16/09/2009 - Foram quatro audiências
sobre o Aproveitamento Hidrelétrico(AHE)
de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará, que revelaram
as fragilidades dos estudos e
diversas lacunas no processo de licenciamento. Foram
solicitadas novas audiências de outubro a
fevereiro de 2010 e os primeiros resultados podem
determinar a realização do leilão
ainda este ano.
A primeira audiência pública
sobre a construção da usina de Belo
Monte no Rio Xingu realizou-se em 10/9, na pequena
cidade de Brasil Novo, 40 quilômetros distante
de Altamira, na região da Transamazônica.
Durante quase seis horas foram realizadas apresentações
superficiais e questionamentos diversos da população,
com respostas quase sempre insatisfatórias.
A discussão sobre os impactos ambientais
do projeto, uma das mais polêmicas obras do
PAC foi pobre. Adhemar Palloci, da Eletrobrás,
Valter Cardeal, da Eletronorte, pesquisadores da
Leme Engenharia e técnicos do governo federal,
apresentaram os estudos para cerca de 600 pessoas.
Omissões e falta de respostas marcaram esta
e as audiências que se seguiram.
O rito da audiência pública
prevê que a população faça
perguntas por escrito - máximo de uma página
em formulário específico fornecido
pela organização - ou oralmente, em
até três minutos. O Procurador da República
em Altamira, Rodrigo Timóteo Costa e Silva,
responsável por fiscalizar o licenciamento
de Belo Monte, apresentou sete questões objetivas
relacionadas à saúde, educação
e ordenamento fundiário. E a resposta dos
técnicos foi que os detalhes estavam nos
Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Como se sabe,
os EIA são estudos aprofundados, volumosos
e com linguagem técnica. Justamente por isso
se fazem audiências públicas, para
facilitar a compreensão por parte dos leigos.
O EIA de Belo Monte tem 20 mil páginas em
36 volumes.
“As apresentações
foram muito bem produzidas, profissionais, com fotos
e vídeos, mostrando os diversos benefícios
do empreendimento, porém não apresentaram
com clareza os impactos previstos, possíveis
problemas e mitigações de forma mais
específica em cada uma das regiões
nas quais as audiências foram realizadas –
o mesmo modelo de apresentações foi
utilizado em todas”. avaliou Marcelo Salazar, coordenador
de atividades de campo na Terra do Meio (PA), do
Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA).
As perguntas feitas por representantes
dos movimentos sociais, políticos, empresários
e Ministério Público mostraram que
a população tem dúvidas diretas
e relevantes sobre o empreendimento. Houve muito
questionamento a respeito da mão de obra
a ser empregada nas obras e quais as garantias de
realizar ações de melhoria para a
região. A população mostrou
preocupação quanto à qualificação
dos moradores da região para ocupar os postos
de trabalho que seriam gerados e o tempo necessário
para promover tal formação. Apesar
de afirmarem que há previsão de programas
de treinamento, os técnicos não foram
capazes de especificar os investimentos a serem
realizados ou listar os tipos nem a duração
dos treinamentos, alegando que o detalhamento desses
programas se dará após a licença
prévia.
“Não senti nenhuma segurança
porque as perguntas da população não
foram respondidas. Nem para explicar o que vai acontecer
com as praias de Brasil Novo e de Altamira (provavelmente
alagadas pela usina), eles serviram. Além
disso, eu conheço quase todos os agricultores
do município e fiquei surpresa de não
ver praticamente nenhum conhecido na audiência.
A maioria dos presentes eram empresários
de Altamira e de Belém. O Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) não se preocupou em garantir a presença
das pessoas que realmente serão atingidas”,
afirmou Antônia Martins, coordenadora do Movimento
de Mulheres da região.
+ Mais
Vitória do Xingu sem respostas
No dia 12 de setembro, em Vitória
do Xingu, mais de 1.500 pessoas se reuniram no ginásio
da cidade para a apresentação do Estudo
de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório
de Impacto Ambiental (Rima) da hidrelétrica.
Foram quase dez horas de debate sob forte policiamento:
cerca de 300 policiais garantiam a segurança.
A audiência foi marcada por questionamentos,
preocupações e reclamações
sobre a metodologia, e,sobretudo, pela falta de
respostas esclarecedoras por parte da mesa diretora,
composta da mesma maneira que a audiência
de Brasil Novo, sem o representante do MPF.
Poucos indígenas e moradores
das áreas rurais que serão impactadas
pelo empreendimento estiveram presentes, devido
a dificuldades de deslocamento e falta de transporte,
o que foi motivo de muitas reclamações.
O depoimento de Clarisse Gouveia
Morais, moradora da área onde serão
construídos os canais de derivação
e o reservatório dos canais, resumiu bem
o sentimento de centenas de famílias de agricultores
familiares e ribeirinhos que terão que ser
removidos de suas terras: “Moeda nenhuma pagará
minha vida de trabalho, de muito sofrimento e suor.
