28/04/2009
Durante a Conferência Revisão de Durban,
realizada em Genebra, Suíça, entre
20 e 24 de abril, a Coordenação Nacional
de Articulação das Comunidades Quilombolas
(Conaq) divulgou carta à opinião pública
denunciando tentativas de derrubar leis que garantem
direitos aos quilombolas no Brasil e também
as agressões físicas que sofrem além
de toda a sorte de violência. A Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas,
aconteceu na cidade de Durban, na África
do Sul, em 2001.
As comunidades remanescentes de quilombos no Brasil
participaram em Genebra, Suíça, entre
20 24 de abril,da revisão e avaliação
da Declaração e o Programa de Ação
de Durban, adotados na Conferência Mundial
contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas que aconteceu
em Durban, África do Sul, em 2001. Representantes
de comunidades quilombolas do Brasil avaliaram o
que aconteceu nesses oito anos em relação
aos seus direitos.
Ao final do evento, a Conaq (Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades
Quilombolas) divulgou carta à opinião
pública na qual denuncia o não cumprimento
do que estabelece a Constituição Federal
de 1988, que garantiu direitos aos quilommbolas.
"Passados 20 anos da nova Constituição
Federal, ao invés de constatarmos uma corrida
para recuperar o tempo perdido, o que vemos é
um lamentável debate abordando questões
irrelevantes, travando o andamentos dos processos
de regularização dos Territórios
Quilombolas no Brasil", diz o texto. A carta
relata as tentativas no Congresso Nacional de alterar
o artigo 68 da ADCT (Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias) da Constituição
e também o Decreto nº4.887/03, que estabelece
uma política nacional de atendimento à
comunidades quilombolas.
Leia abaixo a Carta de Genebra.
CARTA DE GENEBRA EM DEFESA DOS
DIREITOS QUILOMBOLAS
As Comunidades Remanescentes de
Quilombos no Brasil saúdam os participantes
da Conferência de Revisão de Durban,
realizada entre os dias 20 e 24 de abril de 2009
em Genebra na Suíça para reafirmar
o compromisso internacional com a Declaração
e Programa de Ação de Durban (DDPA),
conforme foi adotado na Conferência Mundial
contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas realizada
em Durban na África do Sul em 2001. Na oportunidade,
denunciamos junto à comunidade internacional,
os ataques que vimos sofrendo sistematicamente por
um forte setor da sociedade brasileira.
Somos atualmente, cerca de 5.000
Comunidades Quilombolas em todo Território
Nacional, descendentes de africanos escravizados
que ficaram de fora do projeto de democratização
do país, se organizando em sociedade autônoma
e quase independente dentro da nova República.
Apenas 100 anos após a chamada “Abolição
da Escravatura” no Brasil, as Comunidades Quilombolas
tiveram o seu primeiro marco jurídico assegurado,
em ocasião da nova Constituição
Federal que traz em suas disposições
transitórias o artigo 68, norma constitucional
autoaplicável na garantia de direitos fundamentais
coletivos, segundo a própria Constituição
Brasileira. Essa norma traz a seguinte determinação:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida
a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
os títulos respectivos”.
Passados 20 anos da nova Constituição
Federal, ao invés de constatarmos uma corrida
para recuperar o tempo perdido, o que vemos é
um lamentável debate abordando questões
irrelevantes, travando o andamentos dos processos
de regularização dos Territórios
Quilombolas no Brasil.
No ano de 2003, o Presidente da
República Luís Inácio Lula
da Silva, no uso de sua atribuição
e em consonância com o DDPA, assinou o decreto
4.887/03 estabelecendo uma Política Nacional
de atendimento às Comunidades Quilombolas
e sobretudo, normatizando os procedimentos administrativos
para o processo de regularização fundiária
dos Territórios Quilombolas. Logo vieram
os ataques, haja vista que em 2004 o extinto PFL
(Partido da Frente Liberal), atual Democratas, entrou
junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), corte máxima
do judiciário brasileiro, com uma ADI (Ação
Direta de Inconstitucionalidade) de no. 3239/04,
pedindo que seja julgado inconstitucional o decreto
4.887/03.
