Esse é um dos alertas apontados
pelo livro ‘Plantas Raras do Brasil’, que será
lançado hoje na Bahia; publicação
sintetiza trabalho de 175
cientistas que identificaram mais de duas mil espécies
de distribuição restrita no país
Brasília, 02 de julho de
2009 — Em um momento delicado para o país
no que diz respeito aos rumos de sua política
socioambiental, o livro Plantas Raras do Brasil
surge como uma contribuição científica
valiosa para amparar ações efetivas
de conservação ambiental e serve,
ao mesmo tempo, como um sinal de alerta para a situação
de vulnerabilidade em que se encontra parte importante
da biodiversidade nacional. Resultado de um intenso
esforço de pesquisa que reuniu, ao longo
de dois anos, a experiência de 175 cientistas
de 55 instituições nacionais e internacionais,
a obra identifica 2.291 espécies de plantas
que são exclusivas do território nacional
e que têm distribuição pontual,
ou seja, restrita a uma área de ocorrência
de até 10 mil km². As distribuições
dessas espécies ajudaram também a
delimitar as 752 áreas consideradas estratégicas
para garantir a conservação da diversidade
dessa flora.
Fruto de uma parceria entre a
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
e a Conservação Internacional, a publicação
será lançada hoje (02/07) durante
o 60° Congresso Nacional de Botânica,
em Feira de Santana (BA). As conclusões do
livro denotam a necessidade de ações
concretas para evitar a extinção de
espécies no Brasil e configuram contribuição
importante para a Lista de Espécies de Plantas
do Brasil, em fase de elaboração.
Podem também reacender o debate ocorrido
no ano passado quando o Ministério do Meio
Ambiente anunciou a divulgação da
Lista Oficial das Espécies da Flora Brasileira
Ameaçadas de Extinção, que
considerou 472 espécies enquanto um consórcio
de cerca de 300 especialistas indicava 1.472. Alessandro
Rapini, professor do Departamento de Biologia da
UEFS e um dos organizadores da obra, alerta que
a situação da nossa flora pode ser
mais grave do que os números oficiais apontam.
“O número total de espécies reconhecidas
nesse levantamento significa cerca de 4 a 6% de
todas as espécies de angiospermas (subdivisão
do reino vegetal que compreende as plantas com flores)
do país e, dada a área restrita de
ocorrência, muitas delas podem ser consideradas
ameaçadas de extinção”, comenta
Rapini. Segundo ele, o que mais preocupa os cientistas
nesse momento, no entanto, são aquelas espécies
raras que ainda sequer foram detectadas. “Essas,
sim, se encontram completamente desamparadas, correndo
risco eminente de desaparecerem antes mesmo de serem
descritas”, avalia.
Maria José Gomes de Andrade,
co-organizadora do livro, ressalta que o número
de espécies raras e de áreas consideradas
estratégicas no Brasil é certamente
maior do que o apontado no livro. Isso se deve ao
fato de algumas famílias não terem
sido incluídas nessa edição
ou não terem sido completamente analisadas
devido ao grande número de espécies.
“É o caso, por exemplo, da família
Asteraceae, que tem cerca de 30 mil espécies,
das quais 2.000 ocorrem no Brasil. Temos que considerar,
ainda, o grande o número de novas descrições
ocorridas nos últimos anos, em estudos taxonômicos
e florísticos”, pontua.
Em 496 páginas, o livro
traz um catálogo completo com informações
sobre as famílias (são ao todo 108,
dentre as 177 analisadas) e suas espécies
detalhando dados e distribuição de
cada uma, além de um acervo fotográfico
com 113 imagens e um capítulo especial, sobre
as áreas-chave para a biodiversidade (ACBs),
organizadas por região geográfica.
ACBs e estratégias de conservação
– As áreas-chave para biodiversidade, ou
ACBs, são lugares de relevância biológica
detectados e delineados a partir da presença
de espécies raras (distribuição
restrita), endêmicas (exclusivas de uma determinada
região) ou ameaçadas de extinção.
