17 de Maio de 2009 - Marco Antonio
Soalheiro e Beth Begonha - Repórteres da
EBC - Brasília - O projeto de lei (PL 4791/2009)
dos deputados federais Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)
e Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que transfere a competência
da demarcação de terras indígenas
do Executivo para o Congresso Nacional e aguarda
parecer de comissões permanentes da Câmara,
é inconstitucional.
A afirmação foi feita pelo jurista
Dalmo Dallari, em entrevista veiculada no programa
Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional
da Amazônia.
“Existe um erro jurídico
fundamental no projeto. A Constituição
é muito clara quando diz que as áreas
indígenas são propriedade da União
e que é da União a responsabilidade
da demarcação. A área já
é definida como propriedade da União
e a demarcação não depende
de nenhuma legislação ou regra. É
um procedimento puramente administrativo do Poder
Executivo. Não há nenhuma necessidade
jurídica de que se faça uma lei para
isso”, disse Dallari.
O deputado Ibsen Pinheiro, por
sua vez, alega ser competência constitucional
do Congresso Nacional representar o povo brasileiro
nas questões mais complexas, entre as quais
está incluída a demarcação
de terras indígenas. No Senado também
tramita uma proposta de emenda à Constituição
(PEC), de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti
(PTB-RR), com objetivo semelhante ao do PL 4791/2009.
“O projeto do Mozarildo é
para que seja ouvido o Senado Federal [no processo
de demarcação] e, para isso, é
preciso alterar a Constituição. Mas,
para passar pelo Congresso não. Está
previsto expressamente na Constituição
sua competência para legislar sobre populações
indígenas”, argumentou Pinheiro. “O conteúdo
da decisão ficará aberto à
discussão das populações indígenas,
dos antropólogos, da Funai [a Fundação
Nacional do Índio] e até do príncipe
Charles [herdeiro do trono da Inglaterra], se ele
quiser”, acrescentou.
Apesar de ressaltar que não
é objetivo do seu projeto entrar no mérito
das demarcações, mas sim definir um
foro de discussão, o deputado disse ser preciso
pensar em um novo modelo de demarcação
de terras indígenas, em que seja considerado
um número maior de partes e priorizado o
interesse nacional.
“Precisamos de um modelo que compatibilize
todos os interesses. Temos que ter um projeto que
seja bom, em primeiro lugar, para o povo da Amazônia,
incluídos os caboclos indígenas e
lavradores. Tem que ser bom para a região
e para o Brasil. Mas não podemos aceitar
a idéia de nações desenvolvidas
que querem fazer da Amazônia um jardim botânico
para os seus passeios e das populações
indígenas um zoológico humano”, defendeu
Pinheiro.
Sem mencionar casos concretos,
Pinheiro disse que existem informações
de deslocamentos de etnias indígenas para
lugares diversos do território brasileiro
com a intenção de cobrir os maiores
espaços, o que, segundo ele, pode resultar
futuramente em tentativas de formaçãode
nações independentes.
“Não há a mínima
ameaça à segurança e à
soberania do Brasil pela ocupação
de terras pelos índios. Isso é invencionice.
O que existe é sim a fronteira sendo ultrapassada
todos os dias por traficantes de armas e drogas,
muitas vezes a uma distância pequena dos quartéis
e nunca por áreas indígenas”, rebateu
Dallari.
Questionado sobre o seu conhecimento
e familiaridade com as questões indígenas,
o Ibsen Pinheiro disse: “O tratamento que tenho
com a questão indígena é o
gosto de consultar quem conhece. Sou um tipo definido
por grande curiosidade. Mas procuro conservar como
homem público a capacidade de generalizar.”
+ Mais
Mudança em legislação
fundiária pode prejudicar índios,
quilombolas e reforma agrária
17 de Maio de 2009 - Marco Antonio
Soalheiro e Beth Begonha - Repórteres da
EBC - Brasília - A Medida Provisória
458 - que permite à União transferir,
sem licitação, terrenos de sua propriedade,
de até 1,5 mil hectares, aos ocupantes das
áreas na Amazônia Legal - , aprovada
na última semana na Câmara dos Deputados,
preocupa especialistas e movimentos sociais quanto
a um possível agravamento da ocupação
privada de terras aptas a abrigar comunidades indígenas,
quilombolas ou projetos de reforma agrária.
