Carla Lisboa - Brasília
(29/06/09) - A descoberta da cutia preta no Parque
Nacional (Parna) de Anavilhanas, no fim do ano passado,
foi um estímulo a
mais e reforçou a proposta dos analistas
ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio) que atuam na unidade
de conservação de que a região
é um local perfeito para o desenvolvimento
de pesquisas científicas, não só
pela alta biodiversidade local, mas também
por ser uma das áreas menos estudadas da
Amazônia.
Trata-se do primeiro registro de uma cutia preta
na região. De acordo com o biólogo
e analista ambiental Bruno Marchena, essa descoberta
indica que estudos em Anavilhanas podem auxiliar
na discussão científica sobre a distribuição
dessa e de outras espécies tanto da fauna
quanto da flora amazônidas.
Importantes dispersoras de sementes,
em época de escassez de alimentos, as cutias
enterram frutos e sementes para se alimentar posteriormente.
“Elas comumente esquecem onde enterraram essas sementes,
as quais germinam, muitas vezes, longe da planta-mãe,
o que é interessante para a semente, pois
ela acaba se estabelecendo longe da competição
por recursos de uma árvore da própria
espécie”, explica Marchena. As cutias são
também indispensáveis para a dispersão
de sementes de árvores importantes da região
amazônica, como a castanheira.
Além da cutia preta, a pesquisa com mamíferos,
realizada por Marchena, proporcionou o entendimento
sobre a relação entre a estrutura
da floresta e a ocorrência das espécies,
além do registro científico de oito
espécies de mamíferos ameaçados
de extinção, como médios e
grandes felinos, a ariranha, tamanduá-bandeira,
tatu-canastra e o macaco cuxiú, bem como
a constatação de mais de 30 espécies
diferentes de mamíferos.
Potencial científico –
As descobertas são resultado da parceria
inédita no âmbito das pesquisas científicas
entre a equipe gestora da unidade de conservação,
pesquisadores, universidades e institutos de pesquisa
do Amazonas. Em 2006, a equipe do Parna constatou
que Anavilhanas sempre teve grande potencial para
a pesquisa.
Depois de intenso trabalho de
aproximação com a comunidade científica,
firmou um acordo com dez instituições
e com dez pesquisadores autônomos da Amazônia
para desenvolvimento de pesquisas no parque sobre
fauna, flora, clima, recursos hídricos, geomorfologia,
socioeconomia, educação, Sistema de
Informações Geográficas (SIG),
uso público e patrimônio cultural material
e imaterial.
Em conjunto, essas equipes inauguraram
o primeiro Comitê Técnico-Científico
(CTC-Anavilhanas) de uma unidade de conservação
no País, revisaram o Programa de Conhecimento
de Anavilhanas e atualizaram o Plano de Manejo.
Menos de três anos depois vieram os resultados.
Parceira com universidades – A
parceira com a Universidade Federal da Amazônia
(Ufam) e com o Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia (Inpa) reverteu-se em um elevado
número de pesquisas em andamento em Anavilhanas.
Marchena disse que em apenas dois anos houve mais
pesquisas do que nos últimos dez anos de
história da unidade de conservação.
Os novos registros de fauna e
de flora e a aproximação com a comunidade
científica intensificaram a busca pela unidade
para desenvolvimento de pesquisa e para realização
de cursos de graduação e de pós-graduação,
congressos e workshops científicos.
Mais de 100 estudantes passaram
pelo Parna no ano passado. A Ufam levou várias
turmas do curso de graduação em Ciências
Biológicas para aulas de campo, com a orientação
do professor Thierry Gasnier, integrante do CTC-Anavilhanas.
A unidade sediou também o curso de Biologia
da Conservação do Programa de Pós-Graduação
de Diversidade Biológica, ministrado pelo
professor da Ufam e integrante do CTC, Ronis da
Silveira. Esse curso capacitou cerca de 20 estudantes
de mestrado e doutorado.
Durante o programa, foram discutidos
diversos temas, como conservação biológica,
gestão de unidade de conservação,
genética da conservação, bem
como a realização de trabalhos de
campo. Os estudantes chegaram a participar da reunião
do Conselho Consultivo do Parque Nacional. Todo
ano Anavilhanas recebe o Curso de Ecologia da Floresta
Amazônica, organizado pelo professor e pesquisador
do Inpa, José Luis Camargo, também
do CTC, que reúne estudantes de todo o Brasil.
