20/03/2009
- Decisão final do Supremo Tribunal Federal
no julgamento da demarcação da Terra
Indígena Raposa-Serra do Sol reconhece a
legitimidade do processo de demarcação
e a necessidade de retirada dos produtores agrícolas
de dentro da área por eles irregularmente
ocupada. Impõe, porém, condições
para o uso do território que podem se transformar
em orientações a serem aplicadas em
outros casos.
Num dos julgamentos mais longos
da história, e repleto de situações
insólitas, o STF não desapontou os
Macuxi, Ingarikó, Taurepang, Wapichana e
Patamona, que há mais de trinta anos lutam
para ver o seu direito reconhecido à terra
que descrevem como“de rio a rio”. O tribunal reconheceu
seu direito à terra, que já foi palco
de invasão de garimpeiros, de fazendeiros
e mais recentemente de arrozeiros, os últimos
que se recusavam a deixar a terra da União.
O ato final do julgamento foi
marcado por um extenso voto do ministro Marco Aurélio
Mello - que tomou um dia inteiro e levou ao desespero
inclusive seus colegas de toga - e por uma intervenção
repleta de recados pessoais ao ministro Gilmar Mendes,
que aproveitou a ocasião para espinafrar
alguns desafetos que o acusavam de ser contrário
aos direitos dos povos indígenas.
O voto do ministro Marco Aurélio
foi contrário à demarcação
em área contínua e, portanto, contra
a retirada dos ocupantes ilegais. Em sua extensa
exposição, citou todas as alegações
genéricas de perigos na demarcação
de uma terra indígena em área de fronteira
– já afastadas pelos demais ministros – e
encontrou inúmeras nulidades no mesmo processo
judicial que havia servido para paralisar o processo
de desintrusão iniciado em 2008.
Já o ministro Gilmar Mendes,
embora tenha votado a favor da legalidade da demarcação,
desfilou argumentos contra a forma como as terras
indígenas vêm sendo demarcadas, sem
participação dos entes federativos
supostamente afetados – estados e municípios
– e com base em uma idéia de indígenas
que vivem apenas de caça, pesca e coleta,
o que, segundo ele, não corresponderia mais
á realidade atual. Baseado em estudos realizados
por um especialista em solos a respeito do procedimento
administrativo da demarcação da Raposa-Serra
do Sol, afirmou estranhar os grandes vazios demográficos
que existiriam dentro da área, onde algumas
aldeias chegam a estar a mais de 150 km uma da outra.
Um dos consensos apresentados
nas fundamentações dos votos favoráveis
a demarcação da Raposa foi que o marco
constitucional para reconhecer o direito indígena
à terra deveria ser a Constituição
de 1988, que, na imagem usada pelo ministro Ricardo
Lewandovsky, teria “tirado uma fotografia” da situação
da ocupação territorial indígena
na época de sua promulgação
e a tinha cristalizado. Embora não tenha
sido bem debatida, essa tese leva a acreditar que
os índios só teriam direito às
terras efetivamente ocupadas em 1988, e quem foi
expulso ou retirado por qualquer forma de suas terras
tradicionais anteriormente a essa data já
não teria mais direito ao retorno. O voto
do mkinitros relator ressalva aqueles povos que
não estivessem em suas terras por terem dela
se afastado contra a sua própria vontade,
mas não houve uma definição
com relação a essa questão,
que deverá ser objeto de futuras decisões
da Corte.
Os dez votos favoráveis
aos índios da TI Raposa-Serra do Sol entenderam
que o procedimento administrativo de demarcação
realizado pela Funai não foi eivado de nenhum
vício, que a forma de demarcação
é de reconhecimento integral da área,
uma vez atendidos os critérios constitucionais,
que a demarcação em faixa de fronteira
não compromete a integridade territorial
e a soberania do País, asseguradas às
Forças Armadas a sua defesa. Além
disso, derrubaram o argumento de que demarcação
de terras indígenas pode inviabilizar a existência
de unidades da federação ou comprometer
o seu desenvolvimento econômico. Este entendimento
é válido para todas as demais demarcações
realizadas com base da CF de 1988.
19 condições
Além de decidir sobre o
caso concreto da demarcação e desintrusão
da TI Raposa-Serra do Sol, o tribunal se debruçou
também sobre as 18 condições
impostas pelo ministro Carlos Alberto Menezes de
Direito para que este caso fosse encerrado a favor
dos índios, e que supostamente são
válidas para outras terras indígenas.