Outra proposta, o Projeto de Lei 4791/2009 dos deputados
federais Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Aldo Rebelo
(PCdoB), transfere a competência de demarcações
de terras indígenas do Executivo para o Congresso
Nacional.
Os temas foram debatidos em uma
série de entrevistas veiculadas no programa
Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional
da Amazônia. “Eu tenho absoluta convicção
de que a fonte desses projetos é a mesma.
São apenas canais diferentes, buscando o
mesmo resultado. A fonte desas propostas é
o agronegócio, são pessoas que querem
obter terras de graça, querem manter trabalhadores
em condições miseráveis”, criticou
o jurista Dalmo Dallari, que mantém envolvimento
histórico com a causa indígena.
O pesquisador Edélcio Vigna,
do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),
teme que a ocupação indevida de terras
na Amazônia aumente pela dificuldade de garantir
o cumprimento das regras estabelecidas na MP 458.
“Creio que essa regularização,
se não for bem monitorada e controlada por
órgãos da sociedade civil e pelo Ministério
Público, muita gente que não tem nada
a ver com a Amazônia estará ocupando
as terras e usufruindo dessa oportunidade que o
governo dá aos reais posseiros”, afirmou
Vigna.
Para a coordenadora do Fórum
Nacional pela Reforma Agrária e Justiça
no Campo, Maria da Graça Amorim, a deficiência
estrutural do Incra [o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária] poderá fazer da
MP 458 um grande equívoco. “O Incra já
tem orçamento pequeno e quadro insuficiente.
Como tirar pessoas de lá para fazer a regularização
fundiária na Amazônia? O governo está
dizendo que o pouco que tinha de reforma agrária
vai fechar as portas”, disse Maria da Graça.
Quem também demonstra preocupação
com as novas regras é o procurador da República
no Pará Felício Pontes. Ele admite
as deficiências de estrutura dos órgãos
federais na região, marcada pela grilagem
de terras, e defende como medida fundiária
mais urgente a garantia de terras para as comunidades
tradicionais.
“Os quilombolas têm lutado
muito para ter suas terras reconhecidas. Queremos
que o governo estadual e o governo federal façam
uma força tarefa para que centenas de comunidades
quilombolas tenham prioridade na titulação
de terras”, disse Pontes.
O deputado federal Asdrúbal
Bentes (PMDB/PA), relator da MP, considera naturais
as críticas ao texto aprovado diante da pluralidade
de partes interessadas na questão, mas exalta
a amplitude da legislação, que afetará
92% das posses da Amazônia Legal, nas quais
vivem mais de 1 milhão de pessoas.
“São irmãos que
foram para lá ou nasceram lá, e até
hoje vivem a ausência do Estado. Vivem nas
terras sem ter o documento, sem poder exercer sua
cidadania em plenitude. A primeira consequência
benéfica é trazer a segurança
jurídica para os que investiram e acreditaram
na Amazônia”, argumentou Bentes.
Em relação ao PL
4791/2009, que aguarda apreciação
em comissões, as críticas fazem menção
ao fato de que no Congresso Nacional, a representação
dos indígenas é incipiente se comparada
à dos produtores rurais. Essa dicotomia poderia
comprometer o reconhecimento do direito originário
dos índios sobre as terras.
“Se a demarcação
for para o Congresso Nacional, ali está a
bancada ruralista, os anti-indígenas, que
são 99% e apenas pensam no grande capital.
Vai ser um grande retrocesso para nós”, reclamou
o índio Jecinaldo Saterê Mawé
, representante da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (Coiab).
A Coiab promete protestar no Congresso
Nacional contra o projeto dos deputados Pinheiro
e Rebelo e, se necessário, ingressar com
ações na Justiça.
Para os autores, a resistência
ao projeto não se justifica, uma vez que
o texto não entra no mérito da conveniência
do tratamento dado aos indígenas pelo governo
brasileiro, mas apenas estabelece um foro para a
discussão do tema.
“Um tema dessa amplitude não
pode ser matéria para um exame setorial.
Os setores envolvidos são indígenas,
plantadores, criadores, governadores, prefeitos.
Todos são legítimos para ter posição
sobre a matéria, mas são setores.
O tema tem que ter uma avaliação global
do interesse do país”, ressaltou Ibsen Pinheiro.
“Qualquer instituição pode participar
da discussão, mas o foro adequado só
tem um, que é o Congresso Nacional, enquanto
síntese do povo brasileiro”, acrescentou.