16/02/2009
- Proposta de pesquisador do Instituto Geológico
transforma área degradada em atração
turística, gerando renda para a comunidade.
Uma antiga mina de ouro, desativada
em 1942, constituía para o Município
de Apiaí um passivo ambiental que oferecia
graves riscos à população,
especialmente por se localizar próximo à
área urbana. Mesmo a sua transformação
em área de utilidade pública, em 1998,
não amenizou o problema, pois a prefeitura
local não dispunha de recursos para desapropriá-la.
Esta história, que tinha
todos os ingredientes para ser mais um exemplo de
descaso, começou a caminhar para um final
feliz, em 2002, quando o geólogo Hélio
Shimada, do Instituto Geológico, órgão
da Secretaria Estadual do Meio Ambiente - SMA, propôs
à Prefeitura de Apiaí o aproveitamento
turístico da mina, seguindo o exemplo de
experiências de sucesso em outros países.
O geólogo citou, ainda, o exemplo do Parque
das Pedreiras, em Curitiba, no Paraná, reconhecido
internacionalmente como exemplo de recuperação
ambiental de áreas degradadas.
Com o apoio do prefeito Emilson
Couras da Silva, que ocupava o mesmo cargo na época,
foi negociada a aquisição da área,
em 2003, pela Camargo Corrêa Cimentos que
a doou para a prefeitura. “Assim se iniciou a efetiva
implantação do Parque Natural Municipal
do Morro do Ouro, com uma área de 540 hectares”,
explica Shimada.
O objetivo era a transformação
de um passivo ambiental em opção de
renda, explorando principalmente o ecoturismo, criando
a oportunidade para jovens atuarem como monitores,
devidamente treinados pela prefeitura. Além
disso, o projeto visava à preservação
da área de mananciais da cidade formada pelo
conjunto de drenagens do Morro do Ouro.
Hoje, após a implantação
de uma infraestrutura que inclui trilhas de caminhadas
e um centro de informações, a antiga
mina constitui um importante atrativo turístico,
tendo recebido cerca de 6.500 visitantes em 2007.
O parque promove, ainda, atividades de educação
ambiental e recebe, para fins didáticos,
estudantes de Geologia da Universidade Estadual
Paulista – UNESP, de Rio Claro, que têm no
local a oportunidade de desenvolver estudos de iniciação
científica.
Segundo Shimada citando dados
da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais –
CPRM, o Morro do Ouro apresenta minérios
de ouro em forma de veios de quartzo cortando os
xistos, contendo sulfetos de ferro e cobre, e limoníticos,
formado por quartzito enriquecido com óxidos
de ferro. O ouro está contido nas estruturas
cristalinas dos sulfetos metálicos que, quando
oxidados, apresentam o metal na forma livre, em
partículas de dimensões variadas.
A implantação do
parque temático, ainda em andamento, demandou
a criação de um grupo de trabalho
com profissionais de diversas especialidades, que
procedeu ao levantamento e análise de informações
técnicas e históricas. A elaboração
e execução do projeto envolveram não
somente a seleção e preparação
das galerias para a visitação, mas
o resgate dos processos de extração
para serem expostos ao público, por meio
de painéis, maquetes, fotos e textos.
Assim, o visitante poderá,
além de percorrer com segurança as
galerias e as dez trilhas existentes, apreciar as
amostras geológicas e biológicas,
e adquirir artigos como fotos, cartões postais,
pôsteres e outros.
Projeto-modelo
Para Shimada, o sucesso da experiência
do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro poderá
estimular iniciativas semelhantes em todo o país,
onde existem muitas minas desativadas, subterrâneas
e a céu aberto, com potencial de aproveitamento
turístico. O próprio pesquisador do
Instituto Geológico avalia que as antigas
minas de chumbo e prata da região, algumas
das quais nos domínios do Parque Estadual
Turístico do Alto Ribeira – PETAR possuem
um potencial turístico-didático.
Poderiam compor um interessante
“Circuito das Minas do Alto Ribeira”. “Por se encontrarem
em região economicamente carente, poderiam
ser transformadas em atrativos turísticos
complementares aos naturais, como as já conhecidas
cavernas e, ao mesmo tempo, exerceriam importante
função educacional a respeito do aproveitamento
de recursos naturais não renováveis
e suas relações com o meio ambiente”,
afirma.
O geólogo cita vários
exemplos em outros países, onde esses sítios
ganham utilização alternativa, adquirindo
uma nova função social e econômica.
