Carla
Lisboa – Quem deu o diagnóstico foi a bióloga
e analista ambiental do Ibama, Cibele Madalena Ribeiro
Xavier: a Estação Ecológica
(Esec) de Iquê, em Mato Grosso, é abundante
em riqueza natural. O diagnóstico é
resultado de um levantamento inédito sobre
borboletas realizado na Esec entre janeiro e julho
do ano passado e integra a dissertação
de mestrado de Cibele Xavier a ser apresentada no
Programa de Pós-Graduação em
Ciências Florestais e Ambientais da Faculdade
de Engenharia Florestal da Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT).
Intitulado “Comunidade de borboletas
frugívoras da Estação Ecológica
de Iquê, Juína-MT”, o estudo mostra
que, apesar de bem preservada, cuidados com a unidade
são imprescindíveis para a conservação
da biodiversidade e para a manutenção
do ecossistema da região, uma área
de mais de 200 mil hectares de transição
entre o Cerrado e a Floresta Amazônica.
A conclusão da pesquisa
indica ainda que para manter a integridade ecológica
do local é fundamental a elaboração
e a implantação de políticas
públicas a fim de que se atinja tanto uma
gestão eficiente como os objetivos previstos
no ato de criação da unidade. A pesquisadora
pretende transformar o estudo científico
em subsídio para elaboração
do plano de manejo e para a construção
da gestão ambiental da estação
ecológica.
BORBOLETAS – Agentes importantes
para a avaliação do grau de conservação
de um ecossistema, as borboletas revelaram à
Cibele que a unidade está ecologicamente
equilibrada. Durante os seis meses de pesquisa,
ela constatou um elevado número de diversidade
de espécies e de indivíduos nas populações
de ninfalídeos (família de insetos
lepidópteros que reúne todas as borboletas
diurnas ou crepusculares com as pernas anteriores
muito reduzidas), bem como a permanência desses
insetos por amplo período durante o ano.
Embora as borboletas sejam resistentes
a locais inóspitos, elas são indicadoras
de regiões em bom estado de preservação
porque respondem rapidamente às alterações
ambientais. Onde há borboletas em abundância,
a natureza está praticamente intacta. Foi
nesse cenário ambientalmente estável
da Esec que a pesquisadora observou o comportamento
e coletou borboletas em vários pontos. Algumas
foram sacrificadas para compor uma coleção
já disponível na Faculdade de Engenharia
Florestal da UFMT. “Como esse é o primeiro
levantamento, é de praxe que se monte uma
coleção representativa”, explica.
As borboletas encontradas são
típicas da região neotropical e distribuem-se
desde o México até a Argentina. O
número de espécies do grupo na região
varia de 7.100 a 7.900. No Brasil, esse número
varia de 3.100 a 3.280 espécies descritas.
A bióloga comemora os resultados porque várias
espécies das mais abundantes na Esec (38
espécies) são consideradas raras,
difíceis de encontrar em qualquer época
e lugar por manterem populações pequenas,
sazonais e erráticas.
Ela concluiu que, entre as espécie
mais abundantes, a Catonephele acontius foi a que
mais se destacou. Com uma mistura de banana amassada,
fermentada em caldo de cana, a pesquisadora atraiu
605 borboletas frugívoras (que se alimentam
de frutos) no dossel (cobertura contínua
formada pelas copas das árvores) e no sub-bosque
(região em que predomina vegetação
típica de cerrado) da unidade.
Apesar de a coleta realizada durante
o período seco e chuvoso ter revelado a existência
de 54 espécies distintas, o período
de transição entre a estação
chuvosa e a seca foi o mais representativo por ter
sido o que apresentou o maior número de captura
e de recaptura das borboletas. A pesquisadora afirma
que, por ser o primeiro estudo sobre borboletas
realizado na estação, a tendência
é que a unidade seja procurada por outros
pesquisadores para realização de estudos
mais aprofundados sobre o tema.
