20/05/2009 - Os Tukano do Médio
Tiquié (Alto Rio Negro) dão continuidade
ao processo de construção de uma educação
escolar indígena específica com a
formatura de nova turma do
ensino fundamental e o início do ensino médio.
Foi em abril, na Maloca Escola
Tukano Yupuri, Médio Rio Tiquié, (AM)
que pais, mães, alunos, professores, lideranças,
velhos conhecedores, agentes de saúde, agentes
indígenas de manejo ambiental, decidiram
tornar realidade a ideia que vinham discutindo e
elaborando desde 2008, ano em que a primeira turma
de ensino fundamental se formou.
As definições tomadas
nas diversas reuniões comunitárias
realizadas para discutir os objetivos e perfil do
ensino médio estão expressas no Projeto
Político-Pedagógico da escola. O currículo
está baseado em um caminho principal de conhecimento
e organizado em áreas temáticas, ou
trilhas de conhecimento (Veja quadro no final do
texto). Definidas coletivamente, tais áreas
serão desenvolvidas a partir da metodologia
de pesquisa, que inclui atividades de campo, conversas
e entrevistas com sabedores de diversas áreas,
participação em atividades comunitárias
(trabalhos, festas, rituais), e o registro dos conhecimentos
por meios diversos: escrito, pictórico, áudio
e visual.
No primeiro dia de aula do ensino
médio, 6/4, os alunos escolheram com os professores
a temática a ser desenvolvida no primeiro
módulo do curso. Atividades relacionadas
a técnicas alternativas de produção
e sustentabilidade como piscicultura, meliponicultura
e manejo agroflorestal foram desenvolvidas e por
meio delas foram abordados tópicos de matemática
ocidental (contagem, porcentagem, medição,
regra de três, etc.).
As aulas foram intercaladas com
classes de espanhol, que estão sendo ministradas
por um professor Wanano. De acordo com o Projeto
Político- Pedagógico da escola o espanhol
entra como terceira língua de instrução.
A primeira é o tukano e a segunda, o português.
A importância do espanhol está no fato
de o Alto Rio Negro ser uma região de fronteira,
tanto com a Colômbia como com a Venezuela.
No caso do Rio Tiquié, a parte alta do curso
do rio já é território colombiano,
onde vivem principalmente parte dos tuyuka e bará,
organizados na Atizoot (Asociación de Autoridades
Tradicionales Indígenas de la Zona Tiquié).
Não muito distante estão os povos
do Pirá Paraná, barasana, bará,
eduria, makuna, tatuyo, entre outros, que compõem
a Acaipi (Associación de los Capitanes Indígenas
del Pira Paraná). Desde 2005 estabeleceu-se
um intercâmbio entre indígenas do lado
brasileiro e colombiano do Tiquié e do Pirá
Paraná.
Uma parte dos alunos matriculados
no ensino médio também atua como agente
indígena de manejo ambiental (aima) do Médio
Tiquié. Esses agentes vêm realizando
desde 2005 atividades voltadas para o manejo de
sua região, compreendendo pesquisas, reuniões
comunitárias, viagens de intercâmbio
e encontros de formação com assessoria
do ISA.
Considerando que uma parte deles
não possui formação em nível
de ensino médio, a idéia é
que, com a implantação do ensino médio
na escola Tukano, suas atividades sejam consideradas
atividades letivas e constituam um currículo
específico dos agentes dentro da proposta
mais ampla de ensino médio tukano. No 1º
módulo, os alunos-aimas estiveram envolvidos
em atividades relacionadas à sua atuação
tais como pesquisa de paisagens de beira de rio,
igapós e pesquisa de sorva, orientados por
técnicos do ISA e velhos conhecedores.
