23/10/2009 - Carine Corrêa
- Projeto pioneiro utilizando novas tecnologias
para otimizar áreas de pastos já existentes
promove o aumento da produtividade em pequenas e
médias propriedades pastoris de Rondônia,
poupando o desmatamento na Amazônia.
A experiência vem sendo
implementada em 22 propriedades do estado, como
apoio e recursos do MMA, por meio do Subprograma
Projetos Demonstrativos (PDA), vinculado ao Programa
Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais no Brasil (PPG-7), do Banco de Desenvolvimento
Alemão (KFW) e Cooperação Técnica
Alemã (GTZ). O sistema silvipastoril, como
é chamado, foi uma iniciativa experimental,
de caráter demonstrativo, iniciada em junho
de 2006, com encerramento previsto para o final
de 2009.
O trabalho conduzido pela Federação
dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia
(Fetagro/RO) demonstra que, mesmo quando o assunto
é criação de gado, é
viável implementar sistemas que promovam
a pecuária associada à agroecologia
e que gerem renda alternativa aos pequenos e médios
produtores.
Realizado em nove municípios
próximos a Ji-Paraná, segunda maior
cidade de Rondônia, o projeto demonstrativo
"Agricultores Familiares promovendo o Equilíbrio
Ambiental em Rondônia" desenvolveu uma
pesquisa para testar e descobrir que tipos de essências
florestais (espécies vegetais) poderiam ser
inseridas em pastos (sistema silvipastoril), com
o objetivo de melhorar o microclima, promover maior
rendimento econômico e evitar novos desmatamentos
na floresta.
A proposta inclui ainda o reflorestamento
de matas ciliares, nascentes e áreas degradadas
com vegetação nativa e frutíferas,
o que ajuda a recompor a cobertura vegetal original
e adequar as propriedades às exigências
da legislação ambiental.
Entre as espécies que se
adaptaram bem às pastagens com alto nível
de degradação destacam-se o cajá,
ipê, cedro, cerejeira, jenipapo, ingá,
pata de vaca, cumaru, mogno, jamelão, sete
copas, mutambo e peroba. Já os diferentes
tipos de palmeira, a bandarra e a copaíba,
por exemplo, não alcançaram o mesmo
resultado porque demoraram a crescer.
O presidente da Fetagro/RO, Lázaro
Dobri, explica que o projeto é feito com
a combinação de árvores, pastagem
e criação de gado numa mesma área,
ao mesmo tempo, com o manejo realizado de forma
integrada. Outro objetivo é incrementar a
produtividade por unidade de área com a preservação
do meio ambiente. Atualmente, a estimativa é
de que há 1,6 cabeças de gado por
hectare, e o projeto pretende aumentar este índice
para 5,2 animais na mesma área.
Para Dobri, não há
outra alternativa melhor no momento, uma vez que
a pecuária está consolidada no estado.
"O sistema silvipastoril ameniza os problemas
e os impactos dessa atividade, melhora a saúde
do gado (que demora a ganhar peso e sofre estresse
térmico devido ao calor excessivo da região,
apresentando alterações fisiológicas
graves), as condições de pastagem
e promove uma recuperação parcial
do meio ambiente", explica.
O método utilizado pela
maioria dos agricultores rondonienses é de
pastagem ostensiva, que apresenta alto nível
de degradação. Dobri considera fundamental
a mudança do modelo convencional para uma
metodologia agroecológica. "O consórcio
de pastagens é importante, mas o mais importante
é a recuperação de matas ciliares",
acrescenta.
De acordo com o analista ambiental
do PDA/MMA Bruno Coutinho, a intenção
do programa é promover iniciativas de experimentação
que possam ser replicadas e servir de exemplos para
outras áreas do País. "Buscamos
a inovação destes projetos, que realmente
têm um prazo estabelecido", disse.