No escopo da Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), as ACBs devem ser os alvos
preferenciais dos governos para atividades integradas
de conservação, pois há o compromisso
global de proteger, até 2010, grande parte
dessas áreas contra a degradação.
No caso das 752 ACBs identificadas a partir da presença
de espécies raras de plantas, elas cobrem
16,3% do território nacional, o que equivale
a cerca de 140 milhões de hectares. Cerca
de 47% apresentam alto grau de degradação,
com mais de 50% de suas áreas já alteradas
por atividades humanas diversas. Em contraste, somente
7,8% das ACBs possuem mais de 50% de suas áreas
em unidades de conservação ou terras
indígenas, indicando lacunas importantes
no sistema nacional de áreas protegidas.
José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente
de ciência para a América do Sul da
Conservação Internacional e co-organizador
da obra, ressalta que a situação dessas
ACBs é preocupante. “A combinação
desses dois indicadores nos traz uma mensagem explosiva:
se nada for feito rapidamente, estamos produzindo
um evento de mega-extinção de plantas
brasileiras, que pode aniquilar em poucas décadas
o produto de milhões de anos de evolução
e criar um embaraço diplomático para
o Brasil, um dos primeiros signatários da
CDB, pois o governo brasileiro se comprometeu a
fazer todos os esforços para evitar a perda
de espécies no país”, declara.
Ele defende que, em um momento
em que setores da sociedade tentam mudar as regras
ambientais para facilitar a expansão das
atividades agropecuárias em detrimento dos
ecossistemas naturais brasileiros, as informações
geradas pelo livro demonstram que o princípio
da precaução deve ser adotado pela
sociedade brasileira. Silva enumera quatro fatores
em defesa da tese de que o país deveria ter
a maior parte de seu território protegido
como unidades de conservação, terras
indígenas, reservas legais ou áreas
de proteção permanente: (a) a população
brasileira, mesmo a residente nas grandes cidades,
depende dessas áreas para garantir a sua
segurança climática, alimentar e econômica;
(b) ao contrário dos países do hemisfério
norte, o Brasil é um país megadiverso,
com milhares de espécies únicas compondo
o patrimônio biológico público
do país; (c) como demonstra o livro, muitas
espécies apresentam distribuição
pequena, ainda que estejam espalhadas pelo território
nacional, o que exige, por conseqüência,
uma extensão maior de terras para protegê-las
em sua integridade; e (d) o valor econômico
atual e potencial dos recursos genéticos
e dos serviços ambientais existentes nos
ecossistemas naturais brasileiros ainda não
foi devidamente estimado por falta de investimentos
específicos para esse fim.
A legislação que
orienta o uso da terra no Brasil deve tomar como
princípio o uso efetivo e sem desperdícios
dos recursos biológicos brasileiros que,
segundo a constituição, são
bens públicos e não privados. “É
um contra-senso dilapidar o patrimônio público
para aumentar o patrimônio privado. Cabe ao
governo criar regras em que os investimentos privados
irão agregar valor ao patrimônio público
brasileiro, e não o contrário”, argumenta
Silva. Para ele, qualquer mudança nas regras
atuais deve ser feita com muito cuidado e com base
em dados científicos de alta qualidade. “Se
o Brasil tivesse um programa de pesquisa sólido
e bem articulado em biodiversidade e serviços
ambientais com investimentos na mesma magnitude
dos programas criados para mapear os recursos naturais
não-renováveis, já estaríamos
bem avançados em nosso dever de casa e o
aparente conflito entre os empresários do
setor agropecuário e ambientalistas deixaria
de existir, pois as decisões poderiam ser
tomadas de forma clara e transparente à luz
de dados científicos concretos”, esclarece.
Flora nacional – Estima-se que
o Brasil detenha cerca de 15% de toda a flora mundial
e sabe-se que as espécies de plantas raras
não estão homogeneamente distribuídas
ao longo do território nacional. A Região
Sudeste é a que apresenta a maior média,
com destaque para os estados do Rio de Janeiro e
Espírito Santo, enquanto a Região
Sul registra o menor índice. Os estados campeões
em número de espécies raras são
Minas Gerais (550) e Bahia (484). O conhecimento
sobre a nossa flora tampouco é homogêneo.
