Índios querem desenvolver
Raposa com ajuda de governos e do MST
29 de Abril de 2009 Boa Vista (RR) - O coordenador-geral
do Conselho Indígena de Roraima, Dionito
José de Souza, diz que o Exército
precisa comunicar previamente as comunidades antes
de fazer qualquer operação na Raposa
Serra do Sol
Boa Vista - O tão sonhado direito dos índios
ao uso exclusivo da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, em Roraima, de 1,7 milhão de
hectares, foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Agora, as comunidades da região terão
pela frente o desafio de buscar alternativas de
produção e renda que garantam bem-estar
social. A intenção das lideranças
é fomentar a produção agrícola
de subsistência com apoio dos governos federal,
estadual e de entidades parceiras, como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST).
"Duas pessoas do MST do Rio
Grande do Sul vieram a Roraima para nos dizer se
seria possível produzir arroz orgânico.
Identificaram uma área de serras bem adequada,
próximoda fronteira com a Guiana e ficaram
de conseguir um técnico para nos ajudar no
trabalho”, contou o coordenador- geral do Conselho
Indígena de Roraima, Dionito José
de Souza. Ele também espera firmar parcerias
com órgãos oficiais de assistência
técnica agrícola.
Segundo o líder indígena,
a principal mudança na vida das comunidades,
após a saída de seis grandes produtores
de arroz e famílias de agricultores brancos
da reserva, será a maior liberdade para definir
suas ações. “Vamos escolher locais
para criar gado, peixe, plantar arroz, feijão,
mandioca, milho, que já plantamos só
para consumo próprio, e fazer reflorestamento.
Vamos viver como somos e não como os outros
mandam”, disse Dionito.
Os planos são ambiciosos,
mas, nas prática, as principais lideranças
indígenas da Raposa não falam a mesma
língua na hora de definir prioridades. A
Sociedade dos Índios Unidos em Defesa De
Roraima ( Sodiu-RR) freqüentemente se opõe
ao CIR. A Sodiu-RR defendia, inclusive, a permanência
dos arrozeiros na reserva. As comunidades ligadas
a ela são evangélicas e as ligadas
ao CIR, católicas.
A Agência Brasil procurou
pelos dirigentes da Sodiu-RR, na sede da associação
em Boa Vista, mas foi informada de que eles estavam
em uma comunidade dentro da reserva, envolvidos
com um processo de eleição de nova
diretoria. Não foi possível contactá-los.
No CIR, o discurso é de que será possível
a vida em coletividade, apesar das divergências.
No fim de maio, será realizada uma assembléia-geral
de todas as comunidades da Raposa para a definição
de ações a serem implementadas na
área. Aproximadamente 18 mil índios
das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó
e Taurepanga vivem em mais de 100 comunidades na
região.
“Raposa Serra do Sol é
área coletiva. Não vai ficar um pedaço
para cada associação. A Sodiu-RR não
quis defender a terra como nossa, então não
pode querer ficar com área só para
ela”, argumentou Dionito.
Um ponto de conflito entre as
associações é a destinação
que será dada ao Lago Caracaranã,
a 166 quilômetros de Boa Vista, que conta
com uma praia de água doce e cristalina e
é considerada um dos pontos turísticos
mais belos do estado.
O dirigente do CIR disse não
ter se incomodado com a ordem do produtor de arroz
Paulo César Quartiero para destruir a sede
e galpões da fazenda que ocupava ilegalmente
na reserva. “A gente não precisava daquela
casa. Se pudessem levar até os rastros dele
[Quartiero], eu ficaria satisfeito. Quero nossa
terra desintrusada (sic) de terrorista como ele”,
afirmou Dionito.
Marco Antonio Soalheiro
Foto: Roosewelt Pinheiro/Abr
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Líderes indígenas
manifestam inconformismo com retirada de amigos
da Raposa
30 de Abril de 2009 Vila Surumu
(Terra Indígena Raposa Serra do Sol) - O
processo de desocupação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol - previsto para ser encerrado
hoje (30) pacificamente - não é traumático
apenas para quem está de partida. Representantes
da Sociedade dos Índios Unidos em Defesa
de Roraima (Sodiu-RR), que sempre foram contrários
à retirada dos brancos da reserva, ainda
demonstram inconformismo com a decisão do
Supremo Tribunal Federal e se emocionam ao acompanhar
a saída de vizinhos.
“É uma injustiça.
Porque se o governo desse condições
para todas essas pessoas seria bom, mas não
dá. Só se importam com a retirada
e tem família saindo para ficar na casa de
um ou de outro. Então, fica uma revolta e
uma dor de perder pessoas que nunca quiseram sair
de dentro do Surumu”, afirmou, chorando, a tuxaua
[cacique] da comunidade do Surumu, Elielva dos Santos,
da etnia Macuxi, enquanto observava famílias
preparando suas mudanças.
“Estamos vendo um sofrimento desnecessário
aqui”, completou o índio José Brazão,
um dos coordenadores da Sodiu-RR.
