Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - >A Agência Brasil foi
a Mato Grosso do Sul reportar a situação
em que se encontra o povo Guarani Kaiowá
e publicou a Grande Reportagem
Duas realidades sobre o mesmo chão. A iniciativa
de revisitar o assunto quando a chamada “grande
imprensa” o ignora, demonstra a importância
da comunicação pública em pautar
a discussão de temas polêmicos que
a sociedade não índia, estabelecida
na região, parece não querer resolver.
Apesar do assunto transcender
os aspectos abordados na reportagem, seu valor situa-se
principalmente em tentar retratar um momento de
um processo que acumula séculos de intolerância,
de violência e de massacre por uma cultura
dominante sobre os dominados. Os recursos multimídia
de imagem e áudio complementam essa fotografia
instantânea da realidade em que sobrevive
o povo desterrado. O diário de bordo da reportagem
ajuda a integrar o leitor no cotidiano do desafio
jornalístico.
Esta Ouvidoria foi acionada pelo
leitor Fabiano Reis que escreveu: “Não há
sul-mato-grossense que não fique muito chateado
com o título e a chamada da reportagem Em
Mato Grosso do Sul, índios em condições
precárias vivem ao lado de latifúndios
prósperos. Penso que foi pré-definida
a apuração, não avaliou o trabalho
realizado pelos produtores e não 'latifundiários'
e principalmente não quis saber a opinião
da população do estado. Não
deveria em sua reportagem jornalística obter
'As várias realidades sobre o mesmo chão?'.
Deveriam respeitar a população do
MS, os trabalhadores e empreendedores do estado
e até mesmo os critérios básicos
do jornalismo. Sobre o último item há
duas alternativas: trabalhem de fato, como agência
de notícias ou tornem público que
são apenas uma assessoria de imprensa.”
A ele, a Agência Brasil
respondeu: “Agradecemos o comentário do leitor
e informamos que o repórter da Agência
Brasil esteve em Mato Grosso do Sul para ouvir todas
as partes envolvidas na questão dos índios
Guarani e dos fazendeiros.”
Ao ouvir a “população
do estado”, como queria o leitor - como se os índios
não fossem a verdadeira e original população
que há milênios habitam aquelas terras,
a ABr considerou que “todas as partes envolvidas”
fossem apenas índios e fazendeiros, tratando
a assunto como uma partida de futebol em que dois
times se defrontam. Essa abordagem simplista de
um assunto tão complexo reflete uma possível
carência de recursos para se aprofundar na
questão – a falta de uma pesquisa sobre o
processo histórico que levou à situação
atual não permite ao leitor entender exatamente
o que está em jogo e qual é o contexto
da disputa. As matérias induzem a acreditar
que os índios querem as mesmas terras que
valem R$ 20 mil o hectare para os não índios,
que o “chão” para uns e para outros, é
o mesmo chão. Fisicamente podem até
coincidir os espaços, mas o significado para
cada um é muito diferente.
Se para os não índios
a terra é uma mercadoria como outra qualquer,
que só serve para sustentação
da soja, do milho, da cana e do gado, que se pode
vender, trocar ou negociar ao bel-prazer, para os
índios ela é a própria mãe,
que, até onde se sabe, pela ética
branca, não se vende, não se dá
e não se troca.
Explicar essas diferenças
culturais entre o valor simbólico, material
para uns e imaterial para outros, permitiria ao
leitor compreender o verdadeiro significado da terra
em duas sociedades tão distintas, obrigadas
a uma difícil convivência quando têm
de compartilhar da mesma natureza.
Um território indígena
não é uma “propriedade”, de quem quer
que seja, o conceito simplesmente não se
aplica ao espaço físico onde habitam,
pois ele transcende a qualquer utilidade mercantil
de posse da mesma. A terra do índio é
povoada por suas divindades e é ali que convivem
com seus antepassados comungando passado, presente
e futuro em uma história viva recontada e
reescrita a cada dia. São noções
de tempo, de espaço e de espiritualidade
que os não índios não conseguem
compreender e muito menos alcançar e por
isso precisam ser esclarecidos e devidamente informados
para não formar juízos de valor apressados.
Se o jornalismo não tiver
a sensibilidade para pesquisar e entender a essência
do objeto reportado ele frequentemente incorre na
banalização do assunto com abordagens
equivocadas como, por exemplo, querendo botar preço
no que não tem preço porque o conceito
não se aplica.
O processo de levantamento dos
territórios indígenas com a elaboração
dos relatórios antropológicos, demonizados
pelos fazendeiros, é outro aspecto que as
matérias não explicam no que constituem,
quais são as ações, os procedimentos,
parâmetros e metodologias utilizados, bem
como qual é seu valor legal nas demarcações.
A Fundação Nacional do Índio
– Funai, citada várias vezes por ambos os
lados, inclusive sob a acusação de
prática de terrorismo, não foi ouvida,
apesar de contar com um escritório regional
em Amanbai, município visitado pela reportagem.
O Estado brasileiro que historicamente
colaborou, tanto por meio de sua ação
quanto da sua omissão, para que se chegasse
à atual situação, não
teve suas responsabilidades apuradas pela ABr, fazendo
parecer que ele nada tem a ver com os acontecimentos.
