05/10/2009 Depois de dez anos,
deputados voltam a criar comissão especial
para votar mudanças no Código Florestal.
Ruralistas têm a maioria das
vagas e vão tentar ganhar a presidência
e a relatoria na reunião do próximo
dia 6/10 para poderem aprovar o texto que quiserem.
Foi instalada na semana passada
(29/9), na Câmara dos Deputados, a Comissão
Especial do Código Florestal, que votará
ao menos quatro projetos de lei que tentam modificar
– ou, no caso de alguns, revogar – o Código
Florestal (Lei Federal nº 4771/65). Após
uma primeira sessão tumultuada, com briga
entre deputados ruralistas e outros ligados à
defesa do meio ambiente (veja aqui)a escolha de
presidente e relator, figuras-chave na aprovação
de qualquer projeto, foi adiada para esta terça-feira,
6 de outubro.
Na pauta da comissão está
o futuro dos ecossistemas brasileiros. E, por consequência,
da agricultura. Os projetos em discussão
são bastante díspares. De um lado
está o projeto do deputado Leonardo Monteiro
(PT/MG), que visa concretizar avanços legislativos
ocorridos nos últimos anos e corrigir algumas
imperfeições da lei. Do outro, o projeto
de “Código Ambiental”, do deputado Valdir
Colatto (PMDB/SC), cujo nome poderia ser “o exterminador
do futuro”, pois, de uma só vez, tenta impedir
que as áreas ilegalmente desmatadas sejam
recuperadas, que áreas de risco continuem
protegidas, que novas Unidades de Conservação
sejam criadas e que qualquer crime ambiental seja
punido. O projeto de Colatto tenta reproduzir, em
nível nacional, o que ocorreu em Santa Catarina,
seu estado de origem. Lá foi aprovada a lei
– hoje contestada no Supremo Tribunal Federal (STF)
– para diminuir as áreas de preservação
ao longo dos rios, de 30 para 5 metros, e que legalizou
ocupações irregulares em encostas
e topos de morro – as mesmas que elas vêm
sendo as principais afetadas com as chuvas torrenciais
que castigam o estado desde o ano passado.
Dos 18 membros titulares da comissão,
dez são da bancada ruralista. Composição
parecida com a da comissão especial criada
em 1999 para tratar do mesmo assunto, e que acabou
aprovando um projeto que, de tão absurdo,
gerou uma ampla mobilização nacional
contra sua aprovação definitiva pelo
Congresso Nacional, numa campanha conhecida como
SOS Florestas. À época, o relator
da matéria era o deputado Moacir Micheletto
(PMDB/PR), que, não por acaso, é membro
titular da atual comissão.
Os membros da bancada ruralista
estão manobrando para conseguir emplacar
a presidência da comissão e a relatoria
da matéria. Eles têm pressa, pois,
a partir do final do ano, começa a valer
a regra que dá multa a quem não quiser
recuperar as áreas de preservação
em suas propriedades. Com a maioria dos votos, conseguem
aprovar o que quiserem. Seus principais expoentes
já disseram que o projeto de Colatto será
a base de qualquer texto a ser aprovado. Perto dele,
a proposta aprovada há dez anos por aquela
comissão poderia até ser chamada de
“código ambiental”.
+ Mais
Ainda tem peixe suficiente no
Rio Tiquié
09/10/2009 A conclusão
é de uma pesquisa de opinião realizada
junto aos pescadores do Rio Tiquié, no Alto
Rio Negro (AM): ainda tem peixe suficiente para
sustento das famílias indígenas. Mas
diminuição no tamanho e quantidade
é um indicador preocupante. As informações
vão subsidiar encontro de lideranças
sobre manejo de peixes, em novembro próximo,
na comunidade de Pirarara.
Entre os meses de maio e julho
passados, 33 pesquisadores indígenas realizaram
uma pesquisa de opinião sobre a pesca com
homens e jovens, acima de dez anos de idade, em
55 comunidades do Rio Tiquié, noroeste amazônico,
onde estão representados doze diferentes
povos indígenas, de duas famílias
lingüísticas (Tukano Oriental e Maku).
