23 de outubro de 2009 - Ururu,
a mais velha dos Akuntsu morre aos 85 anos. Guerreira,
a índia sobreviveu ao massacre nos anos 1980,
que dizimou o seu povo
Febre alta, forte dor de cabeça e de garganta.
No último mês de setembro, os sintomas
tornaram-se comuns entre os Akuntsu da Terra Indígena
Rio Omerê/RO. Entretanto, mesmo
com todos os cuidados para combater os sintomas,
Ururu não resistiu. Muito debilitada, morreu
no dia 1º de outubro, às 12h15, no Posto
da Frente de Proteção Etnoambiental
Guaporé.
A exata causa de sua morte ainda
não foi diagnosticada. Os outros cinco indígenas
Akuntsu apresentaram, na mesma época, sintomas
semelhantes ao de gripe. Durante todo o mês
que permaneceu doente, Ururu foi acompanhada por
seu filho Pupak, 39 anos, um técnico de enfermagem
da FUNASA e uma enfermeira colaboradora da Funai
requisitada especificamente para reforçar
os cuidados com a anciã.
Konibú, de 73 anos, irmão
de Ururu, é quem, atualmente, está
com o quadro mais complicado. Em radiografia tirada
do tórax foi diagnosticada pneumonia em estado
avançado e tuberculose, provavelmente manifestada
após a baixa da imunidade decorrida da pneumonia.
Além disso, o exame de tomografia apontou
para uma cardiomegalia (aumento do tamanho do coração),
congestão venosa central e derrame pleural
(acúmulo de líquido entre as membranas
que revestem o coração). Apesar da
crítica situação, Konibú
está se recuperando. A última informação
fornecida por Altair Algayer, coordenador da Frente
de Proteção Guaporé, é
de que o indígena já iniciou o tratamento,
voltou a se alimentar e não apresenta mais
insuficiência respiratória.
Para acompanhar Konibú,
atualmente o mais velho da etnia, um médico
da FUNASA ficou em campo até o dia 21 deste
mês. A medida evitou a necessidade de retirada
do indígena de sua Terra e o poupou do estresse
da cidade.
Segundo Jussara Castro, enfermeira
que acompanhou Ururu, não tem como saber
quais são os motivos do surto de gripe entre
os Akuntsu. Até porque eles são acostumados
a ficar mais na aldeia, sem contato com outros grupos.
“A contaminação acontece pelas vias
aéreas superiores. O vírus poderia
estar latente já há algum tempo em
um dos indígenas e só se manifestou
com a baixa da imunidade”, afirma Jussara.
Todos os Akuntsu foram hospitalizados
com infecções respiratórias
entre os dias 15 de setembro e 6 de outubro. O tratamento
ocorreu em Cerejeiras, Vilhena e Cacoal. Essa foi
a primeira vez que as índias Aramina, 49
anos, e Enotéi, 23 anos, saíram da
Terra Indígena e foram até uma cidade.
A experiência não foi boa para elas,
que sentiram náuseas em toda viagem de carro.
Os deslocamentos dos indígenas
para Vilhena e Cacoal foram feitos pela FUNASA.
O técnico Adriano Camargo, que trabalha na
T.I. Rio Omerê, acompanhou os indígenas
por todo o período em que estiveram internados
no hospital. A FUNASA também providenciou,
na madrugada do dia 25 de setembro, os encaminhamentos
necessários para a internação
de Konibú. Foi responsável, ainda,
pelo procedimento cirúrgico de retirada do
útero e do ovário esquerdo da índia
Txiaruí de 37 anos. Há mais de dois
anos foi constatado um mioma uterino. Todo o procedimento
em Cacoal aconteceu em hospital particular e foi
custeado pela Funasa.
Massacre dos anos 80
Mesmo com a idade avançada,
a perda de Ururu é grande não só
para sua etnia, mas para todos os brasileiros que
perdem um tanto de história já quase
extinta. Nos anos 80 os, aproximadamente, 30 Akuntsu
foram vítimas de um massacre no município
de Corumbiara/ RO. O recorrente conflito de terras
na região dizimou quase toda a etnia. À
época, restaram sete sobreviventes que, ainda
hoje, carregam as marcas dos tiros em seus corpos.
Com a perda de Ururu, o grupo fica com seus últimos
cinco guerreiros.
Para Altair, indigenista da Funai
que há anos acompanha os Akuntsu, o que o
Estado pode fazer pelo povo é garantir a
sua proteção, o que é o mínimo
de consideração com eles. “Infelizmente,
já os encontramos com um número muito
reduzido. Desde que a Funai fez o contato oficial
em 1995, a gente conseguiu fazer a proteção,
mas não conseguimos salvar o povo. Quando
iniciamos nosso trabalho, o povo e sua história
já tinham se perdido”, lamenta o indigenista.
Certamente já não
dá mais pra recuperar o que aconteceu, mas
é indiscutível a importância
de garantir aos Akuntsu a tranqüilidade de
viverem em seu território livres das ameaças
físicas e com a dignidade necessária
para exercerem o direito universal à vida.