Alunos e professores participam
da Assembleia da Aeity
As discussões da assembleia
da Associação Escola Indígena
Tukano Yupuri (Aeity) giraram em torno das conquistas
da associação nestes anos de atuação,
dos projetos que vêm sendo desenvolvidos,
e das atividades previstas para este ano. A assembleia
também foi marcada por uma manifestação
pela melhoria das condições da educação
escolar indígena, principalmente em relação
à situação de merenda escolar,
materiais didáticos, infraestrutura física
e contratação de professores. Nas
escolas indígenas é comum a participação
de alunos e professores nas atividades da comunidade,
fundamental para reforçar os laços
de continuidade entre escola e comunidade. A participação
dos alunos é importante para que eles se
tornem adultos atuantes na vida da comunidade ou
até mesmo como futuras lideranças.
Segunda turma se forma e comemora
Paralelamente ao início
do ensino médio, a Escola Tukano Yupuri transformou-se
em palco das comemorações dos dez
formandos da segunda turma do ensino fundamental,
entre moças e rapazes, das etnias tukano,
desana e siriano, com a presença de pais,
mães, convidados. A maloca de Pirõ
Sekarõ recebeu a coordenadora do departamento
de Educação da Foirn, Madalena Custódio
Paiva, baniwa; de Madalena Azevedo Gama, tariana
e Donato Miguel Vargas, da etnia karapanã,
do Departamento de Educação Escolar
Indígena da Semec; representantes do ISA,
e de associações locais como a Aeity,
Acimet, Acirc e Aeitu.
Pela manhã os formandos
realizaram a entrada solene na maloca, acompanhados
de seus padrinhos e madrinhas de formatura, e deu-se
inicio ao culto de formaturaEm seguida aconteceu
a entrega dos certificados para os formandos. Os
oradores da turma foram os alunos Jocy Azevedo dos
Santos e Anaide Pereira Azevedo, que destacaram
em suas falas a alegria de estarem completando mais
uma etapa em suas vidas.
Após a entrega dos certificados
aconteceu o almoço de formatura durante o
qual foram servidos pratos tradicionais da culinária
tukano como quinhapira, mujeca, peixe moqueado,
caruru, japurá, entre outros.
Em seguida deu-se a cerimônia
de proteção dos presentes, com benzimento
de breu e cigarro feito pelo kumu (benzedor) tukano
Miguel Azevedo.
Durante a tarde os formandos apresentaram
seus trabalhos de conclusão de curso, feito
no último ano do curso quando se dedicam
a pesquisar em profundidade um tema de sua escolha
que tenha relação com o Projeto Político-Pedagógico
da escola, e seja importante para as famílias
e comunidades.
As temáticas pesquisadas
pelos alunos desta turma foram: doenças,
remédios caseiros e benzimentos de cura;
benzimentos para o parto e pós- parto; alimentação-
frutos de mato e da roça; a arte da cerâmica-
história de origem, técnicas de confecção.
Os temas escolhidos pelos alunos serão aprofundados
durante o ensino médio.
Após as apresentações
os formandos realizaram entrega de presentes feitos
por eles mesmos para convidados, familiares, professores,
enfim, pessoas que quiseram homenagear e/ou que
consideraram importantes no processo de sua formação.
No meio da tarde teve início
a festa de formatura, com danças Kapiwaia
(dança dos velhos) do tipo ihki bahsa (dança
do inajá), intercaladas por danças
de cariço.
Os primeiros a dançar o
kapiwaia foram os alunos e alunas formandos que
surpreenderam a todos com sua concentração
e habilidade. Em seguida foi a vez dos velhos dançarem
sobre a liderança dos Siriano; e finalmente
os Tukano. Estas danças seguiram até
o amanhecer.
A Escola Indígena Tukano
Yupuri, assim como outras escolas indígenas
do Alto Rio Negro e de outras regiões do
Brasil, vêm construindo e desenvolvendo uma
forma própria e inovadora de educação
que só tende a avançar. Espera-se
que as garantias previstas pela Constituição
Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases convertam-se
em ações políticas mais contundentes
em relação à educação
escolar indígena e que a própria legislação
e órgãos políticos consigam
acompanhar os avanços que vêm sendo
realizados nos últimos anos.