Não tenho vontade de sair daqui para ir para
outras terras recomeçar tudo novamente. O
que consegui é pouco mas é o que dá
sustento aos meus dois filhos. Quero continuar na
minha terra, mantendo minha vida e meu serviço
e por isso não quero essa hidrelétrica
da morte. Não agüento mais, eu vivo
da agricultura, eu não tenho estudo para
ocupar nenhum emprego. Vocês nunca conseguirão
pagar o que tenho aqui”.
O procurador do MPF em Altamira,
Rodrigo Timóteo, registrou mais uma vez seu
protesto contra os regulamentos da audiência,
que só permitem três minutos para manifestação
dos moradores e não colocaram na mesa o representante
do Ministério Público Federal, que
tem de fiscalizar o processo: “É insuficiente
e anti-democrático e não permite que
as pessoas esclareçam suas dúvidas”,
disse. Também cobrou da mesa diretora, esclarecimentos
a respeito do número de empregos efetivos
após o término das obras e a previsão
de empregos para os moradores da região.
Cardeal e Palocci informaram que após 10
anos de obra restarão aproximadamente mil
empregos e que cerca de 8 mil pessoas da região
do Xingu, composta por 11 municípios, teriam
capacidade para ocupar algum posto de trabalho.
Participaram das audiências
pesquisadores da Universidade Federal do Pará
(UFPA) e de outras instituições de
pesquisa do País. Todos se queixaram da falta
de tempo para estudar o EIA e apresentaram uma série
de falhas, tanto na metodologia empregada quanto
nos resultados e previsão de impactos para
a região. Sônia Magalhães, professora
da UFPA, que faz pesquisa há mais de 20 anos
com populações atingidas por barragens,
ressaltou que um dos principais problemas é
que a população que vive à
jusante das barragens não é considerada
pelo setor elétrico nacional como impactada.
O setor elétrico parte do princípio
de que somente as pessoas que vivem nas áreas
alagadas pelos reservatórios são passíveis
de compensação e objeto de planos
de mitigação. No entanto, as comunidades
à jusante sofrem alterações
importantíssimas no seu modo de vida e na
segurança alimentar e cultural. Ela alerta
que 72,9% dos moradores das comunidades da Volta
Grande do Xingu, que teria sua vazão drasticamente
reduzida para a formação do reservatório
dos canais, vivem do rio e se alimentam dos peixes.
Segundo ela, os estudos realizados não permitem
afirmar que haverá água suficiente
para garantir as mesmas condições
ecológicas de hoje.
Hermes Fonseca, doutor em ecologia
e professor da UFPA, afirmou que, além das
preocupações que encontrou com a leitura
do EIA, ficou insatisfeito pela falta de clareza
das informações durante o período
de respostas. Foi difícil para ele, por exemplo,
conseguir que os membros da mesa diretora dissessem
que a energia firme que será produzida é
menos da metade da energia anunciada na apresentação
feita pela Eletrobrás, de 11.233 MW. Outra
preocupação foi com o grau de conhecimento
dos presentes: “A população estava
desinformada sobre detalhes fundamentais do projeto
mesmo depois da apresentação e se
mostrou insegura sobre impactos e medidas mitigatórias.”
Antônia Martins, coordenadora
do Movimento de Mulheres, falou de sua indignação
com respeito ao forte policiamento presente durante
toda a audiência, relembrando lideranças
que foram assassinadas na região: “Se uma
pequena parte desses policiais garantisse a segurança
da população nesta região de
forma permanente, agricultores familiares não
seriam vítimas da violência no campo”.
Em Altamira, indígenas
exigem consulta prévia
No domingo último 13/9,
foi a vez de Altamira. A audiência, marcada
por forte mobilização social contrária
à barragem e um pequeno grupo favorável
que vestia camisetas onde se lia “Eu quero Belo
Monte”, durou mais de doze horas, terminando às
3h30 da madrugada. As manifestações
intensas dos movimentos sociais incluíram
a queima de um boneco do presidente da Eletrobrás,
Muniz Lopes, na parte externa do ginásio.
Tudo ocorreu sob forte proteção policial,
provavelmente pelo medo das autoridades de que se
repetisse o incidente com engenheiro da Eletronorte,
ocorrido em maio de 2008, no mesmo local, durante
encontro para debater a sustentabilidade da Bacia
do Xingu incluindo a construção de
hidrelétricas. Mas o policiamento não
impediu que diversas manifestações
ocorressem durante toda a tarde e noite, sem nenhum
tipo de conflito.
Manifestação nas
ruas
Como nas outras audiências,
houve um bloco de aproximadamente duas horas de
apresentações da Eletrobrás
e da Eletronorte sobre o que é a usina, os
principais impactos e mitigações.
As apresentações , feitas por representante
da Leme Engenharia, tentavam convencer sobre a viabilidade
e a facilidade de realização das mitigações.
O presidente do Ibama, Roberto Messias, dirigiu
a audiência, juntamente com os diretores da
Eletrobrás, Valter Cardeal, e da Eletronorte,
Ademar Palloci, além de diversos técnicos
das duas empresas estatais, da Camargo Correia e
de consultorias contratadas.
