30/01/2009
- Vinte anos depois da criação do
estado a transferência de cerca de 6 dos 23
milhões de hectares de terras está
condicionada a uma série de ações
a serem empreendidas pelo órgão fundiário
estadual e o Incra local.
Transformado de território
em estado pela Constituição Federal
de 1988, Roraima só conseguiu a transferência
de parte das terras da União em uma negociação
política que envolveu, entre outros itens,
a homologação da Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol, em abril de 2005, e julgada
legítima pelo STF em dezembro do ano passado.
O Decreto nº 6 754, assinado
em 28 de janeiro último, veio regulamentar
a Lei nº 10.304 de 2001, que transfere terras
da União para Roraima. Por meio da Medida
Provisória nº 454 assinada com o decreto,
a lei de 2001 sofreu duas importantes alterações:
permitiu que as terras transferidas sejam preferencialmente
utilizadas em atividades de conservação
ambiental e desenvolvimento sustentável,
de assentamento, de colonização e
também para promover a regularização
fundiária no estado; e retirou o prazo de
180 dias para sua regulamentação conforme
estabelecia o texto de 2001. Como a lei nunca foi
regulamentada, Lula a alterou por meio da MP e editou
o decreto que a regulamenta de uma só vez,
tornando-a aplicável de imediato. A MP e
o decreto de 28 de janeiro estabelecem condições
para a transferência de glebas da União
para o Estado.
Georreferenciamento antes do repasse
O processo de transferência
será conduzido pela superintendência
do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) em Roraima, que
deverá realizar o georreferenciamento de
cada uma das glebas antes de serem entregues ao
estado. Ou seja, o perímetro de cada gleba
deverá ser demarcado. Todas as glebas, depois
de georreferenciadas, deverão passar pelo
levantamento ocupacional para determinar quais não
serão transferidas ao estado - caso das terras
destinadas aos indígenas, aos projetos de
assentamento do governo federal, às unidades
de conservação e as que pertencem
ao Exército e aos municípios, além
dos títulos definitivos já expedidos.
O decreto ressalva expressamente
a transferência não apenas de áreas
institucionais já definidas (citadas acima),
mas também das Unidades de Conservação
(UCs) em processo de criação a saber:
Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi,
Floresta Nacional Jauaperi, Unidade de Conservação
Lavrados, ampliações do Parque Nacional
Viruá e da Estação Ecológica
Maracá e as áreas destinadas à
redefinição dos limites da Reserva
Florestal Parima e da Floresta Nacional Pirandirá.
Estas UCs serão instituídas após
consulta ao Estado de Roraima.
O novo decreto determina ainda
que Roraima deverá priorizar as posses que
estão com processo de regularização
formalizado no Incra. Informações
da superintendência daquele órgão
federal à imprensa roraimense, dão
conta de que existem em tramitação
aproximadamente vinte mil processos, vindos de todos
os municípios do estado. O trabalho será
feito em parceria pela superintendência do
Incra e o governo estadual, que arcarão com
os custos financeiros e operacionais da ação.
As glebas Cauamé e Caracaraí,
que compreendem os municípios de Boa Vista,
Alto Alegre, Mucajaí, Iracema e Caracaraí,
onde incide a TI Yanomami e outras de ocupação
Macuxi e Wapichana, já foram georreferenciadas
e estão em processo de levantamento ocupacional,
momento em que é realizada a exclusão
das áreas tituladas e institucionais (Terras
Indígenas, Unidades de Conservação,
áreas militares e projetos de assentamento).
Em seguida serão georreferenciadas as glebas
BR-210-II, Barauana, Tacutu, Quitauaú, Normandia
e Murupu, que correspondem aos municípios
de Cantá, Bonfim e Normandia onde estão
localizadas terras de ocupação Macuxi,
Wapichana e Wai-Wai.
Impasse na transferência
A transferência de terras
da União ao Estado de Roraima foi objeto
de discussão na Casa Civil desde o primeiro
mandato do Presidente Lula. Em 2003, foi criado
um Grupo de Trabalho Interministerial responsável
pela elaboração de propostas para
as questões fundiárias da TI Raposa-Serra
do Sol, composto por integrantes do Ministério
da Justiça, Secretaria-Geral da Presidência,
Casa Civil, Secretaria de Coordenação
Política e Assuntos Institucionais, Ministério
do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Ministério da Defesa, Gabinete
de Segurança Institucional, Ministério
das Relações Exteriores, Fundação
Nacional do Índio (Funai) e Incra.