O ministro Direito foi o responsável
pela primeira interrupção no julgamento,
ainda em agosto do ano passado, quando pediu vistas
do processo para refletir melhor sobre o caso. No
retorno, já em dezembro, inovou ao acrescentar
a seu voto 18 condições para a demarcação,
dessa e de outras terras indígenas. Quase
todas restringem o direito dos índios à
posse permanente e ao usufruto exclusivo dos recursos
naturais existentes em suas terras, geralmente subordinando-os
às estratégias de defesa nacional,
como se a posse indígena fosse uma ameaça
ao País. Como nenhuma dessas condições
estavam presentes no pedido original – que se restringia
ao reconhecimento ou não da Raposa-Serra
do Sol como terra indígena – os demais ministros
não tiveram condições de analisa-las,
e praticamente não houve debate com relação
a elas.
Grande parte das condições
estipuladas no voto do ministro Direito, e ontem
formalmente acatadas pelo relator Carlos Ayres Britto,
são repetições do texto constitucional,
sem nenhuma inovação, como a que diz
que as riquezas minerais não são de
usufruto exclusivo dos povos indígenas. Outras,
no entanto, e sem maior fundamentação,
inovam radicalmente as regras de demarcação
de terras indígenas e inclusive contrariam
tratados internacionais assinados e ratificados
pelo País.
Um dos exemplos é a condição
no 5, que estipula que “a expansão estratégica
da malha viária, a exploração
de alternativas energéticas de cunho estratégico
e o resguardo das riquezas de cunho estratégico
a critério dos órgãos competentes
(o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa
Nacional) serão implementados independentemente
de consulta a comunidades indígenas envolvidas”.
Essa condição, além de arbitrária,
contraria expressamente o disposto no art.6o da
Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil,
que dá às populações
indígenas o direito de se manifestarem previamente
à construção de obras de infraestrutura
em suas terras Leia mais. Não ficou claro
se o STF julgou inconstitucional esse dispositivo
da convenção, ou se essa decisão
significa que o Brasil está denunciando (rescindindo)
a convenção que se comprometeu a cumprir.
Mas esse não é o
ponto mais preocupante das condições
impostas no julgamento final. A de número
17 veda expressamente a ampliação
de terras indígenas já demarcadas.
Houve inclusive uma breve discussão entre
os ministros Direito e Brito sobre se essa vedação
deveria alcançar todas as terras indígenas
existentes ou apenas aquelas que já tenham
sido demarcadas segundo o modelo estipulado na Constituição
Federal de 1988, mais adequado à sobrevivência
física e cultural das populações
indígenas.
O ministro Direito expressou entendimento
de que a vedação de ampliação
de terras indígenas – que implica em supressão
de direitos adquiridos pelos índios, considerando
o marco temporal da CF de 1988, só poderia
afetar as demarcações que foram feitas
com base nos quatro critérios constitucionais
nelas estabelecido, sendo possível portanto
a ampliação para as demarcações
realizadas anteriores à CF. O entendimento
do ministro Direito, mesmo sem muito espaço
para discussão, não prevaleceu, mas
por sua coerência poderá servir de
base ao questionamento desta condição.
Um dos casos fortes para testar
esta orientação será o dos
Guarani do Mato Grosso do Sul, que vivem em terras
extremamente diminutas exatamente porque foram demarcadas
antes de 1988, segundo critérios totalmente
distintos dos existentes atualmente. Hoje esse povo
sofre com a miséria, o alcoolismo e os suicídios,
problemas associados à falta de território
suficiente à sobrevivência física
e cultural.
Ontem o ministro Gilmar Mendes
sugeriu a décima-nona condição,
acatada, que confirma a participação
efetiva dos estados e municípios no procedimento
administrativo de demarcação. O ponto
é polêmico porque o GT encarregado
do procedimento tem caráter eminentemente
técnico, sendo presidido por um antropólogo.
Como em geral os poderes públicos locais
não são favoráveis à
demarcação de terras indígenas,
por contrariarem os interesses econômicos
das oligarquias locais, esse pode ser um novo fator
de atraso ou impasse na conclusão dos relatórios
e demais etapas do processo de demarcação.
A retirada imediata dos ocupantes
ilegais da terra indígena será supervisionada
pelo ministro relator Ayres Britto e executada pelo
TRF da 1ª Região, em uma decisão
inusitada do presidente do STF, que se baseou em
um caso nos Estados Unidos, onde os juízes
têm poder de fazer as leis, ao contrário
do Brasil, onde cabe a eles apenas executá-las.
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior e Raul Telles
do Valle.
+ Mais
Prefeitos do Vale do Araguaia
-Xingu (MT) buscam o desenvolvimento da região
15/03/2009 - Encontro inédito
reúne em São Félix do Araguaia,
prefeitos interessados em debater os rumos do desenvolvimento
regional, ambiental e social do Vale do Araguaia-Xingu,
também conhecido como o Vale dos Esquecidos.
