15/04/2009
- Iniciativa da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) valoriza produtos
indígenas com selo de origem.
A partir desta quarta-feira,15/4,
já é possível identificar com
facilidade os produtos produzidos pelas etnias indígenas
da região do Rio Negro, por meio do selo
“Produto Indígena do Rio Negro”. O lançamento
foi maloca da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira
(AM), durante o IV Encontro da Rede de Produtores
Indígenas do Rio Negro, e contou com a participação
de mais de 45 representantes de 22 organizações
e grupos de produtores indígenas da região.
Primeiro selo de identificação
de origem cultural, geográfica e de comércio
justo desenvolvido, emitido e monitorado por uma
organização indígena, tem como
objetivo identificar produtos feitos pelos povos
indígenas da região, trazendo com
ele um conjunto de conhecimentos e práticas
ancestrais de produção que atrelam
aos produtos valor imaterial, e que respeita as
boas práticas de comercialização.
Representantes da Fundação
Nacional do Índio (Funai), presentes ao lançamento,
expressaram o interesse do governo brasileiro em
conhecer o modelo de certificação
adotado pela Foirn para subsidiar a construção
de uma política nacional de registro dos
produtos indígenas com vistas à valorização
da diversidade representada por estes e os produtos
de sua cultura material.
O processo que culminou no lançamento
do selo iniciou-se em 2006 com o levantamento de
questões sobre os efeitos da denominação
de “uma marca específica” sobre produtos
‘comuns’ a diversos povos, durante o I Encontro
de Produtores Indígenas do Rio Negro. A discussão
surgiu a partir das iniciativas desenvolvidas pelo
povo Baniwa que já havia registrado a marca
ArteBaniwa para identificar sua cestaria, produzida
com fibra de arumã. O registro da marca foi
uma reação à tentativa de registro
da marca por designers que planejavam utilizá-la
para fins particulares. Os Baniwa então se
organizavam para lançar no mercado a Pimenta
Baniwa, marca escolhida para identificar a jiquitaia
– farinha de pimentas feita tradicionalmente pelos
índios da região – produzida pelas
mulheres Baniwa e comercializada pela Organização
Indígena da Bacia do Içana (Oibi).
(Leia no final do texto o que diferencia os selos
das marcas).
Da discussão surgiu a proposta
de constituição de uma rede de produtores,
instituída oficialmente no encontro realizado
no ano seguinte, que passaria a ter caráter
deliberativo e uma programação setorial
específica a ser definida coletivamente.
No encontro dos produtores em 2008 foram debatidas
as diversas modalidades existentes para identificar
e diferenciar produtos de origem geográfica
e modos de produção específicos,
do registro de marcas às indicações
geográficas. Após avaliação
das opções disponíveis, decidiu-se
pela busca de alternativas de certificação
que propiciassem diferenciar os produtos originários
da produção indígena rionegrina.
A partir da constatação
da indisponibilidade de certificações
para os produtos de artesanato que fossem acessíveis
e adequadas ao contexto de produção
da região - dispersa por um território
de 11 milhões de hectares em aproximadamente
1000 comunidades de 22 povos - verificou-se a necessidade
de criar um modelo especial para atender a demanda
dos produtores que se organizavam em rede e comercializavam
seus produtos por meio de uma bem sucedida experiência
de comércio justo articulada pela Wariró
– Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro,
centro de comercialização dos produtos
indígenas da região desenvolvida pela
Foirn.
Para isso, contaram com o apoio
do Instituto Socioambiental (ISA) que já
estudava caminhos para a proteção
do conhecimento tradicional associado e a repartição
de benefícios para desenvolver a primeira
iniciativa de auto-certificação para
produtos indígenas. A ideia é que
tenham sua origem cultural e geográfica,
o processo artesanal e comercialização
justa reconhecidas pelo mercado.
O selo será emitido apenas
para os produtos que atendam a pelo menos quatro
critérios pré-estabelecidos e acordados
no âmbito da rede de produtores indígenas:
a produção artesanal segundo métodos
tradicionais; a produção por indígenas;
a produção na região do Rio
Negro; e a comercialização respeitando
os critérios de comércio justo estabelecidos
e acordados entre artesãos e os pontos de
venda. A Foirn será também responsável
pelo monitoramento da aplicação do
selo.
A baré Gilda Barreto, coordenadora
da Wariró, ressalta que a iniciativa vem
se somar a um trabalho desenvolvido desde 2005 com
a inauguração da loja e que busca
valorizar os produtos indígenas produzidos
pelos diversos povos da região, facilitando
a identificação de sua origem e transmitindo
um pouco do valor imaterial de cada peça
artesanal ao consumidor. Isso agrega valor às
peças e possibilita geração
de renda diretamente às comunidades indígenas
da região.
Novas formas de valorizar a diversidade
socioambiental do Rio Negro já estão
sendo planejadas pelos povos da região: “Agora
precisamos criar também uma certificação
para identificar os produtos das roças indígenas,
para que eles também sejam valorizados na
cidade e nos comércios”, afirmou a vice-presidente
da Associação dos Produtores Direto
da Roça, a tukana Joaquina Sarmento dos Santos.
A associação organiza uma feira semanal
em São Gabriel da Cachoeira onde são
ofertados produtos da agrobiodiversidade da região.
Os produtos indígenas do
Rio Negro podem ser encontrados em São Gabriel
da Cachoeira, na sede da Wariró que funciona
como entreposto comercial e centro cultural; em
Manaus, na GaleriAmazônica – iniciativa voltada
à valorização da arte amazônica
localizada em frente ao Teatro Amazonas, fruto de
parceira do povo Waimiri-Atroari com o ISA. Peças
como a cestaria de arumã ArteBaniwa dos índios
Baniwa e o Kumurõ, banco ritual Tukano, podem
ser encontradas nas principais cidades do Brasil
na rede de móveis e decoração
Tok&Stok.
Por que se aplicam selos aos produtos?
Selos são utilizados no
mercado para demonstrar características específicas
de um produto ou grupo de produtos. Diferentemente
de uma etiqueta ou rótulo, que identificam
o produto e suas características específicas,
o selo busca identificar características
presentes a um conjunto de produtos afins. No Brasil
um dos primeiros selos criados foi o Selo Abic de
Pureza do Café que estampa as embalagens
de café quando estes passam pelo controle
de qualidade da Associação Brasileira
dos Produtores de Café (Abic).
Mais recentemente surgiu o Selo
Amigo da Criança da Abrinq, que identifica
produtos de empresas que não utilizam o trabalho
infantil. No exterior existem selos de comércio
justo como o emitido pela Fairtrade Labelling Organizations
International (FLO). Os selos também têm
sido utilizados para demonstrar processos produtivos
diferenciados como o selo de produto Biodinâmico
(IBD) e para Orgânicos. O selo emitido pela
Foirn vem se somar a este esforço mundial
para demonstrar a procedência, modos de produção
sustentáveis e de comercialização
justos cada vez mais valorizado pelos consumidores
responsáveis do século XXI.
ISA, Gustavo Tosello Pinheiro.