O objetivo foi entender melhor a pesca naquele rie
ter uma idéia mais clara e abrangente sobre
a crescente escassez de peixe, como relatado nos
encontros de manejo pelos pescadores. E, a partir
daí, traçar as situações
críticas de pressão pesqueira, como
podem ser caracterizadas e quais os riscos para
a sustentabilidade da produção. A
enquete foi planejada no âmbito da construção
de um plano de manejo dos peixes para a Bacia do
Rio Tiquié, que está sendo discutido
e implantado por treze associações
indígenas locais, incluindo sua parte colombiana,
liderada pelas associações Atriart,
Acimet e AEITY, com apoio do ISA. Já foram
realizados dois encontros ampliados em 2008. Saiba
mais. No último, ocorrido entre 21 e 23 de
novembro do ano passado, as lideranças, capitães
das comunidades e agentes indígenas de manejo
ambiental decidiram fazer a pesquisa sobre a pesca,
abrangendo o maior número possível
de comunidades do rio e seus afluentes. A ficha
que veio a ser aplicada foi finalizada e testada
na mesma ocasião.
O treinamento dos agentes indígenas
de manejo ambiental (AIMAs) para a aplicação
da ficha, bem como a organização logística
da pesquisa aconteceu na comunidade de Vila Nova,
Baixo Tiquié, entre 7 e 9 de maio passado.
Nessa reunião foram incorporados novos interessados
na equipe de AIMAs, incluindo representantes do
Baixo Tiquié. A partir desse treinamento,
foi programada uma agenda de visita às comunidades.
As entrevistas foram feitas em conjunto por um agente
mais experiente e outros, aprendizes. Alguns dos
agentes já estão desenvolvendo pesquisas
há mais de quatro anos.
O Rio Tiquié está
situado na Terra Indígena Alto Rio Negro,
é o principal afluente do Rio Uaupés,
que por sua vez é o principal formador do
Rio Negro. Suas nascentes estão em território
colombiano, mas a maior parte de seu curso está
do lado do Brasil.. As organizações
indígenas dessa região são
pioneiras no âmbito do movimento indígena
do Rio Negro e, mais recentemente, vêm desenvolvendo
planos de manejo ambiental. Nesse contexto, o peixe
é um recurso extremamente sensível,
por toda a importância que tem para esses
povos.
Mais de 80% pescam em locais próximos
A população total
do Rio Tiquié é de aproximadamente
4500. Desses, 1406 são homens com idade acima
de dez anos (segundo dados do DSEI-RN de 2008).
Podemos afirmar com certa segurança que quase
todos são pescadores, variando apenas a freqüência
com que vão pescar (ver abaixo). Em geral,
professores e outros assalariados dedicam pouco
tempo a essa atividade. Foram entrevistados 419
pescadores. Eis alguns dados sobre eles: 265 são
casados e 136 são solteiros; estão
bem distribuídos em faixas etárias
a partir dos dez anos. Um ponto positivo é
que a pesquisa atingiu em mesma proporção
populações Tukano Orientais e Maku
(113 Hupda e 53 Yuhupda) – considerando que a população
Maku soma cerca de um terço do contigente
Tukano Oriental na Bacia do Tiquié. Também
é favorável o fato de a pesquisa ter
sido feita em comunidades situadas em todos os trechos
do Tiquié, o que é necessário
em um rio de 400 quilômetros e grande diversidade
ambiental em seu curso. Um pescador no Baixo Tiquié
pode encontrar, em um dia de pescaria, uma quantidade
de pescado que outro, em seu curso alto, levaria
um mês para obter.
A ficha utilizada na pesquisa
de opinião, em sua primeira parte, identifica
o pescador, segundo sua comunidade, etnia e dados
pessoais. Isso permite elaborar comparações
exaustivas entre diferentes comunidades e trechos
de rio, aproximando-nos, assim, de uma compreensão
mais detalhada das diferentes situações.