O papel da Justiça branca, da polícia
branca e do governo branco não foram apurados
e são apenas eventualmente citados sem confirmação
das afirmações apresentadas. No dia
12 de julho a ABr havia publicado a matéria
Garantir terras para índios Guarani Kaiowá
é “questão de honra”, diz presidente
da Funai, em que mostrava a ação histórica
e as responsabilidades do Estado brasileiro na opinião
do presidente da Funai, no entanto, o acesso a ela
depende do leitor fazer uma busca no site pois o
material não foi disponibilizado dentro da
Grande Reportagem.
Em Mato Grosso do Sul a posse
da terra também vem servindo historicamente
para que a classe de seus detentores construa um
poder político que controla o governo, a
polícia e boa parte da justiça. Esse
poder político tem procurado ignorar, quando
não excluir os direitos dos povos indígenas,
conforme foi apurado pelo relator especial das Nações
Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades
Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya.
A Grande Reportagem ignorou esses aspectos da realidade
que procurou reportar e o assunto foi tema de apenas
uma nota publicada pela ABr em 19 de agosto: Relator
da ONU diz que índios brasileiros precisam
de melhor assistência. O relatório
aponta responsabilidades dos governos municipal,
estadual e federal e as constantes violações
dos direitos humanos relacionadas aos elevados índices
de suicídios e mortalidade infantil entre
os Guarani.
Diferentemente do que afirmou
o leitor, os empreendedores do Estado estão
representados por lideranças ouvidas pela
reportagem que defendem seu modelo particular de
desenvolvimento e sua noção de progresso,
contrapondo-se radicalmente a qualquer outro tipo
de destinação das terras. Para eles
o agronegócio cumpre seu papel empregando
índios em suas lavouras e a luta pela terra
é apenas daqueles que não querem vender
sua força de trabalho.
A reportagem mostra também
qual é a noção de segurança
praticada pelos fazendeiros que advogam para si
o uso legítimo da força quando suas
posses estão ameaçadas, fazendo justiça
com as próprias mãos, à revelia
dos princípios do Estado de Direito. Mas
a reportagem embarca no conceito de produtividade
desses mesmos fazendeiros para os quais a terra
vale pelo que produz, geralmente para exportação.
Esse é mais um dos dogmas capitalistas que
enxergam a natureza apenas por aquilo que dela se
pode tirar. Já para o índio, em vez
de plantar um hectare de mandioca, vender e comprar
bujões de gás, vale mais a pena deixar
o mato crescer e aproveitar a lenha para fazer o
fogo. São sutilezas que dificilmente a reportagem
consegue captar se não for devidamente pensada,
preparada e planejada.
Os áudios multimídia
permitem ao leitor ter acesso direto aos depoimentos
das fontes de viva voz, só faltando mais
pessoas para fazer a contextualização
do que estava sendo comentado, à exemplo
da entrevista com o antropólogo Rubem de
Almeida.
Mas se em seu conteúdo
a Grande Reportagem deixou a desejar por não
ter conseguido captar nuances da natureza indígena,
contextualizar historicamente e superar o olhar
branco sobre a questão, ela tem o mérito
de manter o assunto na agenda da ABr e consequentemente
de toda a mídia que dela se vale reproduzindo
suas notícias. Por aí nota-se a principal
diferença da presença da agência
pública no debate democrático da questão.
Até a próxima semana.
+ Mais
Lula pede à ONU levantamento
sobre emissões de gás carbônico
em todos os países
5 de Outubro de 2009 - Floriano
Filho - Enviado especial da EBC - Estocolmo - O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu
hoje (5) que a Organização das Nações
Unidas (ONU) faça um levantamento das emissões
de gás carbônico em todos os países
e que cada um assuma sua responsabilidade no aquecimento
global. Ele falou ao chegar à capital sueca,
onde participa amanhã (6) da reunião
de cúpula entre o Brasil e a União
Europeia.
Lula disse que, que a partir do
levantamento ambiental, será possível
saber quanto cada um vai ter que reflorestar, ou
diminuir nas emissões de gases. Ele defendeu
a criação de um fundo de compensação
com essa finalidade. Para o presidente, não
é justo que os países mais ricos continuem
a consumir muito à custa da poluição
do planeta.
O presidente defendeu também
a democratização da ONU e insistiu
em um assento permanente no Conselho de Segurança
da organização para o Brasil. Lula
disse que a proposta está madura e qie agora
é uma questão de tempo para o Brasil
ocupar uma vaga no conselho.
+ Mais
Governo quer criar unidades de
conservação para proteger cavernas
4 de Outubro de 2009 - Luana Lourenço
- Repórter da Agência Brasil - Brasília
- O governo quer criar 30 unidades de conservação
federais para proteger cavernas. A meta, que não
tem prazo definido, está no Programa Nacional
de Conservação do Patrimônio
Espeleológico, lançado na última
semana por meio de portaria do Ministério
do Meio Ambiente.
Das 100 mil cavernas do Brasil,
apenas 6 mil estão registradas. Dessas, menos
de 2 mil estão dentro de unidades de conservação,
segundo dados do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação
de Cavernas (Cecav), ligado ao Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Sem proteção, as cavernas estão
expostas à pressão turística
e degradação ambiental.
Além da criação
das unidades de conservação, o programa
prevê a realização de um inventário
nacional do patrimônio espeleológico
nacional, a organização de programas
de turismo ecológico nas cavernas e estímulo
a um programa de pesquisas aplicadas à conservação
e ao manejo de cavidades naturais.
O programa será coordenado
pelo ICMBio, que tem 90 dias para eleger um comitê
de assessoramento para o plano.