Em 2004, o GT Interministerial
concluiu seu trabalho sugerindo medidas como a transferência
de áreas e prédios públicos
que pertencem ao Patrimônio da União
para o Estado de Roraima, a regularização
de possessões de terra e medidas de incentivo
ao desenvolvimento econômico regional. Saiba
mais. O impasse na transferência de terras
fez com que o Estado de Roraima ingressasse, em
2007, com ação no Supremo Tribunal
Federal.
As medidas assinadas ontem veem
ao encontro de uma demanda antiga de Roraima como
condição fundamental para seu desenvolvimento.
Entretanto, ter o domínio das terras só
não basta. O estado vai precisar elaborar
e implementar um plano de desenvolvimento consistente,
construído com a participação
da população.
A bancada federal de Roraima no
Congresso Nacional, com exceção dos
deputados Neudo Campos (PP), Urzenir Rocha (PSDB)
e do senador Mozarildo Cavalcanti, estiveram presentes
na solenidade de assinatura do decreto pelo Presidente
Lula no Palácio do Planalto.
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior.
+ Mais
Yanomami protestam contra abrigos
construídos em local sagrado no Pico da Neblina
(AM)
29/01/2009 - As construções
foram autorizadas pelo Instituto Chico Mendes (ICMBIO),
ao longo da trilha utilizada por expedições
para chegar ao Pico da Neblina, em área onde
o Parque Nacional se sobrepõe à Terra
Indígena Yanomami, no Amazonas. O local é
considerado sagrado para os índios e as comunidades
não foram consultadas.
Acampamentos-base de estruturas
metálicas implantados na trilha que leva
ao Pico da Neblina foram desmontados por integrantes
de uma expedição de jovens yanomami
da comunidade de Maturacá, localizada no
extremo oeste da Terra Indígena Yanomami,
no Estado do Amazonas. A informação
consta de nota pública assinada pela diretoria
da Ayrca (Associação Yanomami do Rio
Cauaburis e Afluentes) e entregue na sede da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn), em S. Gabriel da Cachoeira
(AM).
A operação-desmonte foi decidida em
reunião realizada em Maturacá no dia
29 de dezembro último com a participação
das lideranças tradicionais e executada nos
primeiros dias de janeiro pelo grupo de jovens.
A construção dos abrigos foi determinada
pelo Instituto Chico Mendes, órgão
gestor do Parque Nacional, mas construída
pelo Exército a título de compensação
pelos danos ambientais causados pela abertura irregular
de um ramal na BR 307, que tangencia aquela unidade
de conservação. Um acordo extra-judicial,
que não contou com a participação
das comunidades indígenas nem da Fundação
Nacional do Índio (Funai), determinou que
o Exército implantasse tais acampamentos-base
até 12 de janeiro de 2009, sob pena de multa.
Os yanomami manifestaram seu desagrado
com as obras durante a Assembléia Geral da
Foirn realizada em novembro de 2008 e denunciaram
o caso ao Ministério Público Federal,
que participou do acordo e tem uma ação
judicial relacionada ao caso. Além dos Yanomami
não terem sido ouvidos e terem manifestado
desde o princípio contrariedade quanto à
construção, o Parque Nacional não
tem ainda plano de manejo, documento que deveria
prever qual a infra-estrutura a ser instalada no
parque. Apesar da denúncia, feita em 1º/12/2008,
as obras continuaram e foram finalizadas.
Na nota divulgada, os yanomami
se queixam que não foram consultados durante
o processo e não estavam mais suportando
o incômodo da movimentação de
helicópteros e trabalhadores, além
dos desmatamentos nos locais denominados Bebedouro
Velho, Bebedouro Novo e Base. Diz a nota que ao
longo do caminho do Pico da Neblina há lugares
sagrados. "A nossa realidade espiritual se
concentra no Yaripo (Pico da Neblina) e Masiripiwei
(Pico 31 de março). Devido tudo isso nós
Yanomami não aceitamos desenvolvimento de
atividades sem haver consuta e conhecimento do objetivo
das atividades que se pretente realizar".
Os dirigentes da Ayrca reiteram
que militares têm deixado lixo - que poderia
ser queimado - ao longo da trilha, nas cavernas
e no cume do Pico. Solicitam ao MPF e ao Ibama que
peça ao Exército para realizar uma
operação limpeza, que deveria incluir
também o lixo do pelotão instalado
entre as comunidades de Maturacá e Ariabu.
A lixeira está localizada na trilha usada
pelos yanomami para caçar e pescar. Ali ocorrem
descartes de medicamentos vencidos e nocivos à
saúde.