O estado de Rondônia tem
como principal atividade econômica a pecuária,
além da agricultura. Ocupada especialmente
a partir da década de 70 - quando o governo
federal incentivou agricultores de todo o País
a povoarem a Amazônia, com receio de perder
território para outras nações
que faziam fronteira com a floresta-, a região
foi povoada sem planejamento por meio de desmatamento
ostensivo, prática que até hoje persiste
como modelo para abertura de novas fronteiras agrícolas.
Um levantamento feito pelo IBGE
demonstrou que, até 2004, 78% da cobertura
vegetal original do estado estava desmatada. Cerca
de 5 milhões de hectares estão ocupados
por pastagens, e há uma forte tendência
de haver aumento de desmatamento para ocupação
de novas áreas para a pecuária.
Captura de carbono
A criação de animais
associada ao plantio de árvores em bloco
ao longo das pastagens pode reduzir a erosão
e melhorar a conservação da água.
Também reduz a necessidade de fertilizantes
minerais e ajuda a capturar e fixar o carbono. Além
disso, diversifica a produção, melhora
o conforto dos animais e aumenta a biodiversidade
e a geração de renda dos agricultores.
O sistema Voisin, aplicado na
pesquisa, é um método intensivo de
manejo pastoril baseado no trinômio solo-capim-gado,
e consiste no piqueteamento das áreas, que
são divididas entre pastos e blocos reservados
para o plantio de mudas. Estes são separados
por cercas elétricas, que garantem a conservação
das novas espécies plantadas.
O gado só entra em um piquete
quando o espaço completa um período
mínimo de repouso suficiente para que o capim
atinja um ponto ótimo de desenvolvimento,
geralmente em torno de 21 dias. A permanência
dos animais em cada piquete não deve ultrapassar
três dias, sendo que o tempo ideal para uso
do espaço é de um dia. Quanto maior
for o número de divisões, mais liberdade
de ação terá o condutor do
manejo.
Para implementar o projeto nos
municípios, os técnicos realizaram
visitas para avaliar as condições
das propriedades escolhidas, algumas delas degradadas
há mais de 30 anos. Os agricultores beneficiados
receberam sementes e todos os materiais necessários
para a instalação dos piquetes e isolamento
dos blocos de plantas. Houve ainda a produção
de cerca de 60 mil mudas e a instalação
de viveiros em algumas propriedades.
A proposta incluía a realização
de atividades com aulas teóricas e práticas,
e os agricultores visitaram todas as propriedades
inscritas no projeto. Desta forma, os participantes
trocaram experiências e métodos utilizados
entre si, e esse intercâmbio estimulou os
produtores a promoverem melhorias de uma forma geral
nas propriedades.
Resultados
A agricultora familiar Clotilde
Crepaldi, 40, avalia que o resultado superou as
expectativas, pois sua produção teve
um aumento de aproximadamente 15%, em menos de dois
anos. Antes de adotar o sistema, ela retirava cerca
de 40 litros de leite por dia, e agora este número
chega a 60 litros/dia. Além de realizar o
pasto rotativo, ela planta nos piquetes outros tipos
de cultura, como quiabo, banana, cacau, abóbora,
feijão de corda e maxixe. Só na primeira
colheita, ela retirou cerca de 200 quilos de banana
e 300 quilos com as outras espécies plantadas.
Diversificando as atividades,
ela aumentou a renda familiar, já que antes
o trabalho era focado apenas na criação
de gado. A produção é entregue
à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
e também revendida nos mercados da cidade
de Jaru. "Depois do piqueteamento, as vacas
passaram a produzir mais leite e os bezerros estão
mais saudáveis, porque os carrapatos diminuíram.
As rotatividades ajudaram a eliminar as populações
de insetos e parasitas que atacavam os animais",
explica Clotilde.
Outra preocupação
também passou a fazer parte da rotina dos
agricultores envolvidos: o reflorestamento de matas
ciliares. A propriedade de Cirilo Cláudio
Felício, 73, tem 38 hectares e está
localizada no município de Presidente Médici.