“Lacunas nos âmbitos geográfico e taxonômico
podem influenciar de maneira considerável
a nossa visão sobre a distribuição
das espécies e, conseqüentemente, sobre
as áreas relevantes para conservação
da biodiversidade”, avalia Rapini.
Ameaças e desafios - As
ameaças à flora brasileira são
muitas e ocorrem nas diferentes regiões brasileiras.
Vão desde o uso não sustentado de
seus componentes, até a retirada total da
vegetação para dar lugar à
expansão da agricultura mecanizada, de pastagens
e de áreas urbanas, passando pela construção
de estradas e pressão imobiliária,
dentre outros. Ana Maria Giulietti, co-organizadora
do livro, chama a atenção para o dilema
desenvolvimento x conservação, especialmente
crítico no atual contexto do planeta, com
a iminência do aquecimento global. “O Brasil,
pela riqueza de sua flora e pelo forte contraste
cultural entre os habitantes ao longo do território,
precisa utilizar estratégias de desenvolvimento
que contemplem a melhoria da qualidade de vida de
seu povo, com a conservação da nossa
biodiversidade. Assim, informações
científicas e bem embasadas como as desse
livro, certamente ajudarão para a proposição
de providências concretas por parte do poder
público para evitar a extinção
das espécies de plantas no Brasil e conservar
o patrimônio natural brasileiro, promovendo
o uso sustentável dos recursos naturais”,
enfatiza.
Sobre a Conservação
Internacional (CI-Brasil)
A Conservação Internacional (CI) foi
fundada em 1987 com o objetivo de conservar o patrimônio
natural do planeta - nossa biodiversidade global
- e demonstrar que as sociedades humanas são
capazes de viver em harmonia com a natureza. Como
uma organização não-governamental
global, a CI atua em mais de 40 países, em
quatro continentes. A organização
utiliza uma variedade de ferramentas científicas,
econômicas e de conscientização
ambiental, além de estratégias que
ajudam na identificação de alternativas
que não prejudiquem o meio ambiente. A Conservação
Internacional (CI-Brasil) tem sede em Belo Horizonte
- MG. Outros escritórios estão estrategicamente
localizados em Brasília-DF, Belém-PA,
Campo Grande-MS, Salvador-BA e Caravelas-BA.
Sobre a Universidade Federal de
Feira de Santana (UEFS)
Criada em 1970, a Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS) está localizada na porta
do semi-árido baiano e consolida um importante
legado para a região. Possui cerca de 8 mil
alunos em 23 cursos de graduação,
8 cursos do Programa de Formação de
Professores, pós-graduação
lato sensu (15) e stricto sensu (10 mestrados e
02 doutorados), 300 projetos de pesquisa, 121 grupos
de pesquisa cadastrados no CNPq e mais de 300 bolsas
de iniciação científica. O
Departamento de Ciências Biológicas
é responsável pelo Curso de Ciências
Biológicas e por quatro programas de Pós-Graduação:
Botânica (M/D), Biotecnologia (M/D), Recursos
Vegetais (M) e Zoologia (M). O Programa de Pós-Graduação
em Botânica foi estabelecido em 2000 e tem
hoje nível 5 junto à Capes, com enfoque
de pesquisa no semi-árido nordestino. Suas
dissertações e teses estudam a diversidade
das plantas e dos fungos e utilizam metodologias
variadas para conhecer a taxonomia e a filogenia
dos diversos grupos, associados a estudos genéticos
e populacionais, além da ecologia e fisiologia
dessas plantas. Já é um importante
programa de formação de pessoal e
vem constituindo um referencial para outras instituições
do Nordeste, especialmente da Bahia. A UEFS ocupa
lugar de destaque entre as universidades não
estado, mantendo um quadro de 636 funcionários
técnico-administrativos e 903 docentes efetivos,
sendo 34% doutores e 44% mestres. Do total de docentes,
51% estão em regime de dedicação
exclusiva.