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ÍNDIOS DE MATO GROSSO DO SUL SE MATAM POR AMOR E PAIXÃO, ANALISA ANTROPÓLOGO

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Maio de 2009

16 de Maio de 2009 - Gilberto Costa - Repórter da Agência Brasil - Brasília - No ano passado, 94 índios tiveram morte violenta. Segundo levantamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram 60 assassinatos e 34 suicídios. As mortes estão concentradas entre os Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, onde ocorreram 42 assassinatos e todos os casos de suicídio.

Para o Cimi, as mortes ocorrem, entre outras causas, devido a conflitos entre os indígenas pressionados pelo avanço do agronegócio sobre as terras que ocupavam. A concentração de índios em reservas, demarcadas ainda no tempo da República Velha, força o convívio entre famílias inimigas e potencializa as tensões. Essa não é, no entanto, a única razão para as mortes.

Além dos males fundiários, enfrentados por diversos indígenas em todo o território nacional, há outras razões mais universais afligindoos índios que vivem no cone sul de MS.

O sentimento de paixão, o amor proibido e o conflito de gerações afetam tragicamente os Guarani Kaiowá, explica o antropólogo Fábio Mura, que desde 1991 estuda a etnia e é doutor em antropologia social pelo Museu Nacional no Rio de Janeiro e professor pela Universidade Federal da Paraíba. Leia,a seguir, os principais trechos da entrevista realizada com o pesquisador.

Agência Brasil - O que acontece em Mato Grosso do Sul é resultado do processo civilizatório nas áreas de fronteira agrícola?
Fábio Mura - Sim, sem dúvida. Ilustra claramente que existe um movimento por parte do Estado brasileiro de ocupação de espaços dentro do território nacional com objetivo de desenvolvimento, seguindo um determinado tipo de lógica que impacta a organização social e territorial dos indígenas.

ABr - Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário, a região concentra a maior parte dos casos de assassinatos e todos os episódios de suicídio entre os índios. Por que isso acontece lá?
Mura - Os Guarani têm uma especificidade em relação a outros grupos indígenas até mesmo da região se comparados, por exemplo, com os Terena. É complicado lidar com situação de redução territorial extrema. Até a metade da década de 60, os índios ainda tinham espaço de ocupação próprio, que não era compartilhado com os brancos. Esse tipo de ocupação mantinha as famílias indígenas, que são famílias extensas, de até quatro gerações, e que constituem comunidades políticas locais de até 200 pessoas. Naquela época, quando havia tensão interna dentro desses grupos, ocorria uma cisão e os índios podiam se distanciar uns dos outros e constituir uma comunidade em outro lugar.

ABr - O que ocorre agora?
Mura - A partir da segunda metade da década de 60, em decorrência do milagre brasileiro, da implementação da agricultura mecanizada, toda essa região foi profundamente atingida do ponto de vista ecológico. O que era 50% a 60% de cobertura vegetal foi quase que totalmente destruído. Hoje, temos aproximadamente 7% de média no cone sul [do MS] de vegetação nativa.

ABr - Mas, antes disso, não houve demarcação de reserva?
Mura - Os índios foram sistematicamente expulsos dos seus lugares e levados para oito reservas instituídas desde o Serviço de Proteção aos Índios [SPI, criado em 1910], entre 1915 e 1928. Essas reservas nunca foram entendidas pelos índios como espaço exclusivo deles. Algumas famílias permaneciam, mas muitas transitavam nas florestas. Quando essas florestas foram destruídas, as famílias - mesmo que fossem inimigas das que estavam dentro das reservas - foram levadas à força. Criou-se uma situação de tensão permanente e o inchaço das reservas. Os dados da década de 70 mostram que as populações das reservas triplicaram. No caso da Reserva de Dourados, cresceu 4 ou 5 vezes.

ABr - Na década de 80, o desfecho é o avanço do agronegócio?
Fábio Mura – Na década de 80, o que temos é uma situação de mudança não só no agronegócio, mas também do próprio comportamento indígena. Os índios, não tendo mais espaço para reproduzir seus grupos locais fora das reservas, começam a reivindicar terras e a reocupá-las sistematicamente. Isso leva a um conflito fundiário, que estamos assistindo até hoje. Além do conflito fundiário, há a presença cada vez maior do Estado dentro da reserva, especialmente pela promoção da escolarização. Com a entrada da Funasa [Fundação Nacional de Saúde] no atendimento à saúde indígena também se cria uma capilaridade de intervenção que vem condicionando muito a vida desses indígenas - favorecendo a assistência por um lado, mas controlando-os em relação ao que são os costumes, criando um estresse constante entre o conceito ocidental [não indígena] de vida e o ponto de vista dos indígenas sobre esses fatores, como por exemplo, tratar as crianças e se relacionar no meio familiar.