Em 2007, o Deputado Federal Valdir
Colatto (PMDB/SC) entrou com um PDL (Projeto de
Decreto Legislativo) de no. 44/07 na Câmara
Federal, pedindo a anulação do decreto
que trata da questão quilombola. Como se
não bastasse, exatamente no ano da revisão
do DDPA, o Senador Lúcio Alcântara
(PSDB/CE) entrou no Senado Federal com um PEC (Projeto
de Emenda Constitucional) de no. 190, dessa vez
não mais intervindo sobre o decreto 4.887/03,
mas sobre o próprio dispositivo constitucional
assegurador de um direito, o artigo 68 do ADCT (Atos
das Disposições Constitucionais Transitórias)
da Constituição Federal.
Todas essas iniciativas são
paralelas a uma série de eventos violentos,
onde as comunidades quilombolas vivem tempos de
pavor, frente a frequentes casos de agressão,
em suas mais diversas facetas e constantes ameaças,
atos orquestrados com um forte jogo de mídia,
uma verdadeira guerra fria, buscando formar a opinião
pública no sentido de colocar o Movimento
das Comunidades Quilombolas como grupo marginal
que ameaça a paz na sociedade e o direito
à propriedade. O caso virou até tema
de telenovela em defesa da monocultura de eucaliptos
para a produção de celulose, um dos
principais casos de violação de Direitos
Humanos envolvendo comunidades Quilombolas no Estado
do Espírito Santo, Região Sudeste
do Brasil.
Vale lembrar que os Territórios
Étnicos são propriedades coletivas,
necessárias à reprodução
social, cultural, econômica, religiosa e ambiental
do grupo, identificado à partir do critério
de autodefinição, conforme rege o
decreto 4.887/03 e a Convenção 169
da OIT (Organização Internacional
do Trabalho). O processo de regularização
desses territórios obedece às normas
de inalienabilidade, o que contraria os interesses
de grupos ligados ao setor do agronegócio
e outras forças econômicas, destacando-se
empresas multinacionais de países ditos desenvolvidos
que exploram de maneira violenta e criminosa os
grupos sociais, bem como os recursos naturais no
Brasil, assim como nos países em desenvolvimento
de maneira geral.
Hoje o PDL 44/07, bem como o PEC
190 se encontram no Congresso Nacional para tramitação,
enquanto a ADI 3.239/04 se encontra em vias de julgamento
no STF. Nós acreditamos que uma vitória
ou uma derrota nossa no Brasil abrirá precedente
para casos parecidos de fortalecimento ou fragilização
da luta desses povos em toda América Latina
e no mundo. Portanto, pedimos o apoio da Comunidade
Internacional, sensível às causas
das chamadas minorias, numa intervenção
política pedindo uma ação mais
efetiva do Estado Brasileiro em todas as suas instâncias
de poder, na defesa do Povo Quilombola.
Por fim, pedimos que a Comunidade
Internacional faça ecoar o grito da comunidade
afrobrasileira:
- Pela manutenção
do decreto 4.887/03 e a imediata aplicação
do Artigo 68 do ADCT da Constituição
Federal;
- Pelo Cumprimento da Convenção 169
da OIT e dos Tratados Internacionais em defesa dos
Direitos Humanos assumidos;
- Pela aprovação do Estatuto da Igualdade
Racial em absoluta consonância com os interesses
do Povo Quilombola;
- E, pela solidariedade aos grupos religiosos perseguidos
no mundo inteiro, sobretudo, os de religiões
de matrizes afrianas.
Na oportunidade, repudiamos aqueles
que se utilizam do espaço da Conferência
de Revisão de Durban, tão importante
na resolução dos problemas históricos
das chamadas minorias, para fazerem seus palcos
de disputas, tirando o foco do debate. Repudiamos
também aqueles que se utilizam de argumentos
fúteis para não participar do debate,
demonstrando total indisposição na
busca de soluções para os problemas
raciais, sociais, étnicos, religiosos e de
imigração, agravados pelo fato de
que parte relevante dessa população
é composta por jovens e mulheres, sujeitos
a toda forma de intolerâncias correlatas,
afligindo historicamente os grupos menos favorecidos
no mundo.
Genebra, 22 de abril de 2.009.
CONAQ - Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades
Quilombolas
Assine o manifesto pelos direitos
quilombolas, acesse o link: www.PetitionOnline.com/conaq123/petition.html