Shimada se entusiasma ao falar da Mine Land Osarizawa,
em Kazuno, na Província de Akita, no Japão,
que teve a oportunidade de conhecer pessoalmente.
“A mina de minério de cobre e ouro funcionou
durante 1.200 anos, encerrando suas atividades em
1978, sendo transformada em atração
turística, recebendo mais de mil visitantes
por dia, com faturamento superior a US$ 5 milhões
por ano, somente com a venda de ingressos”, salientou.
São 700 km lineares de
galerias subterrâneas, das quais 1.700 m foram
preparados para visitação, com iluminação
especial, passarelas, corrimões e até
escadas rolantes para garantir conforto e segurança
aos visitantes. Estes recebem gravadores com fones
de ouvido na entrada, por meio dos quais ouvem a
narração do histórico da mina
durante a visita. Painéis ilustram o funcionamento
da mina em seus vários períodos.
Todas as atividades da mina são
simuladas por meio de bonecos de dimensões
humanas, alguns dos quais possuem sensores de presença,
movimentando-se com a aproximação
dos visitantes. No final do circuito, os visitantes
sobem uma escada rolante e desembocam numa grande
loja de “souvenirs”. Um museu com a maquete da mina,
seu histórico, seu funcionamento e amostras
de minério e outras rochas da mina, além
de restaurantes e lanchonetes, completa o pólo
turístico.
Outros exemplos citados são
as galerias de antigas minas subterrâneas
de sal, em países do Leste europeu, que têm
sido utilizadas em terapias de moléstias
respiratórias. No Brasil, Shimada cita os
exemplos de Mariana, MG, onde a antiga mina de ouro
da Passagem recebe visitação turística
intensa, e de Curitiba, PR, que criou o Parque das
Pedreiras, que abriga o Espaço Cultural Paulo
Leminski e a Ópera de Arame, que recebem
milhares de visitantes todos os anos, inclusive
do Exterior.
Desativação da mina
Os relatos históricos revelam
que o potencial aurífero da localidade é
conhecido desde os tempos coloniais, possivelmente
desde 1675, quando bandeirantes fundaram a Villa
de Apiahy e abriram lavras a céu aberto para
a extração de minérios secundários,
resultantes do intemperismo do minério primário
e sua desagregação, que proporcionaram
a liberação, transporte e deposição
das partículas de ouro.
A exploração intensiva
da área começou em 1885, quando a
empresa Resende & Cia. encomendou pesquisas
que apontaram a viabilidade econômica da propriedade
do Morro do Ouro. Várias tentativas de exploração
da mina não surtiram os efeitos esperados,
até que, em 1922, David Carlos MacKnight
e seus sócios adquiriram as propriedades
do Morro do Ouro e Água Limpa, abrindo 1.600
m de galerias e recuperando 6,5 kg de ouro por meio
de amalgamação até o ano de
1924. O metal recuperado tinha 76% de ouro e 24%
de prata.
Em 1939, a mina e seus imóveis foram arrendados
à Cia. de Mineração de Apiaí,
com participação de capital japonês,
pelo prazo de 15 anos com opção para
outros 15. No prazo de um ano, foram abertos 2.500
m de galerias, de onde foram retiradas cerca de
10.000 t de minério com um teor médio
de 5 g/t. Segundo registros do CPRM, as reservas
da jazida foram estimadas em 100.000 toneladas de
minério. O tratamento do minério consistia
em britagem, moagem e recuperação
do ouro grosso por amalgamação com
mercúrio. O ouro fino era recuperado por
cianetação, onde o metal era dissolvido
em solução de cianeto de sódio
e, após filtragem, recuperado por precipitação
com adição de zinco. Trata-se de processo
ainda muito utilizado nos dias atuais.
Mas, em 1942, com a eclosão
da Segunda Guerra Mundial, a mina foi paralisada
por força do Decreto Lei nº 4.166, que
determinou o confisco dos bens dos súditos
do Eixo Alemanha-Itália-Japão. Em
1945, foi determinada a liquidação
extrajudicial da empresa, mas em 1960 a União
reconheceu que os legítimos donos da empresa
não eram súditos do Eixo, devolvendo
o remanescente do empreendimento à Cia. de
Mineração de Apiaí.
Porém, a longa paralisação
havia provocado o colapso no sistema subterrâneo
de galerias, inviabilizando o reinício da
lavra conforme o plano original. Somando-se a isso,
as condições desfavoráveis
do mercado do ouro na época levaram a empresa
a abandonar o empreendimento.
Texto: Newton Miura Fotografia: Hélio Shimada/divulgação