ABr - Qual seria a densidade ideal de ocupação dos indígenas?
Mura - O espaço utilizado pelos Guarani Kaiowá nunca foi uma coisa fixa e imutável. Mudava conforme o jogo de alianças [entre os índios e entre as famílias]. No passado, todo o espaço do cone sul era utilizado. No momento em que o Estado intervém, esse espaço torna-se inclusivo, isto é: um lugar que os indígenas têm que compartilhar com os brancos em uma situação assimétrica [desigual], em que o branco domina. As reivindicações de mais espaço se dão conforme a memória de origem da liderança de cada família e dizem respeito a momentos diferentes de ocupação dessas terras.

ABr - Como essa falta de espaço vai implicar suicídio?
Mura - O espaço territorial é fundamental para manter equilíbrio entre as famílias, para que não aumentem as tensões. Nos espaços codivididos, os jovens indígenas travam relações com membros de outras famílias consideradas rivais. Isso estressa e cria um conflito intergeracional. Nesse sentido, se tivesse mais distância haveria mais controle por parte das famílias, impedindo que esse tipo de relacionamento indesejado viesse a ocorrer. Os índios não gostam que membros de famílias inimigas se socializem juntos aos seus e nem que se criem situações autônomas de socialização.

ABr - Como assim?
Mura - Uma comunidade política local, com todos aliados entre si, se determina pelas relações de parentesco. Os índios não se juntam por amizade ou por ofício, eles se juntam por meio de alianças estabelecidas por meio de casamentos. Os casamentos até 50 anos atrás eram determinados pela vontade dos pais e, principalmente, dos avós, entre famílias aliadas ou que iam se aliar - e para isso faziam um intercâmbio matrimonial. Quando um jovem tem mais oportunidade de escolha, podem ocorrer situações em que não queira se casar com um membro aliado, mas como alguém de uma família rival.

ABr - A presença do não índio interfere?
Mura - Outro fator de estresse é a presença do branco em espaços neutros de socialização. Para os índios, não existe espaço neutro de socialização. Ou você está socializando dentro de um contexto de aliados políticos, ou você está fora dele. Com a entrada da escola nas terras indígenas cria-se uma situação em que os jovens são retirados do contexto familiar e do contexto político local para serem inseridos no espaço escolar, onde convivem indivíduos de famílias inimigas. Isso ampliou as possibilidades dos jovens de saírem do contexto social do grupo doméstico de origem.

ABr - E o suicídio?
Mura - Se nós observarmos as condições territoriais dos Terena no Mato Grosso do Sul, ou dos Guarani em outras partes do território brasileiro e até no Paraguai oriental, vamos perceber que o fenômeno do suicídio é muito reduzido, em alguns casos ausente. Por que então acontece? Não dá para dizer que seja efeito direto e simples da falta de espaço. Existe uma conjunção entre esses fatores estressantes para a organização social e fatores mais íntimos, que vêm da educação, da visão cosmológica dos Guarani Kaiowá, em que o indivíduo em sua formação psicológica é muito contido, fechado e suscetível às relações afetivas dentro do mundo doméstico.

ABr - O problema afeta então os mais jovens?
Mura - Os suicídios acontecem entre os jovens e cada vez vai reduzindo a faixa etária. Há registros de suicídio de uma menina com nove anos de idade. Os conflitos geracionais fazem com que o jovem queira fugir do controle social, que é esmagador dentro do contexto familiar. Eles querem sair, mas ao mesmo tempo são produto dessa família. Então, quando ocorre uma briga com a mãe ou com o pai, em situação pública especialmente, em que o jovem sinta-se ridicularizado ou maltratado, ele pode atingir um estado que chama nhemyrô.

ABr - O que é o nhemyrô?
Mura - É uma profunda mágoa, com o consequente fechamento do indivíduo, vivida em estado de perda da consciência e que leva essa pessoa a sentir-se chamada pelos espíritos de companheiros que se suicidaram ou estão mortos. Se um índio brigou com os pais porque queria namorar com uma pessoa não permitida, e essa se suicidou, é possível que na sequência aquele índio possa se suicidar porque se sinta chamado enquanto a alma daquela pessoa está em um patamar do céu, que ainda é muito próximo da terra. Os relatos das pessoas que tentaram se suicidar é que sentiram-se chamadas como Hércules, que ouvia o canto das sereias na Odisséia. Os índios sentem-se traídos porque estão nesse nhemyrô, um estado de muita angústia.