Desabafos e a exposição de problemas
comuns a todos como estradas precárias e
a difícil situação em que se
encontram os assentamento rurais foram algumas das
questões levantadas.
Em 5 e 6 de março, a Prelazia
de São Félix do Araguaia reuniu, com
o apoio da ANSA (Associação de Educação
e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção),
os prefeitos recém-empossados dos 15 municípios
do Araguaia-Xingu, seus assessores diretos e secretários
para debater os principais problemas, conflitos
e desafios para a região, com a perspectiva
de construir uma agenda comum para os próximos
quatro anos. O ministro Patrus Ananias, do Ministério
do Desenvolvimento Social (MDS) participou do encontro.
Para tratar dos temas sócioambientais, o
ISA (Instituto Socioambiental) foi convidado a compartilhar
sua experiência na região, com destaque
para a Campanha Y Ikatu Xingu. O coordenador adjunto
do Programa Xingu, Rodrigo Junqueira, destacou a
necessidade da Agenda socioambiental para os municípios
da região.
O primeiro dia foi marcado pela
exposição de problemas comuns e desabafos
entre eles como o estado precário das estradas,
a situação dramática dos assentamentos
rurais, a dificuldade em encontrar caminhos para
melhorar as condições da saúde
e educação, a falta de recursos e
infraestrutura. Do vale rico em águas para
o Vale dos Esquecidos: foi assim que o Vale do Araguaia-Xingu
foi lembrado por todos, reforçando a falta
de ações governamentais na região.
Durante os dois dias do evento, os participantes
manifestaram a necessidade em se buscar uma nova
identidade para a região. “Precisamos nos
unir e descobrir as vocações de cada
um dos municípios”, afirmou Fernando Gorgen,
prefeito de Querência e atual presidente da
Associação de Municípios do
Baixo Araguaia (AMBA).
Com 150 mil km² de extensão,
o Vale do Araguaia-Xingu não chega aos 100
mil habitantes. Habitado pelos povos indígenas
Xavante, Tapirapé e Karajá, sertanejos
sem título de terra e migrantes do Sul do
país, é considerado um verdadeiro
mosaico de assentamentos isolados, grandes fazendas
de soja, cana, pecuária e Terras Indígenas.
Floresta ou Cerrado?
Um assunto de interesse de todos
os presentes e que surpreendentemente poucos conhecem,
é se seu município está localizado
na Amazônia ou no Cerrado. Na Amazônia,
por exemplo, as leis ambientais são mais
restritivas onde é obrigatório preservar
80% de Reserva Legal nas propriedades rurais enquanto
que no Cerrado é de 35%. Assim, ninguém
gostaria de estar inserido no bioma Amazônia.
No entanto, muitos ficaram surpresos ao saber que
seu município está total ou parcialmente
inserido na Amazônia, já que desde
a colonização da região acreditam
estar no Cerrado.
Rodrigo Junqueira levou para o
encontro o mapa elaborado pelo IBGE que mostra percentuais
de território de cada município dentro
dos biomas Amazônia e Cerrado. ”Estar inserido
no bioma Amazônia, no Estado do Mato Grosso
infelizmente ainda é um fardo para parte
de seus munícipes e dirigentes. As políticas
de comando e controle chegam muito mais rápido
do que as políticas de incentivo à
proteção, recuperação
e ao manejo dos recursos naturais. Porém,
quem conseguir segurar esse patrimônio pautado
na diversidade socioambiental, única no Brasil,
certamente começará a ter resultados
concretos, e todos os setores ganharão com
isso”, afirmou. Alguns municípios mostraram-se
indignados em ter tanta área na Amazônia,
se claramente a área é de Cerrado.
Por essa razão foi discutida a possibilidade
de a Associação Municipal do Baixo
Araguaia marcar uma audiência no IBGE para
conversar sobre a revisão dos limites que
separam os dois biomas.
A palestra de Junqueira foi complementada
com a apresentação das conquistas
da Campanha Y Ikatu Xingu, que trabalha pela proteção
e recuperação das nascentes e matas
ciliares do Rio Xingu, e a oportunidade que o Zoneamento
sócio- econômico ecológico trará
para a região. (veja mapa e tabela).
Governo federal expõe suas
ações
O ministro Patrus Ananias apresentou
o conjunto de ações do MDS, como o
Programa Bolsa Família e os investimentos
destinados este ano para a região. Mencionou
a dimensão do território, valorizando
sua importância no cenário regional
e a pertinência desse tipo de articulação
entre prefeituras.
O secretário de assuntos
indígenas do município de Luciara,
Samule Karajá, questionou o ministro no que
se refere às pastas destinadas a projetos
indígenas, como a Carteira Indígena,
e falou das dificuldades e da burocracia para acessar
os fundos públicos.