18 de
Abril de 2009 - Bruno Bocchini - Repórter
da Agência Brasil - Wilson Dias/Abr - Iporanga
(SP) - Ribeirinhos sofrem com a falta d'água
na maior área contínua de Mata Atlântica
do país, o Vale do Rio Ribeira de Iguape,
na divisa entre os estados de São Paulo e
Paraná
Iporanga (SP) - Na maior área contínua
de Mata Atlântica do país, o Vale do
Rio Ribeira de Iguape, na divisa entre os estados
de São Paulo e do Paraná, ribeirinhos
estão sofrendo com a falta d'água.
Dos 7% que ainda restam de Mata
Atlântica no país, a maior parte, 21%,
está localizada no Vale do Ribeira. Apesar
da abundância de mata, do alto índice
de chuvas e da proximidade com o rio, a localidade
enfrenta a falta de água em decorrência
do desmate da mata ciliar, que fica às margens
dos rios, e de questões fundiárias,
que impedem o acesso dos quilombolas às nascentes.
Comunidades remanescentes de quilombolas,
como a de Porto Velho, no município de Iporanga,
estão utilizando água apenas para
uso doméstico. Nos meses quentes do início
do ano, chegaram a suspender a irrigação
das hortas.
Boa parte das casas – a maioria
delas de taipa – da comunidade quilombola fica a
menos de 10 metros do Rio Ribeira de Iguape. No
entanto, o acesso à água está
cada dia mais difícil. A pequena horta da
comunidade, que tem 70 pessoas, está praticamente
seca.
“A gente está passando
muita falta de água. A nossa horta está
bem fraca, porque nesse período de calor
a gente não tem água. Mal tem água
para o consumo. A gente não pode gastar água
na horta. A gente tem de deixar perder a horta para
não acabar água em casa. Só
no inverno a gente tem água direto, tem água
para tomar e água para irrigar”, conta o
agricultor Vandir dos Santos, da comunidade de Porto
Velho. A comunidade quilombola vizinha, denominada
Poça, no município de Eldorado, enfrenta
problema similar.
A comunidade retira água
diretamente do rio. Um sistema simples de encanamento
leva a água para as casas. O sabor, no entanto,
é ruim. “A gente pega água do rio
ou de uma nascente, mas é água salobra.
A nossa água boa está toda na mão
de terceiros. E os terceiros não estão
preservando as cabeceiras das nossas águas.
Na verdade, a gente cuida da área que a gente
tem domínio”, diz Vandir.
A única nascente de água
“boa” que poderia abastecer a comunidade quilombola
está hoje em uma propriedade particular vizinha.
A região da nascente já foi reconhecida
como área quilombola, mas os proprietários
brigam na Justiça pela posse. Os quilombolas
têm a propriedade apenas de uma pequena parte
da área reconhecida, que não abriga
nenhuma nascente de água aproveitável.
“O fazendeiro tem uma propriedade
que foi transformada em parque ou em área
quilombola. Então, o estado tem de desapropriar
e o estado não toca isso pra frente. Demora
muito. O processo é muito lento”, avalia
Nilto Tatto, pesquisador do Instituto Socioambiental
(ISA), organização da sociedade civil
de interesse público (Oscip) que atua na
região.
Tatto afirma que a qualidade dos
recursos hídricos da área decaíram
nos últimos 50 anos em razão da forte
exploração da mata da margem dos rios.
“Nos últimos 50 anos, houve
uma exploração muito grande das beiras
de rio, da mata ciliar. E a conseqüência
disso foi um processo de assoreamento, afetando
inclusive a quantidade e qualidade de peixe pescado,
que é muito utilizado para alimentação
de toda a população ribeirinha do
Ribeira”, explica Tatto.
O desmatamento das matas ciliares,
na região, não é recente. A
área foi intensamente devastada no período
colonial. “Não dá para dizer que tem
um segmento da sociedade que é o único
responsável”, admite o pesquisador do ISA.
Tatto destaca, porém, a
importância das comunidades tradicionais,
como indígenas, quilombolas e caiçaras,
na preservação da Mata Atlântica.
“A ação das comunidades tradicionais
com a Mata Atlântica, durante o tempo, ajudou
a conservar. Eu até diria que a relação
que mantiveram e mantêm com a mata é
benéfica do ponto vista da biodiversidade”,
defende.
Os quilombolas buscam investir
na preservação de suas matas para
tentar amenizar o problema da falta de água.
No entanto, o pouco território em posse da
comunidade dificulta a ação. Falta
espaço para a agricultura.
“A terra que a gente trabalha
é muito pequena. Você vê que
aqui é só morro, e não tem
como você trabalhar assim em qualquer lugar.
Tem de escolher as melhores partes para trabalhar
e geralmente as melhores partes estão na
beira do rio. E a gente não quer destruir
o restinho de mata que a gente tem”, diz o quilombola
Vandir.
O investimento da comunidade em
restaurar a mata para obter mais água chegou
a dar resultado nos últimos anos. No entanto,
um incêndio na propriedade particular vizinha
destruiu a mata recuperada e levou os quilombolas
a enfrentar novamente a falta d'água.
“Há uns 10 anos, as pequenas
matas já estavam mais formadinhas e estavam
recuperando a água. Aí, os fazendeiros
aqui do lado colocaram fogo no terreno deles. O
fogo passou para cá e queimou toda a área
que estava quase recuperada. E agora, neste ano,
foi mais forte a falta d'água”, relata o
quilombola.
De acordo com o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), são poucos os casos de desapropriação
de áreas particulares em benefício
de comunidades quilombolas. Menos de cinco casos
foram concretizados no país até hoje.
Os processos podem demorar mais de cinco anos devido
aos recursos impetrados pelos fazendeiros.
“Nas áreas particulares
tem havido muita dificuldade, muita resistência,
por conta dos recursos colocados pelos proprietários
e, às vezes, questionamentos do valor da
indenização. Eu tenho poucos casos
concretos para dar de exemplo”, explica o antropólogo
e analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário
do Incra, Homero Moro Martins.
O antropólogo ressalta,
no entanto, que até o final de 2009, as desapropriações
das fazendas na área quilombola da comunidade
de Porto Velho devem ter encaminhamento.