(23/10/2009)
O ano era 1986. A região era o Pantanal da
Nhecolândia, de acesso difícil por
conta das grandes cheias da planície pantaneira.
O local, a fazenda Nhumirim, o campo experimental
da Embrapa Pantanal. O grupo, pesquisadores do Instituto
Butantã, da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) de Rio Claro e Embrapa Pantanal (Corumbá-MS).
Todos liderados pelo então pesquisador da
Embrapa Instrumentação Agropecuária
(São Carlos-SP), Antônio Pereira de
Novaes.
A missão, testar e validar
nos animais da fazenda um revolucionário
protocolo para tratamento de bovinos, equinos e
até cães, em casos de picadas por
serpentes do gênero Bothrops – jararaca (a
popular boca de sapo), cotiara, jararacussu e outras,
bastante comuns na região e em todo o Brasil.
O fator revolucionário
era que o tratamento dispensava o uso do tradicional
e mundialmente aceito soro antiofídico, e
defendia apenas o uso de anti-inflamatório
não esteróide combinado com diurético.
“O sistema de saúde não
liberava [e ainda não libera] soro antiofídico
para animais, e eles tendiam a morrer depois das
picadas. Tivemos, então, de encontrar uma
alternativa”, explica Novaes, que esteve em Corumbá
no dia 16, quando foi palestrante de abertura da
3ª Mostra de Agricultura Familiar.
À tarde, ele falou sobre
o procedimento antiofídico para pesquisadores
e assistentes da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS),
Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
– Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento.
Ação
Novaes explica que o veneno das
serpentes botrópicas é cinco vezes
menos potente que o da cascavel, e que sua ação
ocorre com edema e necrose na região da picada.
“Nos casos de picadas de serpentes botrópicas,
o soro tem ação pouco eficaz, pois
o edema não o deixa penetrar na área
afetada”, afirma Novaes.
“O maior problema é o edema
causado pela reação à picada,
que pode levar o animal à morte por asfixia,
além da necrose e perda de membros ou deformidades,
que obrigam o produtor a sacrifica-lo. A ação
do anti-inflamatório [não esteróides
inibidores da síntese de prostaglandinas,
a exemplo dos diclofenacos] ajuda a desfazer o edema,
e o diurético ajuda a eliminar o veneno sem
risco para o animal, pois ele não tem efeito
letal na corrente sanguínea. Em até
três dias o animal está totalmente
recuperado”, diz.
Novaes ressalta que o procedimento opcional, com
antiinflamatório e diurético, não
serve para casos de picada de serpentes como cascavel
e coral verdadeira, pois seu veneno é muito
potente e tem ação rápida e
letal na circulação sanguínea.
“Um boi adulto só seria capaz de sobreviver
à picada da cascavel se pesasse ao menos
duas toneladas, o que não é o caso”,
reforça.
O procedimento desenvolvido por
Novaes e seus parceiros é aceito internacionalmente,
e em um quarto de século tem ajudado a salvar
vidas de milhares de animais sem a necessidade de
recorrer ao soro antiofídico, muito pouco
acessível, especialmente em regiões
remotas do Brasil.
Reconhecimento
Hoje aposentado da Embrapa e palestrante
requisitado pelo setor agropecuário em todo
o país, Novaes demonstra grande satisfação
em ver a técnica desenvolvida por sua equipe
há mais de 20 anos ser largamente aceita
e utilizada. “Dia desses vi no Globo Rural o consultor
do programa, Enrico Ortolani [professor titular
de medicina veterinária e zootecnia da USP],
recomendar o nosso protocolo para casos de picada
em animais”, orgulha-se.
Para o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento
da Embrapa Pantanal, Thierry Tomich, o retorno de
Novaes à Unidade representa um resgate histórico
de uma pesquisa depois de tantos anos. “É
um marco para nós, pois se trata de dar retorno
sobre uma pesquisa cujo resultado é importantíssimo
para o Pantanal, para o Brasil e o mundo”, afirma.
Pesquisadores, produtores rurais,
veterinários e zootecnistas, além
de professores e estudantes, podem baixar o artigo
de Novaes e sua equipe em formato PDF através
da Internet, no site da Unidade de Aperfeiçoamento
Científico (Unac International). A partir
de hoje, o artigo de Antônio Novaes está
disponível, também, para download
na página da Embrapa Pantanal, na seção
‘Acesse Também’.
http://www.unac.org.br/Envenenamento%20Botropico%20em%20Bovinos.pdf
www.cpap.embrapa.br
Saulo Coelho