectares. “Além disso”,
completa ele, “o jacaré precisa de peixe
para comer”, lembrando casos em que jacarés,
por falta de alimentos, atacaram moradores da reserva.
O acordo de pesca – conjunto de
normas elaboradas pelos pescadores para garantir
a manutenção das espécies e
a sustentabilidade da atividade – foi concluído
em setembro de 2008. As regras, já protocoladas
no Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), devem entrar em operação
nos primeiros meses de 2009, assim que forem homologadas
pela instituição.
O acordo teve base no diagnóstico
iniciado em janeiro do mesmo ano, sob a coordenação
da ONG Ecoporé, com apoio do WWF-Brasil.
Foram levantadas as características da pesca
local, como locais preferidos pelos pescadores,
apetrechos utilizados, espécies mais procuradas
e dias de maior intensidade da atividade. Além
disso, foram também pesquisados aspectos
ecológicos dos peixes do Lago do Cuniã,
como época, local e período de reprodução.
Das 100 famílias que habitam
a Resex, cerca de 80 dependem da pesca para sobreviver.
“Não é apenas uma fonte de renda,
mas também o principal alimento consumido
pelos moradores”, relata o biólogo Túlio
Araújo, coordenador de projeto da Ecoporé.
A partir do diagnóstico,
iniciou-se, com participação da comunidade,
a discussão que serviu de base para o acordo
de pesca. “Quando não existem regras, acontece
claramente uma pressão nos estoques do lago.
O objetivo do acordo é assegurar que todos
possam usufruir do recurso, garantindo a preservação
das espécies”, concluiu Túlio Araújo.
Os pescadores da Resex do Lago
do Cuniã receberam capacitação
para que pudessem participar de forma ativa na construção
e na implementação dos acordos. Uma
dessas ações de capacitação
foi a visita de pescadores do Município de
Manoel Urbano, no Acre, que já vêm
trabalhando com acordos de pesca desde 2005.
Foram trocadas experiências
sobre o processo de contagem dos peixes – essencial
para definir limites para a pesca e para avaliar
os acordos – e também sobre o processo de
zoneamento dos lagos, que permite um melhor planejamento
das regras e da utilização dos recursos
pesqueiros.
Ailton Lopes, presidente da Associação
dos Moradores do Lago Cuniã, avalia de forma
positiva o processo de gestão participativa
da Resex. “As reuniões comunitárias
para discutir nossos problemas são muito
importantes. Fazíamos antes muita pesca desordenada,
agora é possível ver quais espécies
estão diminuindo e têm que ser preservadas,
pelo benefício de todos nós”, avaliou.
Cristiano Andrei, analista ambiental
do ICMBio, é há quase dois anos o
chefe da Resex do Lago do Cuniã. Para ele,
o ponto forte dos acordos de pesca é o caráter
participativo. “Não se trata de um monte
de regras que vêm de cima para baixo. Os acordos
foram elaborados após reuniões em
cada uma das comunidades que compõem a Reserva
Extrativista”, salientou.
O WWF-Brasil apóia os acordos
de pesca desde 1996, nos estados de Pará,
Amazonas, Acre e Rondônia, por intermédio
de projetos demonstrativos, tais como o Projeto
Várzea em Santarém e o Projeto Alto
Purus no Acre. Até o momento, mais de 1 milhão
de hectares em sistemas de lagos já são
objetos de acordos realizados com o apoio da organização
não-governamental. Com a multiplicação
das experiências bem-sucedidas, o objetivo
é magnificar as áreas trabalhadas,
aplicando técnicas e ações
de sucesso em outras regiões amazônicas.
Segundo Antonio Oviedo, doutor
em desenvolvimento sustentável e técnico
do WWF-Brasil, uma das principais vantagens dos
acordos de pesca é, além da conservação
dos ecossistemas aquáticos, otimizar a atividade
pesqueira, reduzindo o esforço de pesca das
comunidades. “Com uma pesca sustentável,
o pescador tem mais tempo livre para se dedicar
a outras atividades, diversificando suas fontes
de renda e reduzindo a pressão sobre os estoques
pesqueiros”, concluiu.