05 de
Junho de 2009 A Ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, sai do governo Lula depois de intensa pressão
do agronegócios e daqueles que defendem o
crescimento insustentável.
São Paulo (SP), Brasil — A senadora Marina
Silva (PT-AC) enviou, nesta quinta-feira (4/6) carta
aberta ao presidente da República criticando
a aprovação da Medida Provisória
458 (a da Grilagem) pelo Senado e fazendo um apelo
para que Lula vete alguns dispositivos da MP. Marina
afirma que "os objetivos de estabelecer direitos,
promover justiça e inclusão social,
aumentar a governança pública e combater
a criminalidade" foram distorcidos no texto
da MP aprovada, abrindo brechas para "anistiar
aqueles que cometeram o crime de apropriação
de grandes extensões de terras públicas".
Segundo Marina, o presidente Lula
tem em suas mãos o poder de evitar "um
erro de grandes proporções".
Ela lembra a luta de nomes como Chico Mendes, Irmã
Dorthy e Padre Jósimo, entre outros, "que
regaram a terra da Amazônia com o seu próprio
sangue", e pede em memória deles que
o presidente Lula vete "os dispositivos mais
danosos da MP 458".
Leia abaixo a íntegra da
carta aberta enviada pela senadora Marina Silva
ao presidente da República:
Carta aberta ao Presidente da
República
Brasília, 04 de junho de
2009
Exmo. Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
DD Presidente da República
Sr. Presidente,
Vivemos ontem um dia histórico
para o país e um marco para a Amazônia,
com a aprovação final, pelo Senado
Federal, da Medida Provisória 458/09, que
trata sobre a regularização fundiária
da região. Os objetivos de estabelecer direitos,
promover justiça e inclusão social,
aumentar a governança pública e combater
a criminalidade, que sei terem sido sua motivação,
foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar
privilégios e o execrável viés
patrimonialista que não perde ocasião
de tomar de assalto o bem público, de maneira
abusiva e incompatível com as necessidades
do País e os interesses da maioria de sua
população.
Infelizmente, após anos
de esforços contra esse tipo de atitude,
temos, agora, uma história feita às
avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra
a preservação da floresta e o compromisso
que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente
que dilapida um patrimônio nacional e atenta
contra os esforços para conter o aquecimento
global.
O maior problema da Medida Provisória
são as brechas criadas para anistiar aqueles
que cometeram o crime de apropriação
de grandes extensões de terras públicas
e agora se beneficiam de políticas originalmente
pensadas para atender apenas aqueles posseiros de
boa-fé, cujos direitos são salvaguardados
pela Constituição Federal.
Os especialistas que acompanham
a questão fundiária na Amazônia
afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi
aprovada ontem, configura grave retrocesso, como
aponta o Procurador Federal do Estado do Pará,
Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai
legitimar a grilagem de terras na Amazônia
e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho
do Ministério Público Federal, no
Estado do Pará, no combate à grilagem
de terras”.
Essa é a situação
que se espraiará por todos os Estados da
Amazônia. E em sua esteira virá mais
destruição da floresta, pois, como
sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo
para a devastação ambiental.
Sendo assim, Senhor Presidente,
está em suas mãos evitar um erro de
grandes proporções, não condizente
com o resgate social promovido pelo seu governo
e com o respeito devido a tantos companheiros que
deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia.
São tantos, Padre Jósimo, Irmã
Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro – por quem
V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança
Nacional – que regaram a terra da Amazônia
com o seu próprio sangue, na esperança
de que, um dia, em um governo democrático
e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.
Em memória deles, Sr. Presidente,
e em nome do patrimônio do povo brasileiro
e do nosso sonho de um País justo e sustentável,
faço este apelo para que vete os dispositivos
mais danosos da MP 458, que estão discriminados
abaixo.
Permita-me também, Senhor
Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir
cuidados especiais na regulamentação
da Medida Provisória. É fundamental
que o previsto comitê de avaliação
da implementação do processo de regularização
fundiária seja caracterizado pela independência
e tenha assegurada a efetiva participação
da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos
do movimento ambientalista e do movimento popular
agrário.
Por tudo isso, Sr. Presidente,
peço que Vossa Excelência vete os incisos
II e IV do artigo 2º; o artigo 7º e o
artigo 13.