Na avaliação de
Marchena, as parcerias são uma forma de a
unidade cumprir seu papel de educadora ambiental.
No ano passado, ela abrigou também estudantes
de graduação e de pós-graduação
de outras universidades e institutos de pesquisa
e sediou o Congresso Internacional de Herpetologia,
que reuniu cientistas do mundo todo.
Dentre os vários estudos
em andamento advindos da parceria, o Inpa destaca-se
com uma pesquisa para descobrir o impacto da extração
ilegal da madeira no arquipélago. Por intermédio
do Comitê Técnico-Científico,
a pesquisadora membro do CTC, Flávia Costa,
após conhecer os problemas enfrentados pelo
parque, estimulou sua orientanda a abordar e pesquisar
os problemas oriundos da extração
ilegal da madeira na unidade.
Flora em extinção
– Considerado um dos maiores problemas do parque
nacional, a extração ilegal é
objeto de pesquisa da mestranda Andressa Scabin,
do Inpa. Ela busca vestígios da extração
ilegal das espécies de madeiras mais exploradas
na região, como as ucuúbas (Virola
spp.), o arapari (Macrolobium acacifolium), a jacareúba
(Callophylum brasiliensis) e as seringueiras (Hevea
spp.). Todas estão bastante ameaçadas
localmente, mas a mais procurada pela indústria
moveleira e pela construção civil
é a ucuúba.
Largamente usada em construções
provisórias, a ucuúba é usada
em arquitetura de interiores, na fabricação
de compensados e de embalagens e em canteiros de
obra: serve como tapume, contentor de cimento, palco,
dentre outras. É uma árvore que atinge
60 metros de altura e, atualmente, consta da lista
de espécies em perigo de extinção
do IUCN. Mais de 40% das ilhas de Anavilhanas foram
saqueadas para retirada dessa madeira.
A proposta de Scabin é
mensurar a estrutura etária das espécies,
o que vai resultar na identificação
das áreas em que as populações
dessas espécies estão em processo
de regeneração, na localização
dos estoques restantes dessas madeiras, na verificação
das áreas mais impactadas pelo corte ilegal.
A pesquisadora já descobriu que a parte sul
do arquipélago é a mais impactada,
principalmente nas áreas próximas
às comunidades, e que a distribuição
natural dessas árvores também influencia
toda a cadeira produtiva da extração
ilegal de madeira.
Turismo afeta aves migratórias – Também
consequência da parceria, um estudo na área
de ecologia realizado pela pesquisadora do Inpa,
Rebecca Zarza, coordenado pelo pesquisador Renato
Cintra e iniciado no ano passado, já indicou
que o turismo desordenado nas praias de Anavilhanas
pode afetar a reprodução e o sucesso
de vida dos filhotes das aves migratórias.
A proposta da equipe gestora do parque é
que nas principais praias de reprodução
dessas espécies, a visitação
seja voltada apenas para o avistamento das aves,
sem que haja o desembarque dos visitantes.
A 40 quilômetro de Manuas,
Anavilhanas tem mais de 140 mil ha em terra firme
e mais 210 mil ha de arquipélago. Além
da extração ilegal de madeira, a região
sofre com a caça predatória, principalmente
de mamíferos, aves e quelônios. Além
de Manaus, a unidade está bem próxima
do município de Novo Airão, com cerca
de 15 mil habitantes, e de mais 64 comunidades ribeirinhas.
Em 1981, o governo federal criou
a Estação Ecológica de Anavilhanas
com mais de 350 mil hectares. O rio Negro serpenteia
entre as mais de quatrocentas ilhas do arquipélago
e se ramifica em centenas de igarapés, canais
e 600 lagos. Em 2008, a estação ecológica
foi recategorizada para parque nacional por causa
do potencial turístico que apresenta e está
em processo de elaboração de seu Plano
Emergencial de Uso Público, que será
também analisado pelo Comitê Técnico-Científico,
para unir, de forma exemplar, a pesquisa com a gestão
do parque nacional.
Ascom/ICMBio