INAUGURAÇÃO – Além
das borboletas, Cibele também atraiu cientistas
para a Esec e, com isso, inaugurou um novo momento
na unidade. É que a região foi abandonada
pelos cientistas por mais de uma década em
virtude da falta de estradas e das más condições
de acesso ao local. A última pesquisa realizada
na estação ecológica ocorreu
em 1996 e até o ano passado ficou esquecida
pela comunidade científica.
Com o trabalho de Cibele, a estação
ecológica voltou a ser procurada por pesquisadores
de várias universidades, como pela própria
UFMT, a Universidade de São Paulo (USP) e
a Universidade Estadual Paulista. Segundo informações
dos analistas ambientais que atuam na estação
ecológica, quatro pesquisas foram iniciadas
na unidade no ano passado.
Pesquisadores do Instituto de
Biociências da Universidade de São
Paulo (USP) iniciaram um estudo com três espécies
de araras. Está em curso também uma
pesquisa da Universidade Estadual Paulista que,
em parceria com a Universidade da Califórnia,
desenvolve um estudo sobre anfíbios. Além
dessas, há mais duas pesquisas, ambas relacionadas
com a flora da região, também em andamento
na estação ecológica.
O abandono, no entanto, não
foi a regra da Esec. Na década de 1980, a
unidade cumpriu sua vocação e fez
parte do roteiro de atividades científicas
de várias instituições. A última
pesquisa realizada na Esec ocorreu em 1996, quando
uma pesquisadora da UFMT fez um trabalho sobre unidades
de conservação no Estado de Mato Grosso.
Antes disso, porém, a estação
era procurada por cientistas. Exemplo disso é
que, ainda na década de 1980, o Museu Emilio
Goeldi que chegou a coletar 75 espécies de
invertebrados para realização de estudos.
Em 1985, as pesquisadoras Eleonore Setz e Katharine
Milton publicaram o artigo “Primate Survey in the
Iquê-Juruena Ecological Station, Mato Grosso,
Brasil” na revista Primate Conservation sobre primatas
da região.
PRESSÃO EXTERNA – De acordo
com a análise de Cibele Xavier, embora a
Esec não sofra nenhum tipo de pressão
externa, no passado foi alvo de atividades incompatíveis
com sua categoria de manejo. Criada em 1981 para
proteger amostra do ecossistema de transição
entre a floresta amazônica e o cerrado, durante
muito tempo ela foi invadida por grileiros, agredida
pelo garimpo de diamantes, deformada pela exploração
de cascalho, desfigurada pelas ações
governamentais que realizaram correções
nas rodovias MT-319 e na BR-174, com abertura de
estradas dentro da mata e em locais com declividades
superior a 45º, o que ocasionou grandes erosões
na região.
Um levantamento efetuado pelo
Instituto Socioambiental (ISA), em janeiro de 2006,
demonstrou que havia nove processos de requerimento
de pesquisa de ouro e de diamantes, válidos
e cadastrados, no Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) para ser desenvolvidos na Esec de
Iquê. Em março do mesmo ano, aumentou
para 12 o número de processos para exploração
de minérios na zona de amortecimento, seis
dos quais eram autorizações de pesquisa,
uma concessão de lavra garimpeira e cinco
requerimentos de pesquisas, além de quatro
processos incidentes nas terras da comunidade indígena
Enawenê-Nawê e um no Parque Indígena
do Aripuanã.
Atualmente, o maior desafio da
unidade de conservação é conviver
com a sobreposição de área,
visto que “o artigo 2° do Decreto s/n, que criou
a Terra Indígena Enawenê-Nawê,
revogou o decreto de criação da Estação
Ecológica de Iquê e gerou a sobreposição
de mais de 98% da unidade com a terra indígena,
o que vem inviabilizando em grande parte a gestão
da unidade e impedindo que a área seja conhecida
e estudada”, afirma a analista ambiental do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) e chefe da estação ecológica,
Rossana Santana.
Ascom/ICMBio