Currículo para o ensino
médio
Caminho principal de conhecimento:
Mar• kahtiri pati kahse
Na nossa escola, desde o ensino
fundamental temos um caminho principal de conhecimento,
a partir do qual saem todas as trilhas de conhecimento,
este caminho se refere a um conceito que dizemos
em nossa língua Tukano: Mar kahtiri pati,
que diz respeito à vida dos seres nesse mundo
e seus ciclos.
As trilhas de conhecimento:
:: Histórias de origem
do mundo e da humanidade.
:: Calendário astronômico- ecológico,
econômico e ritual: os ciclos de vida dos
seres e o manejo do mundo.
:: Os povos indígenas e o contato com os
não índios: novas condições
de vida, luta pela autonomia e sustentabilidade.
:: Artesanato tukano e desana e sustentabilidade.
:: Técnicas alternativas de produção
e sustentabilidade.
:: Novas tecnologias de comunicação:
multimeios.
:: Gestão financeira de recursos e elaboração
de projetos.
(Fonte: Projeto Político-Pedagógico
da Escola Indigena Tukano Yupuri) (Versão
dezembro de 2008)
ISA, Melissa Oliveira .
+ Mais
Novo decreto estabelece limite
para compensação ambiental
19/05/2009 - O que era o mínimo
virou o máximo. Depois de o STF julgar inconstitucional
o piso de 0,5% do custo de um empreendimento para
compensação ambiental – com a alegação
de que o valor deveria ter como base o impacto da
obra e não o tamanho dela –, é publicado
decreto presidencial estabelecendo que a compensação
não pode superar 0,5% do valor do projeto.
Em abril de 2008, o Supremo Tribunal
Federal (STF) derrubou, em uma ação
direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta
pela Confederação Nacional das Indústrias
(CNI), parte do artigo 36 da Lei do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (Snuc),
que determinava que toda obra com significativo
impacto ambiental direcionasse, a título
de compensação ambiental, no mínimo
0,5% do valor total do empreendimento para apoiar
a implantação e manutenção
de Unidades de Conservação (UCs).
A justificativa do STF foi de que o tamanho do impacto
ambiental não tem relação necessária
com o tamanho da obra e, assim, o valor da compensação
deveria ser calculado com base no impacto concreto
avaliado no decorrer de cada processo de licenciamento
ambiental.
A decisão do STF, no entanto,
abriu um vácuo jurídico, na medida
em que anulou a regra de cálculo da compensação
sem colocar outra no lugar. Dessa forma, os órgãos
ambientais não tinham como definir o montante
a ser cobrado de cada empreendimento. Logo após
a decisão judicial, o Ministério do
Meio Ambiente (MMA) começou, então,
a elaborar uma nova regra para definir o valor,
levando em consideração a posição
do STF.
Finalmente, na última sexta-feira,
15 de maio, veio a definição. O Decreto
6.848 trouxe, porém, duas surpresas. A primeira
é que voltou a vincular o valor da compensação
ao custo da obra, exatamente o que o STF alegou
ser inconstitucional. Além disso, inverteu
o sentido da regra anterior: o que era um piso de
0,5% passou a ser o teto. Dessa forma, nenhuma obra,
independentemente do impacto que irá causar,
pagará mais de 0,5% . Para ficar ainda pior,
esse percentual passa a ser estabelecido sobre uma
base menor. O cálculo desconta custos do
licenciamento ambiental e da mitigação
de impactos sobre o meio ambiente, gastos com programas
ambientais e encargos incidentes sobre o financiamento
da obra.
Com a mudança de regras,
fica evidente o descaso do governo federal pela
conservação do patrimônio socioambiental
brasileiro. Para Raul do Valle, coordenador adjunto
do PPDS do ISA, “esse novo decreto, além
de imoral, afronta a decisão do Supremo ao
voltar a basear o valor da compensação
no do empreendimento, só que dessa vez em
claro favorecimento aos empreendedores”. Adriana
Ramos, secretária executiva adjunta do ISA,
vê no decreto mais uma demonstração
de que o governo prioriza as obras do PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento) em detrimento
da sustentabilidade: “Fica claro que os interesses
eleitorais estão falando mais alto”.