23/07/2009
- Este foi o compromisso do Presidente em reunião
com representantes de movimentos sociais na manhã
de ontem (22/7). Apesar disso, o leilão para
concessão da hidrelétrica está
anunciado para este ano, ainda que os estudos de
viabilidade não tenham sido sequer concluídos.
Os representantes dos movimentos sociais destacaram
os riscos da usina e pedem reavaliação
do projeto, considerando os verdadeiros custos socioambientais
da obra.
O Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva recebeu na manhã
de ontem (22/7) representantes de movimentos sociais
do Xingu, procuradores da República, o bispo
da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), Dom Erwin Kraütler,
e cientistas, e ouviu reivindicações
para que seja feita uma adequada avaliação
dos impactos socioambientais e dos custos financeiros
da construção da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, para
só depois decidir sobre a implantação
ou não do empreendimento.
O processo de licenciamento ambiental
da obra está parado, em função
de decisão judicial que reconheceu que os
estudos ambientais aceitos pelo Ibama estavam incompletos.
Assim, não há prazo previsto para
concluir a avaliação de viabilidade
ambiental e nem para discutir com a sociedade os
possíveis impactos que seriam causados. Apesar
disso, o governo já anunciou que o leilão
de Belo Monte deve ocorrer até o final de
outubro, de acordo com informações
publicadas pela Agência Estado, em 21/7/2009.
O procurador Rodrigo Timóteo Costa e Silva,
do Ministério Público Federal do Pará,
em Altamira, que participou da reunião, disse
que a conversa abriu nova oportunidade de diálogo:
“Tivemos a possibilidade de verificar que o empreendimento
não é uma decisão política
fechada, que pode e será discutida”.
Segundo Dom Erwin Krautler, presidente
do Cimi, Lula disse que quer ver a análise
dos movimentos sociais sobre os estudos entregues
e que o projeto não será empurrado
"goela abaixo": "Ele repetiu 4 vezes
que não vai enfiar Belo Monte goela abaixo.
E a goela é nossa, de quem vive no Xingu.
Também afirmou que esta não foi a
última reunião".
Na reunião, foi apresentada
uma carta que questiona, por exemplo, como ficará
a navegabilidade no Rio Xingu e para onde irão
as cerca de 20 mil pessoas que serão deslocadas
em conseqüência do enchimento dos reservatórios
do Xingu e dos Canais. Leia aqui o documento na
íntegra.
Saldo positivo
O coordenador de atividades de
campo na Terra do Meio (PA), do Programa Xingu do
ISA, Marcelo Salazar, argumenta que uma obra que
pode causar tantos impactos na região e na
imagem do País não pode ser decidida
sem um diálogo profundo com a sociedade:
“Não pode seguir sem a real avaliação
de sua viabilidade, sem a análise efetiva
dos estudos realizados, sem a garantia da internalização
de todos os custos de mitigação dos
impactos socioambientais que a obra gerará
caso seja aprovada. É uma decisão
que deve envolver as populações locais
e toda a sociedade brasileira, pois é nosso
patrimônio cultural, ambiental e econômico
que está em jogo”.
Para o professor Célio
Bermann, da USP, a reunião foi histórica:
“O saldo positivo foi que o Presidente colocou em
dúvida a viabilidade do empreendimento. Em
função do que foi apresentado pelos
movimentos sociais e pela assessoria técnica,
ele determinou que o projeto seja reavaliado”. Bermann
disse que pela primeira vez os técnicos dos
setor elétrico receberam um puxão
de orelha, de forma que o projeto não seguirá
da maneira que foi concebido: “Cabe ao governo agora
proceder ao reexame do projeto e com isso, chegar
a uma solução que leve em consideração
a população ribeirinha, os agricultores
familiares e as populações indígenas,
já que o Presidente entendeu que, no projeto
atual, elas não estão sendo adequadamente
consideradas”.
Povos indígenas querem
consulta prévia
Um dos pontos levados ao Presidente
diz respeito à viabilidade econômica
do empreendimento. Não se sabe até
hoje, por exemplo, qual o real custo da obra, pois
a Eletronorte fala em R$ 7 bilhões , mas
análises de empresas do setor falam em até
R$ 30 bilhões. Com isso, não se sabe
qual será o custo da energia gerada, e ainda
mais se se levar em conta que, embora a Eletronorte
afirme que a hidrelétrica produzirá
11.233,1 MW, o EIA/Rima registra que a potência
média real será de 4.462,3 MW.
Na audiência, as lideranças
indígenas presentes entregaram um requerimento
para a realização de consulta livre,
prévia e informada com os povos que serão
atingidos pela obra (leia mais sobre o requerimento
entregue pelos indígenas), já que
isso não ocorreu quando o Estudo de Inventário
Hidrelétrico do Rio Xingu foi aprovado pela
Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) sem a devida consulta aos povos, como determina
a Convenção 169 da OIT e a Constituição
brasileira.
"Nossos antepassados que
estão ali dentro daquela terra, nosso sangue
está dentro da terra e temos que passar essa
terra com a história dos antepassados para
os nossos filhos. Não queremos brigar, mas
estamos prontos para brigar pela nossa terra se
formos ameaçados. Queremos viver na nossa
terra em paz com as coisas que temos lá,"
disse José Carlos Arara, liderança
da Terra Indígena Arara da Volta Grande.