Em um primeiro momento, podem ser apontados alguns
dados gerais. Por exemplo, mais de 80% dos pescadores
disseram que não pescam em locais distantes
de sua comunidade. Estão em minoria aqueles
que vão fazer pescarias distantes, em locais
mais piscosos e onde habita pouca gente. Entre eles
(80 pescadores), apenas 19% o fazem com regularidade
(pelo menos quatro vezes ao ano). O Baixo Tiquié,
com seus lagos e igapós, é mais favorável
ao pescador. Mas, ainda assim, é preciso
conhecer os lugares de pesca. Atualmente, algumas
associações, como a Acimet, têm
criado regras para o uso dessas áreas por
pescadores de outras comunidades, coerentes com
as estratégias de manejo sustentável
que vêm adotando entre suas próprias
comunidades.
Um aspecto a ser mencionado aqui
é uma diferença na comparação
entre os dados Tukano e Maku. Entre os primeiros,
apenas 16% tem a prática de pescar em locais
distantes da comunidade, enquanto entre os Hupda
e Yuhupda são 27%. Esse resultado é
coerente com a maior mobilidade das populações
maku, por um lado, e com o fato de uma proporção
significativa de entrevistas ter sido feita em Nova
Fundação e Igarapé Taracuá,
comunidades muito grandes para os padrões
hupda, o que demanda viagens mais longas em busca
de alimentos – essa é uma hipótese
a ser investigada. Um quinto do total dos pescadores
diz vender peixe, mas poucos (14) o fazem com alguma
regularidade – mais do que seis vezes ao ano. Significa
que a venda de peixe é uma atividade marginal
e pontual, não sendo um fator relevante no
manejo dos peixes.
Instrumentos e métodos
de pesca utilizados
A pesquisa também reuniu
informações sobre os instrumentos
e métodos de pesca, especialmente em relação
ao uso das malhadeiras, consideradas como um dos
fatores de grande impacto sobre a população
de peixes. Na questão geral sobre quais são
os instrumentos mais utilizados, destacam-se os
anzóis, principalmente com caniço
ou só com linha. O segundo conjunto mais
empregado é justamente o das redes, que inclui,
além de malhadeiras, os puçás.
Em seguida, aparecem os instrumentos de arremesso,
como zagaia, arco e flecha e arpão. Por último
estão as armadilhas, como jequi e matapi,
e os venenos, como o timbó, pouco citado.
O problema atual das malhadeiras
é sua venda sem controle no comércio
de São Gabriel da Cachoeira, a preços
cada vez mais acessíveis. Soma-se a isso
a freqüência cada vez maior com que os
moradores do interior do município chegam
à sede municipal para fazer compras, favorecidos
pelo uso de motores econômicos (rabetas) e
pela distribuição de auxílios
pelo governo federal. Mais da metade dos entrevistados
( 250 pescadores ou 57% do total) possuem malhadeira,
mas desses, quase a metade (44%) diz possuir apenas
uma. Os outros possuem duas ( 20 %) ou três
( 19%), sendo exceções aqueles que
têm mais de quatro (7 % ou dezesseis pescadores).
Quanto mais fechada a malha – há aquelas
de um dedo ou menos –, mais nociva, pois capturam
peixes muito pequenos ou alevinos, ainda nas primeiras
fases de vida. Foram recenseadas 96 malhas de um
dedo, 137 de dois, 192 de três, e 94 de quatro.
Embora ninguém pareça querer abrir
mão do uso das malhadeiras, há uma
crescente disposição no sentido de
limitar seu uso – e já foram reunidas muitas
recomendações nesse sentido, que estão
sendo divulgadas e discutidas entre as associações
indígenas.
Outra pergunta foi sobre a freqüência
das pescarias. Como mostra o gráfico abaixo,
aproximadamente um quinto dos pescadores vai diariamente
à pesca, enquanto, no outro extremo, um quinto
vai apenas uma vez por semana ou até menos.
A metade deles fica na média, duas a três
vezes por semana.
Possíveis causas do declínio
Nos debates sobre as possíveis
causas do declínio nos resultados das pescarias,
que vêm acontecendo durante os encontros e
oficina de manejo dos peixes, alguns constatam que
a pesca passou a ter um papel cada vez mais central
como atividade de busca de alimento. Isso acontece
em detrimento de uma estratégia de subsistência
mais diversificada, tanto em termos de agricultura
quanto de coleta. O peixe passou a ser um item indispensável
na dieta dessas populações. Outro
aspecto levantado é o de que, quando viviam
em malocas – com uma estrutura social mais especializada
e hierarquizada – havia os pescadores que abasteciam
a maloca, e não eram todos que iam pescar.
