27/04/2009
Falta de dados precisos sobre a exata localização
das áreas embargadas dentro das propriedades
rurais prejudica produtores, inviabiliza a venda
da soja cultivada em áreas não embargadas
e coloca em questão as condições
objetivas que tem o governo para controlar o desmatamento.
No início de abril de 2008,
o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis) divulgou o
total de 1220 fazendas, em 86 municípios
do Mato Grosso, que apresentam algum tipo de atividade
ilegal contra o meio ambiente, em especial o desmatamento
sem autorização na Amazônia.
Inconformada com a lista, a Famato (Federação
da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso)
pediu explicações ao órgão
federal, que foi acusado de embargar propriedades
sem fazer qualquer vistoria. Alguns dias depois,
a lista divulgada pelo Ibama já apresentava
menos da metade do número de áreas
embargadas. No entanto, esse ajuste não foi
suficiente para que os produtores deixem de criticar
as medidas do governo contra o desmatamento, e cheguem
mesmo a colocar em dúvida a eficácia
deste importante instrumento de controle de crimes
ambientais na Amazônia.
A relação do Ibama
abrange embargos ocorridos desde janeiro de 2007.
Cumpre exigência do Decreto nº 6.321,
de 21 de dezembro de 2007. (Leia mais). O decreto
determina o recadastramento das propriedades e a
divulgação dos embargos pelo Ibama,
reforça a necessidade do embargo das áreas
que mantém atividades ilegais, e ainda estende
à cadeia produtiva a responsabilidade sobre
o crime ambiental. Dessa forma, áreas embargadas
não podem ser utilizadas até sua recuperação,
e quem comprar produtos florestais ou agropecuários
nelas produzidos será co-responsabilizado
pelo crime ambiental. Responsabilizando assim toda
a cadeia produtiva, o decreto criou um eficaz instrumento
de combate ao desmatamento – caso todos cumpram
a sua parte, incluído aí o poder público.
A Instrução Normativa
001, do Ministério do Meio Ambiente (MMA),
publicada em 29 de fevereiro de 2008, regulamentou
os embargos e a fiscalização dos compradores
de produtos agropecuários conforme o Decreto
nº 6.321. Naquela ocasião, o MMA se
comprometeu a disponibilizar na internet mapas dos
municípios com as imagens, coordenadas geográficas,
termo de autuação, nome do proprietário,
data da vistoria e situação da propriedade.
Com isso, as empresas do setor agropecuário
teriam condições de selecionar seus
fornecedores, evitando comprar produtos de áreas
embargadas.
Desde abril do ano passado, qualquer
pessoa pode acessar o site do Ibama e buscar essas
informações. Entretanto as que mais
interessam para o monitoramento não estão
disponíveis: as coordenadas geográficas
que apontam a exata localização da
área que está embargada dentro de
cada propriedade, o nome e número de matrícula
das fazendas. Não dispondo das informações
detalhadas, as empresas compradoras (as assim chamadas
traders) são obrigadas a rejeitar todos os
produtos vendidos pelos produtores que figuram na
lista do Ibama, e não apenas o que está
plantado em área efetivamente embargada,
conforme indica a legislação. Também
não se leva em conta que muitos produtores
possuem mais de uma escritura, e isso pode ser usado
para burlar a fiscalização dos órgãos
ambientais e o próprio controle das traders
sobre a procedência da produção.
Lista oficial muda diariamente e dificulta acompanhamento
As maiores traders que atuam no
Mato Grosso, como Bunge, Cargill, ADM, AWB e Draeyfus,
declaram que estão seguindo as determinações
da lei, mas não ignoram o fato de serem incompletas
e confusas as informações oficiais
divulgadas sobre os embargos, que na maioria dos
casos não disponibiliza sequer o número
da matrícula dos imóveis rurais. Algumas
empresas apontam que a lista do Ibama muda diariamente,
o que dificulta o controle sobre as informações
de novas áreas embargadas. A Abiove (Associação
Brasileira das Indústrias de Óleos
Vegetais) enviou pedido formal ao MMA para que a
atualização da lista seja feita a
cada 30 dias. “É preciso melhorar o sistema.
Está difícil acompanhar a atualização
das listas divulgadas pelo governo e as informações
ainda estão incompletas”, afirma Fábio
Trigueirinho, secretário geral da Abiove.
Com tantas dificuldades em se
determinar a procedência exata da produção,
torna-se recorrente na região a suspeita
de que há duas alternativas para o destino
da soja cultivada em propriedades que contém
áreas embargadas: ou perde-se a produção
ou ela é “esquentada” mediante a apresentação
de documentos de outras áreas regularizadas.
Este procedimento irregular acaba sendo empregado
tanto para a soja ilegalmente produzida em áreas
embargadas, como para a soja que, embora corretamente
produzida em áreas regularizadas, acaba sendo
injustamente criminalizada. A velocidade com que
o Ibama processa suas informações
também é questionada. No site é
possível encontrar áreas no Mato Grosso
classificadas como “em processamento” desde o ano
passado.
Há dois anos, um produtor
de soja de Canarana (MT), que prefere manter o anonimato,
teve 60 hectares de área embargados em sua
propriedade. Embora não plante soja nessa
área, ele está impossibilitado de
vender a produção de toda a propriedade.