Com respeito e a fraternidade
que tem nos unido, atenciosamente,
Senadora Marina Silva
Vetos Solicitados à PLV
nº 9, de 2009 (proveniente da MP 458)
1. _Incisos II e IV do art. 2º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 2º Para os efeitos desta
Lei, entende-se por:
II – ocupação indireta:
aquela exercida somente por interposta pessoa;
IV – exploração
indireta: atividade econômica exercida em
imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado;
Justificativa do veto
Os incisos II e IV do artigo 2º
estabelecem a definição, para efeitos
da aplicação da lei, de ocupação
indireta e de exploração indireta.
Essas formas de ocupação
e exploração não devem ser
beneficiadas com a regularização fundiária,
pois não consideram os critérios de
relevante interesse público e da função
social da terra. Para ser coerente com o veto ao
art. 7º, a definição dessas formas
de ocupação e exploração
deixa de ter uso para a aplicação
da lei.
2. Art. 7º:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 7º Mediante processo
licitatório que assegure ao ocupante direito
de preferência, far-se-á a regularização
em área de até quinze módulos
e não superior a mil e quinhentos hectares,
com ocupação mansa e pacífica,
anterior a 1º de dezembro de 2004, efetivada
por:
I – pessoa natural que exerça
exploração indireta da área
ou que seja proprietária de imóvel
rural em qualquer parte do território nacional,
respeitado o disposto nos incisos I, III e V do
caput do art. 5º;
II – pessoa jurídica constituída
sob as leis brasileiras, anteriormente à
data referida no caput deste artigo, que tenha sede
e administração no País, respeitado
o disposto nos incisos II e III do caput do art.
5º.
Justificativa do veto
O art. 7º amplia extraordinariamente
as possibilidades de legalização de
terras griladas, permitindo a transferência
de terras da União para pessoas jurídicas,
para quem já possui outras propriedades rurais
e para a ocupação indireta.
A titulação em nome
de prepostos, que no projeto ganha a denominação
de “ocupação indireta”, é a
forma mais evidente de legalização
da grilagem. Nas últimas décadas,
a região amazônica vem sofrendo com
toda a sorte de esquemas de falsificação
de documentos em órgãos públicos
e cartórios, invariavelmente com a utilização
de prepostos que encobertam estratégias de
ocupação irregular e concentração
fundiária.
A possibilidade de titulação
para pessoas jurídicas, além de ampliar
as possibilidades de fraude, oferece um caminho
rápido e de baixo risco de burla ao disposto
no parágrafo primeiro do artigo 188 da Constituição
Federal, que condiciona à aprovação
do Congresso Nacional a alienação
ou concessão de terras públicas com
área superior a 2.500 hectares. A titulação
de 1.500 hectares a uma empresa e de outros 1.500
ao sócio proprietário dessa mesma
empresa, em área contígua, é
absolutamente compatível com o projeto aprovado
pelo Congresso, mas incompatível com a Constituição
Federal.
O art. 7º desrespeita também
o disposto no caput do artigo 188 da Constituição
Federal ao incorporar formas de regularização
completamente estranhas e antagônicas aos
objetivos da política agrária, enquanto
o comando constitucional determina que a regularização
fundiária deve ser compatibilizada a esta
3. Art. 13:
Texto do PLV nº 9, de 2009:
Art. 13. Os requisitos para a
regularização fundiária dos
imóveis de até quatro módulos
fiscais serão averiguados por meio de declaração
do ocupante, sujeita a responsabilização
nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada
a vistoria prévia.
Justificativa do veto
O Estado brasileiro não
pode abrir mão do instrumento mais importante
de controle do processo de regularização
fundiária, porque não desenvolveu
capacidade organizacional para realizar o processo
com a segurança exigida pela sociedade.
A vistoria é fundamental
para a identificação da ocupação
direta, da utilização indevida de
prepostos para ampliar os limites permitidos pelo
projeto e, principalmente, da existência de
situações de conflito na área
a ser regularizada, o que, em muitos casos, pode
significar a usurpação de direitos
de pequenos posseiros isolados, com dificuldade
de acesso a informação, de mobilidade
e de reivindicação de seus direitos.
Por meio da regulamentação,
pode ser definido procedimentos mais ágeis
de vistoria nas pequenas propriedades, de até
1 Módulo Fiscal, conferindo a eficiência
desejada na ação de regularização,
sem abrir mão dos instrumentos de controle
mínimos e da segurança necessária
para a sociedade.