O Rio Tiquié corre bem
abaixo do equador, e isso torna o ciclo de chuvas
muito instável. O mesmo pode se dizer em
relação ao nível do rio. Foi
perguntado aos pescadores se “existem períodos
do ano em que a pesca é mais abundante”.
Tanto o calendário ocidental dos meses, quanto
o calendário astronômico dos povos
indígenas dessa região foram mencionados.
Resumidamente, pode-se dizer que o período
de melhores pescarias acontece entre maio e agosto
(os meses mais mencionados são: maio, junho
e agosto); enquanto a escassez é mais pronunciada
entre outubro e dezembro, tempo de Aña Pue
(Enchente da Jararaca, conhecida regionalmente como
Boiaçu), quando diz-se que os peixes entram
no ânus da cobra-grande.
Em seguida, o questionário
abordou algumas perguntas mais sensíveis
da pesquisa. A primeira delas é: como está
a pesca para você? Trata-se de uma pergunta
geral, sem diferenciar entre estações
do ano, entre um ano e outro, ou fatores ambientais
cíclicos. Como pode ser visto no gráfico
abaixo, metade dos pescadores está considera
a pesca boa ou muito boa, enquanto 41% disseram
ser razoável e apenas 10% como ruim ou muito
ruim.
Completando a avaliação
que os pescadores fazem dos resultados de suas pescarias,
foi perguntado se o que pescam é suficiente
para o sustento da família. O resultado surpreende,
com 82% respondendo sim.
Apesar disso, há indicações
inequívocas de que há um declínio
na produção da pesca na Bacia do Tiquié.
Uma das interrogações finais do questionário
propunha aos pescadores uma comparação,
considerando um período aproximado de cinco
anos, do tamanho e quantidade de peixe. O resultado
segue no gráfico abaixo.
Esses dados confirmam a pressão
pesqueira crescente e seu impacto sobre a população
de peixes. Mostram a necessidade de um manejo sustentável
e de acordos de pesca entre as comunidades indígenas,
sob o risco de uma redução mais acentuada,
com consequências socioambientais mais graves.
Em relação ao manejo
dos peixes, a pesquisa de opinião também
recolheu sugestões para o manejo adequado
dos peixes e melhoria da pesca. Essa foi uma questão
aberta, cuja resposta era escrita pelo pesquisador
indígena. As propostas reunidas são
convergentes com o que vem sendo conversado nos
encontros de manejo e já constitui um discurso
consolidado sobre o histórico da pesca no
Rio Tiquié e seus desdobramentos atuais.
Indica que dois fatores principais estão
alterando a estabilidade das relações
entre essas populações indígenas
e os peixes: mudanças na tecnologia da pesca
e crise na transmissão dos conhecimentos
tradicionais – especialmente dos benzimentos. Alguns
desses benzimentos, que antes eram de uso mais restrito
aos especialistas, têm relação
direta com a saúde e reprodução
dos peixes. É o caso daquele que acompanha
o primeiro banho do recém-nascido. Hoje,
com seu uso mais disseminado, há mais casos
de “contaminação xamânica” do
rio e afastamento dos peixes.
O fator mais citado e que parece
importar mais hoje em dia são as malhas de
nylon: 31% disseram que se deve controlar ou não
usar mais malhadeiras. O uso de venenos dissolvidos
na água, como timbó e outros, são
práticas indígenas antigas; mas de
acordo com 26% dos entrevistados deve ser evitado.
Em seguida, 12 % sugerem que se deva “fazer benzimentos
bons para os peixes”. No âmbito do plano de
manejo dos peixes da Bacia do Tiquié, a idéia
é repetir essa pesquisa de opinião
periodicamente, gerando assim um indicador para
aferir os resultados das medidas de manejo. Pescadores
e pesquisadores indígenas estão juntos
no desafio de chegar a um manejo sustentável
ou, nas palavras de Manuel Azevedo, presidente da
Acimet, “para segurar a nossa vida, o plano de vida,
para nós aqui hoje e o restante que vem depois”.
ISA, Pieter Van Der Veld e Aloisio Cabalzar.