ABr - Desentendimento familiar e amor proibido são conflitos universais.
Mura - Há outro aspecto muito importante, também relacionado ao namoro e que não é uma mágoa ou conflito. Os índios falam do contágio com uma substância relacionada com o nascer ou por do sol, quando o horizonte fica amarelado. Eles chamam essa substância de araguajú e definem como paixão. Muitos jovens indígenas dizem que o homem branco sabe lidar com a paixão, mas eles não sabem. Todas essas situações são relatadas pelos índios como ataques de espíritos ou algo que tira os indivíduos de uma situação de normalidade. Os índios tentam curar as pessoas por meio das rezas, afastando de uma situação de contágio.

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Curso de alfabetização no Amazonas é voltado para o interior e atende indígenas e ribeirinhos

14 de Maio de 2009 - Amanda Mota - Repórter da Agência Brasil - Manaus - As dificuldades para superação do analfabetismo em todo país se relacionam a motivos diversos. No Amazonas, por exemplo, onde a taxa de 7,8% de analfabetismo é a segunda menor da Região Norte (perdendo apenas para o Amapá), as principais reclamações da população se referem à insuficiência do número de escolas para suprir a demanda de alunos, tanto no nível fundamental quanto no nível médio.

A esse problema se soma a dificuldade de reunir alunos em áreas centrais de estudo devido à distância entre as inúmeras comunidades ribeirinhas e indígenas e à falta de estrutura educacional nessas áreas, como a pouca disponibilidade de professores qualificados.

Para tentar evitar, sobretudo no interior, o aumento do índice de pessoas que não sabem ler nem escrever, o governo estadual implantou, em maio de 2003, o programa Reescrevendo o Futuro – voltado para a alfabetização de jovens acima de 15 anos e adultos no Amazonas.

O curso de alfabetização é oferecido nos 62 municípios amazonenses e é realizado, ao longo de seis meses, uma vez por semana, geralmente aos sábados e, eventualmente, em feriados.

Transporte de ida para as escolas e retorno para casa, lanche, almoço e material educacional são custeados pelo programa.

Em menos de seis anos, o Reescrevendo o Futuro conseguiu alfabetizar quase 151 mil pessoas, incluindo 5.539 indígenas de 34 etnias, em 21 municípios. O programa registra um índice de aproveitamento de 73% (alunos alfabetizados) e evasão de 7%. Cerca de 20% dos alunos do programa não conseguem ser alfabetizados.

O sucesso da iniciativa vai render em 2009 para o Amazonas um reconhecimento nacional. Do total de municípios do estado, 44 receberão do Ministério da Educação (MEC) o selo de Município Livre do Analfabetismo, conferido aos que atingem mais de 96% de alfabetização, com base nos dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000.

Além disso, 18 municípios receberão o selo de Município Alfabetizador, entregue a cidades com menos de 4% de analfabetos. O problema já foi totalmente erradicado nas zonas urbanas de 37 municípios.

Apesar dos resultados positivos, a coordenadora do programa, Nazaré Correa, avalia que ainda existem muitos desafios. Segundo ela, ainda há dificuldades para reunir os alunos no estado para estudar. Cada um recebe, por mês, um auxílio de R$ 30, como incentivo aos estudos e recompensa pelo dia “perdido” de trabalho.

“A estratégia é trabalhar com eles durante oito horas, mas apenas uma vez por semana. As aulas são aos sábados para aproveitarmos as escolas vazias. O maior desafio é a resistência que encontramos entre as pessoas que nunca entraram numa sala de aula”, diz.
O Reescrevendo o Futuro reúne turmas de sete a 25 alunos. Em cada sala de aula, há dois professores. Por ano, o programa conta com o trabalho de cerca de 1,6 mil docentes que recebem um adicional pelas aulas ministradas.

“Tudo é pensado para garantir o interesse e a permanência desse aluno. Os lápis utilizados, na maioria das vezes, são aqueles de cera, mais grossos. Como muitos de nossos alunos são agricultores acostumados ao trabalho pesado da enxada, eles têm dificuldade de usar lápis finos”, conta Nazaré.

No início do programa, em 2003, os municípios de Itamarati e Guajará tinham, respectivamente, 60% e 53% de analfabetos. Eram as piores taxas do estado, que hoje conseguiu erradicar esse problema nas duas cidades.

Em 2008, 21,5 mil alunos aprenderam a ler e escrever. No município de Tabatinga foram alfabetizados 1.024 alunos, 80% indígenas. Para este ano, a meta é chegar a 38,6 mil alunos. A prioridade serão os municípios de Ipixuna, Envira e Pauini.

Segundo Nazaré, o trabalho não termina na alfabetização. “Quando esses alunos saem do programa, começamos um outro trabalho que é para incentivar o ingresso dessas turmas nas aulas voltadas para EJA [educação de jovens e adultos]. Fazemos por ano oito viagens por município para preparar os alunos a continuar os estudos após a alfabetização.”

 
 

Fonte: Agência Brasil - Radiobras

 
 
 
 

 

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