Um dos destaques foi a presença
de cerca de 150 indígenas. Representantes
de seis etnias (Arara, Assurini, Curuaia, Juruna,
Parakanã e Xikrin) solicitaram formalmente
mais uma vez a realização de consulta
prévia, livre e informada nas aldeias, pelo
Ibama e pelo Congresso Nacional. O cacique Joaquim
Curuaia, da Terra Indígena Curuá,
uma das TIs que será atingida pelo empreendimento,
protocolou o documento junto ao Ibama e o entregou
publicamente ao presidente do órgão
e ao representante da Funai local. Marcelo Salazar,
do ISA, reforçou a importância das
oitivas e entregou de presente a Palloci o DOC ISA
recém-publicado sobre a Convenção
169 da OIT que trata do tema. No dia anterior, Cardeal
havia afirmado que as oitivas não seriam
necessárias, pois não haveria alagamento
em Terras Indígenas.
Na capital paraense houve também
grandes manifestações nas ruas em
volta do teatro onde seria realizada a audiência.
Houve confusão na entrada do auditório
quando a organização da audiência
e a Força Nacional impediram a entrada de
índios e manifestantes do Movimento Atingidos
por Barragem (MAB), do Movimento dos Sem Terra (MST)
e da Federação de Órgãos
para Assistência Social e Educacional (FASE),
entre outros. Diante dos protestos vindos de quem
estava presente, a entrada dos manifestantes com
suas bandeiras e faixas foi autorizada, mas sem
as estacas que as sustentavam. Os indígenas
concordaram em deixar suas bordunas na parte superior
do auditório, protegidas por um grupo de
policiais.
Próximo da mesa diretora,
representantes do Ministério Público
Federal e Estadual protestavam por não terem
lugar na mesa e porque o espaço não
comportava o público presente. A organização
montou, então, um telão do lado de
fora, em outro espaço, para acomodar os que
não puderam entrar, e convidou os representantes
do Ministério Público Federal e Estadual
para a mesa diretora. O procurador federal Rodrigo
Timóteo da Costa e Silva manifestou, em sua
fala, mais uma vez o formato equivocado das audiências,
em que não há tempo para a sociedade
civil e nem para o MPF promoverem uma apresentação
mais longa, assim como o governo, gerando uma visão
parcial do empreendimento. Protestou também
contra o curto tempo para os pronunciamentos e a
impossibilidade de apresentar dados técnicos
por especialistas que avaliaram o EIA. Já
o procurador do Ministério Público
Estadual, Raimundo Moraes manifestou sua indignação,
chamando o processo de antidemocrático e
convidou o público que não concordava
com aquele modelo de audiência a se retirar
do auditório. Assim, grande parte dos presentes
se retirou mas permaneceu na entrada, do lado de
fora, gritando palavras de ordem. Foi um protesto
pacífico: um recado simbólico de que
a população não estava sendo
ouvida desde a primeira audiência realizada
e durante o processo de elaboração
dos estudos. (Leia também notícia
do site do MPF do Pará). O depoimento da
professora de Direito Ambiental da UFPA, Syglea
Lopes, dá uma idéia de como era o
clima antes do início e mesmo durante a audiência
da qual ela participou.
Novas audiências, licitação
e custos
As audiências foram marcadas
de início em quatro cidades no espaço
de seis dias e o EIA completo não estava
disponível. Dois dias antes da audiência
de Brasil Novo é que o último volume
do estudo foi disponibilizado sem que houvesse tempo
para um diálogo qualificado com as comunidades
atingidas.
O Ministério Público
Federal (MPF) já solicitou novas audiências
públicas entre outubro de 2009 e fevereiro
de 2010, de forma a incluir mais regiões
que serão atingidas pela megausina do Rio
Xingu. Saiba maisaqui.
A licitação da usina
está programada para novembro deste ano de
acordo com a agenda do governo. O projeto está
previsto para entrar em operação entre
2013 e 2014. O custo da obra, porém, ainda
é indefinido. Estima-se que o valor da construção,
previsto em R$ 7 bilhões no PAC, deve ultrapassar
R$ 30 bilhões. Com isso não se sabe
qual será o custo da energia gerada - ainda
mais ao se levar em conta que, embora a Eletronorte
afirme que a hidrelétrica tem energia potencial
de 11.233,1 MW, o EIA/Rima registra que a energia
firme será de 4.462,3 MW, ou seja, 39% da
capacidade instalada.
O presidente Lula garantiu, em
julho deste ano, que Belo Monte só sai após
ampla discussão e se for viável. O
compromisso aconteceu em encontro com representantes
de movimentos sociais, que destacaram os riscos
da usina e pediram reavaliação do
projeto, considerando os verdadeiros custos socioambientais
da obra. Na reunião, foi apresentada uma
carta que questiona, por exemplo, como ficará
a navegabilidade no Rio Xingu e para onde irão
as cerca de 20 mil pessoas que serão deslocadas
em conseqüência do enchimento dos reservatórios
do Xingu e dos Canais. Veja a notícia.
(Com informações do Movimento Xingu
Vivo para Sempre)