Para não perder a safra, arrenda áreas
de outras fazendas e planta soja sem o risco de
perder dinheiro. Conta que desde que sua fazenda
foi embargada, ele nunca mais conseguiu regularizá-la,
foi multado e está sem acesso a créditos
bancários. "O Ibama desce de helicóptero
aqui, multa e vai embora, deixando a gente com um
baita problemão", desabafa.
"A efetivação
do mecanismo de responsabilização
compartilhada das cadeias produtivas estabelecida
pela IN 001 de 2008 foi um marco na legislação.
Porém, o governo federal, ao não cumprir
com suas atribuições em relação
à transparência e clareza sobre as
áreas embargadas ao mesmo tempo em que penaliza
produtores muitas vezes com critérios pouco
claros e difíceis de serem compreendidos
pelos produtores locais, gera o que é chamado
de seleção adversa ambiental”, afirma
Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa
Xingu do ISA. “Estão perdendo uma rara oportunidade
de sinalizar para toda a cadeia que todos os participantes
devem partilhar os custos pela adequação
socioambiental. A ineficiência de algum elo
dessa cadeia desestimula os demais a cumprir com
sua parte”, avalia.
O representante do Ibama em Barra
do Garças (MT), José Roberto Gondim,
admite que no sistema de consulta on line não
consta o polígono que determina os limites
da área que foi desmatada irregularmente.
“Sabemos que a falta dessa informação
está provocando problemas para produtores
e empresários, mas o Ibama está trabalhando
para resolver isso”, afirma Gondim. Esses dados
deixarão mais claras as regras do jogo durante
a comercialização dos produtos, mas
não resolverão o problema, já
que é difícil distinguir os produtos
oriundos de áreas regularizadas daqueles
com origem em áreas embargadas. Somente um
trabalho de fiscalização intensivo
e minucioso pode resolver a questão.
Fiscalização precária
Atualmente, para que se tenha certeza de que as
empresas não estão comprando a soja
e outros produtos agropecuários de áreas
embargadas, o Ibama dispõe de um sistema
precário de fiscalização. A
vistoria é feita no campo – quando há
denúncia - para verificar se os produtores
estão respeitando o embargo. “Nosso efetivo
de pessoal é pequeno e atuamos basicamente
reagindo a denúncias. Contamos com a seriedade
das empresas e as denúncias que recebemos”,
confirma o gerente do Ibama.
Embora apresente falhas que podem
ser corrigidas, o sistema de consultas lançado
pelo Ibama significa um avanço na tentativa
de controlar o desmatamento. “É importante
lembrar que esta é a primeira medida para
punir quem está desmatando na Amazônia
e ampliar ações de responsabilização
por crimes ambientais”, diz Mauro Pires, diretor
do Departamento de Políticas para o Combate
ao Desmatamento do Ibama. De acordo com ele, o órgão
está fazendo o possível para melhorar
o sistema de consultas on line, e as empresas que
compram soja podem solicitar os dados georreferenciados
das áreas embargadas caso a caso e que ainda
não constam da listagem na internet.
George Porto Ferreira, coordenador
geral de Zoneamento e Monitoramento Ambiental do
Ibama, afirma que os dados completos das áreas
embargadas estarão disponíveis no
site no prazo máximo de um ano e meio. “Enquanto
não automatizarmos todo o sistema, as empresas
podem pedir as informações completas
contidas no laudo de infração que
é lavrado no momento do embargo”, explica.
As novas medidas contra crimes
ambientais também se estendem à cadeia
produtiva da pecuária. Os frigoríficos
estão impedidos de comprar gado criado em
áreas embargadas. Daniel Bertin, proprietário
do Frigorífico Bertin, que tem uma unidade
no município de Água Boa, conta que
desde o ano passado a empresa respeita as considerações
do Decreto nº6.321, mas que ainda não
é possível sentir os efeitos das restrições
legais. “Houve até agora apenas um caso,
quando duas mil cabeças de gado não
puderam ser compradas no Pará”, lembra.
Obstáculos à regularização
Para que o produtor esteja livre
do embargo e regularize a situação
da sua propriedade, ele precisa apresentar uma certidão
de regularização ambiental, a aprovação
de plano de recuperação de área
degradada e a averbação de reserva
legal emitidas pelo órgão ambiental
competente. Entretanto produtores matogrossenses
cujas propriedades estão localizadas na franja
do Bioma Amazônico (área de transição
entre Amazônia e Cerrado)enfrentam a mesma
questão.
É que em 2004, com a definição
do mapa oficial de biomas do Brasil pelo IBGE, suas
terras foram enquadradas na Amazônia, aumentando
de 50% para 80% do total da propriedade, a área
de Reserva Legal que precisa ser averbada. Assim,
teriam recebido a autorização para
desmatar quando a exigência era de 50% de
Reserva Legal, e agora têm que destinar 80%.
Para regularizar a situação da suas
propriedades eles precisariam de novas licenças
ambientais, e arcar com as despesas para reflorestar
a área que foi anteriormente desmatada com
o consentimento do governo. E por isso, muitos reivindicam
indenizações para que tenham condições
de investir em reflorestamento.