Ele realizou piqueteamento em 5 hectares e investiu
na recomposição da mata ciliar do
córrego, que hoje já tem jatobá,
jenipapo, ipê amarelo, ingá e cedro.
"Depois do reflorestamento, o córrego
tem água boa parte do ano, e as árvores
nem cresceram tando ainda", constata.
Antes disso, ele insistiu na produção
do café, que não se adaptou muito
bem à sua propriedade. Com o piqueteamento,
Felício alega que pôde ter mais qualidade
na criação do gado, e que obtém
maior produtividade com quase o mesmo número
de animais no rebanho.
Já o agricultor Celino
Greco implantou o sistema em 2 hectares de suas
terras. Ele percebeu que o plantio de matas ciliares
melhorou a conservação da água
na área, e que com o pasto rotacionado o
gado se alimenta de um capim mais nutritivo. "Tudo
isso ajudou a aumentar a produção
do leite, e agora já aumentei a renda familiar
com o resultado dos plantios nos piquetes".
Desenvolvimento de pesquisa
O assessor ambiental André
de Almeida Silva, um dos técnicos responsáveis
pela iniciativa, explica que este é o primeiro
projeto silvipastorial na Região Norte a
adotar esse modelo. De acordo com ele, a Embrapa
do Acre está interessada na pesquisa da Fetagro,
além de outros sindicatos e associações
que também pretendem implementar as técnicas
utilizadas.
A Embrapa/RO está acompanhando
os resultados do projeto e já pesquisa outras
plantas que se adaptam melhor às pastagens
degradadas. Como a experiência é um
processo novo na região, a definição
das espécies adequadas é fundamental
para o sucesso do sistema silvipastoril. Foi necessário
buscar o maior número de características
desejadas entre as essências florestais utilizadas:
crescimento rápido, adaptação
ao meio ambiente, tolerância a ataques de
pragas e doenças e capacidade de fornecer
sombra e abrigo.
As falhas encontradas no início
do processo também contribuíram para
o desenvolvimento de novas experiências. Silva
esclarece que, apesar do caráter demonstrativo
e experimental do projeto, o período de três
anos, previsto para a execução, é
curto porque impossibilita uma melhor avaliação
dos resultados, que começam a surtir efeito
a partir de 5 anos, já que as essências
florestais precisam de tempo para se desenvolverem.
Ele ressalta que o processo poderia
ser mais bem sucedido, mas para isso seria importante
fazer primeiro uma avaliação do solo
e recuperação da área degradada,
além da eliminação da braqueárea(tipo
de capim). Com o tempo curto não foi possível
implantar estas técnicas antes, e a maior
parte dos produtores está começando
a perceber os benefícios agora, no final
do projeto.
A engenheira Débora Massara,
que também participa da ação,
considera que a iniciativa é um sucesso devido
à demanda de agricultores, prefeituras e
instituições que querem promover a
metodologia em outras áreas. "Acredito
que esta causa deva ser abraçada pelo governo
e servir de base para a criação de
uma política pública para Rondônia,
que promova o desenvolvimento de mais pesquisas
e novas metodologias. Ainda estamos na fase de pesquisa,
que é um processo demorado".
O presidente da Fetagro/RO ressalta
que foi importante sensibilizar os agricultores
para o replantio de matas ciliares e para a mudança
de um sistema degradante para um modelo sustentável.
Dobri revela que no estado há muitas propriedades
pequenas que podem adotar o sistema silvipastoril,
mas que é necessário o acompanhamento
técnico dos produtores e mais investimentos
em projetos de médio e longo prazo. "A
falta de continuidade impede o avanço da
pesquisa e uma melhor avaliação de
resultados. Assim, as famílias envolvidas
podem perder o estímulo e a unidade gestora
a capacidade de acompanhar os projetos", alerta.