O sonho de Lucimar
O agricultor Lucimar Barros da
Silva, do Km 27 de Ramal dos Penas, um dos participantes
da reunião, disse que sonhou com este encontro
e anotou o que falaria ao Presidente:
"Ontem eu tive um sonho que
estava falando com um homem de gravata, acordei
às 4 horas da manhã e fui correndo
pegar uma caneta para escrever. O que eu falei no
sonho foi: "O governo federal e estadual tem
que barrar essas grandes empresas que só
querem destruir a natureza destruir a vida dos agricultores
que vieram de todas as regiões do Brasil
para sobreviver aqui na Amazônia. Nós
agricultores não podemos ser destruídos
pelas aguas do Xingu e o Xingu não pode ser
mudado para outro local até porque é
um pecado mudar o que Deus fez tão bonito
para nós usarmos e não para abusarmos.
Deus deu inteligência para o homem, que já
sabe que pode usar vento, que não agride
a natureza, usar o Sol e seus raios solares também
sem destruir ou deslocar. Deus deu inteligência
ao homem para que ele use e não abuse, não
devemos ser injustos com Deus. Devemos buscar amar
e respeitar para que ele não mude de idéia
e sempre nos dê mais saúde e paz sem
guerras para que nós possamos viver todos
muito felizes."
+ Mais
Indígenas pedem a Lula
realização de consulta prévia
para usina de Belo Monte
23/07/2009 - Lideranças
indígenas entregaram ontem (22/7) ao Presidente
da República um requerimento de realização
de consulta livre, prévia e informada com
os povos indígenas que serão atingidos
pela construção da usina hidrelétrica
de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará.
Os líderes indígenas Ozimar Pereira
Juruna, da Terra Indígena (TI) Paquiçamba,
e José Carlos Ferreira da Costa Arara, da
Volta Grande do Xingu, representando as 17 comunidades
indígenas que serão afetadas com a
construção da usina de Belo Monte,
manifestaram suas preocupações quanto
aos impactos da obra sobre suas vidas (tais como
a seca de rios, falta de água potável,
escassez de pesca, desmatamento e outros decorrentes
da grande migração na região),
e à necessidade de que tais custos sociais
sejam levados em consideração na avaliação
da viabilidade de Belo Monte. (Leia mais sobre a
reunião com Lula).
Pedem a realização
de consulta live, prévia e informada aos
povos indígenas que serão impactados
pela hidrelétrica. De acordo com o disposto
no art.6o. da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho(OIT), reafirmado pela
jurisprudência do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos e pela Convenção
da Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas
(arts. 19 e 32), os afetados pelo Aproveitamento
Hidrelétrico (AHE) Belo Monte devem ser consultados
antes das decisões do Poder Executivo e do
Poder Legislativo sobre a obra.
O requerimento entregue a Lula
esclarece que o direito de consulta livre, prévia
e informada deve ser feito com os indígenas;
não se confunde com a participação
indígena em procedimentos administrativos
da Fundação Nacional do Índio
(Funai), nem substitui a realização
de audiência pública do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) – art.3º da Resolução
237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O direito de consulta visa a atender às particularidades
desses povos, respeitando suas maneiras de tomar
decisões e suas formas de organização
social, além da especial relação
que guardam com suas terras.
O documento destaca que esse direito
de consulta constitui importante mecanismo para
que o Estado encontre o ponto de equilíbrio
entre a garantia de direitos sociais e culturais
dos povos indígenas, a proteção
do meio ambiente, os interesses e direitos dos demais
setores sociais envolvidos, e os interesses econômicos
em questão.
O requerimento é direcionado
ao Presidente Lula, visto que de acordo com o art.
3º do Decreto Legislativo 788/2005, compete
ao Poder Executivo adotar as medidas para a implantação
do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte,
depois de aprovados os estudos determinantes para
viabilizar o empreendimento. Por ser Belo Monte
uma obra que faz parte do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), sob responsabilidade do Governo
Federal, de acordo com a Convenção
169 da OIT, cabe ao representante deste consultar
os povos indígenas afetados.
Ressalta o texto que além
de constituir um direito dos povos indígenas
- protegido nacional e internacionalmente como direito
fundamental para a garantia da dignidade humana,
da tradição e cultura dos povos indígenas
- o direito de consulta é reconhecido na
política operacional de entidades multilaterias,
como o Banco Interamericano de Desenvolvimento,
e, portanto, reflete também o comprometimento
político dos Estados nacionais com os povos
indígenas.
Assim, trata-se de oportunidade
pioneira para que o Estado brasileiro, por meio
da Presidência, adote medidas concretas para
cumprir com suas obrigações nacionais
e internacionais de direitos humanos, a partir da
realização da consulta aos povos indígenas
sobre a decisão da implementação
do AHE Belo Monte. Os resultados dessa consulta
deverão ser contemplados na decisão
administrativa e espera-se que o direito de consulta
seja verificado antes da concessão da licença
prévia pelo Ibama e da elaboração
do edital de leilão da obra.
ISA, Erika Yamada.