Segundo Elielva, a Sodiu-RR nunca
foi ouvida pelas autoridades com atenção
durante o processo que resultou na demarcação
da reserva em faixa contínua. Integrantes
de famílias indígenas trabalhavam
nas fazendas de arroz e outras famílias de
agricultores brancos nasceram e foram criados na
Vila Surumu.
Essa parcela dos índios,
evengélicos, tem divergências históricas
com os parentes ligados ao Conselho Indígena
de Roraima (CIR), católicos e entusiastas
da demarcação contínua. Agora
terão de chegar a um consenso quanto à
exploração da área de 1,7 milhão
de hectares. Mas não será fácil.
Feridas seguem abertas e o risco de conflitos entre
as comunidades é admissível.
“Acho que é agora que a
Raposa vai ficar em guerra. Não tem mais
branco para levar a culpa. O CIR não concorda
com a ideologia da Sodiu-RR e não sabe respeitar
a nossa opinião. Mas nossas comunidades não
vão aceitar que eles cheguem impondo as coisas,
ditando as regras”, afirmou Elielva.
Brazão, o coordenador da
Sodiu-RR, ressaltou que as comunidades ligadas à
entidade têm planos imediatos para intensificar
a produção agrícola de macaxeira,
melancia e outros alimentos, inclusive com estrutura
de transporte para viabilizar a comercialização
nas cidades. Ele desdenha da capacidade do CIR de
implantar algum projeto positivo na reserva.
No CIR, a direção
prefere adotar um discurso diplomático. Reitera
a satisfação com a decisão
do STF, sob o argumento de que a cultura indígena
será mais preservada e desenvolvida após
a saída dos brancos. Em relação
à Sodiu-RR, a promessa é de que haverá
um esforço para por fim às divergências.
“Acho que isso [as diferenças
ideológicas entre as entidades] vai mudar.
Nossos parentes vão entender que o futuro
da Raposa Serra do Sol será melhor para todo
mundo”, argumentou Martinho Macuxi, coordenador
do CIR.
Marco Antonio Soalheiro
+ Mais
Benfeitorias de agricultores serão
divididas entre índios da Raposa Serra do
Sol
29 de Abril de 2009 Brasília
- As benfeitorias e propriedades que deverão
ser deixadas até amanhã (30) pelos
grandes produtores de arroz e famílias de
não-índios, que ocupam a Terra Indígena
Raposa Serra do Sol (RR), serão divididas
entre os cerca de 18 mil índios que vivem
na área. A decisão sobre a distribuição
e destinação dos bens terá
que ser tomada em conjunto por oito associações
indígenas, que representam os moradores da
reserva, junto com a Fundação Nacional
do Índio (Funai).
As duas maiores associações,
o Conselho Indigenista de Roraima (CIR) e a Sociedade
dos Índios Unidos em Defesa De Roraima (Sodiu-RR)
sempre tiveram posições distintas
sobre a presença de não-índios
na reserva e não deverão entrar facilmente
em consenso sobre a distribuição dos
bens. Entre as benfeitorias estão casas,
galpões e depósitos construídos
pelos rizicultores e pelas famílias de pequenos
agricultores.
Paulo Cesar Quartiero, dono de
duas fazendas no interior da reserva, e líder
da resistência dos rizicultores em deixar
a área, está destruindo parte das
benfeitorias que serão deixadas para trás.
Na avaliação do presidente do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, desembargador
Jirair Mengueriam, o caso deverá ser levado
à Justiça, já que a Funai depositou
em juízo o valor referente à desapropriação
dos bens.
“Tenho dúvida se o que
ele está destruindo é dele ou se está
destruindo bens da Funai. Isso obviamente vai parar
na Justiça”, argumentou o desembargador,
que se disse “surpreso” com a atitude de Quartiero.
“Em 30 anos de magistratura nunca vi um expropriado
destruir o bem que está sendo desapropriado”,
acrescentou.
Além da distribuição
do espólio dos não-índios,
o grupo de entidades deverá convocar uma
Assembléia Geral dos Povos Indígenas
da terra indígena até julho, elaborar
uma política agrícola para o desenvolvimento
sustentável da região e representar
os povos indígenas da reserva diante dos
órgãos governamentais dos Três
Poderes.
Segundo o desembargador Mengueriam,
os compromissos foram acertados pelas entidades
em 2007 e reafirmados no último dia 17, com
a criação da Federação
Indígena de Reocupação da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol.
O prazo para saída voluntária
dos não-índios termina amanhã
(30). De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF),
não há possibilidade de permanência
de rizicultores ou pequenos agricultores na área,
sob o argumento de que não foram notificados.
Segundo o tribunal, todas as partes envolvidas no
processo foram notificadas oficialmente e a ata
da decisão foi publicada no Diário
da Justiça, o que garante a da decisão.
Além disso, o desembargador Mengueriam esteve
pessoalmente na reserva e realizou reuniões
com as famílias de não-índios,
que ainda ocupam a área.
Luana Lourenço