05/11/2009 - Suelene Gusmão
- O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, apresentou
nesta quinta-feira (5/11), em coletiva à
imprensa, a proposta do Ministério
para o aperfeiçoamento do Código Florestal.
Os pontos, que serão discutidos com o presidente
Lula, têm como base um documento resultante
de entendimentos acertados em um fórum de
debates que reuniu representantes do Governo, da
agricultura familiar, do Movimento de Pequenos Agricultores,
Contag, Fetraf/CUT e ambientalistas.
A proposta apresentada pelo fórum,
de acordo com Minc, tem 70% dos pontos já
consensualizados e pretende firmar as bases socioambientais
para o desenvolvimento sustentável do campo,
facilitando a vida do agricultor para que ele promova
os procedimentos no sentido de regularizar ambientalmente
sua propriedade.
Entre os pontos anunciados pelo
MMA para facilitar a regularização
ambiental do agricultor estão a simplificação
dos procedimentos para aprovação da
localização e averbação
da área de reserva legal; a promoção
da regularização de cultivos consolidados
em APPs; a regularização de culturas
agrícolas com espécies perenes nas
áreas de inclinação entre 25
e 45 graus; a utilização de áreas
de APPs como reserva legal; o pagamento por serviços
ambientais e uso econômico da reserva legal;
o sistemas de cotas e o Programa Federal de Regularização
Ambiental, que abre uma espécie de diálogo
entre o meio ambiente e o agricultor.
"Acabou a guerra. Vamos chegar
a um bom entendimento", garantiu o ministro.
Segundo ele, os pontos que foram levados ao conhecimento
do presidente têm ampla base técnica,
ampla base política e apoio do agricultor
familiar. "Isso vai abaixar a temperatura no
Congresso Nacional", informou o ministro, referindo-se
ao debate que vem sendo travado naquela Casa sobre
o Código Florestal.
Para dar suporte legal às
ações que vêm sendo implementadas
para apoiar o agricultor na regularização
ambiental, foram criadas e publicadas três
instruções normativas e encaminhada
uma Proposta de Resolução ao Conselho
Nacional de Meio Ambiente (Conama), além
de duas minutas de decreto.
A Instrução Normativa
nº 3 regulamenta o plantio e a exploração
de árvores nativas e exóticas. A de
nº 4 define procedimentos técnicos para
a utilização da vegetação
da reserva legal sob o regime de manejo sustentável
e a de nº 5 especifica os precedimentos metodológicos
para a restauração e recuperação
das áreas de preservação permanente
e da reserva legal.
A proposta de resolução
encaminhada ao Conama define critérios para
a caracterização de atividades e empreendimentos
agropecuários sustentáveis do agricultor
familiar, do empreendedor rural e dos povos e comunidades
tradicionais.
Uma outra iniciativa do Governo
neste sentido é a criação do
Programa Federal de Regularização
Ambiental - Mais Ambiente. O programa foi criado
para servir como uma espécie de canal de
diálogo entre o agricultor e a área
ambiental. Por meio dele, o agricultor poderá
aderir ao Programa, no prazo de três anos,
assinando um termo de compromisso com a regularização
ambiental. O programa cria ainda o Cadastramento
Ambiental Rural no MMA e programas de apoio à
regularização ambiental para agricultores
familiares e povos e comunidades tradicionais, como
por exemplo, assistência técnica, distribuição
de mudas e sementes e capacitação.
Os agricultores que já
quiserem fazer a regularização ambiental
de suas propriedades não precisam esperar
o decreto que vai instituir o apoio à regularização
ambiental. Os interessados já podem iniciar
o processo de regularização imediatamente.
Muitos estão preocupados
com a regularização ambiental de suas
propriedades. Uma das dúvidas diz respeito
ao artigo 55 do Decreto 6.514/08. No texto está
especificado que a partir de 11 de dezembro de 2009
todas as propriedades rurais deverão fazer
a averbação da sua reserva legal.
Os proprietários, entretanto, que ainda não
possuem a reserva legal averbada devem protocolar
pedido de regularização junto ao órgão
ambiental competente ou a outra instituição
devidamente habilitada e terão um prazo de
120 dias, após a notificação,
para proceder a regularização.
Após o pedido de regularização
e durante a tramitação do processo
de averbação da reserva legal junto
ao órgão ambiental, o proprietário
rural não será multado, pois a aplicabilidade
da pena prevista no Decreto de crimes fica suspensa.
+ Mais
Sistema agroflorestal evita devastação
e reduz emissão
06/11/2009 - Carine Correa - Às
vésperas da Convenção das Nações
Unidas sobre o Clima, em Copenhague, na Dinamarca,
onde países vão discutir redução
de emissão de CO², um projeto pioneiro
executado há 22 anos por pequenos agricultores
em Nova Califórnia, Rondônia, de atividades
extrativistas pelo sistema agroflorestal, evita
a devastação de mais áreas
de floresta, contribuindo, assim, para mitigar os
efeitos das mudanças climáticas. O
SAF (Sistema Agroflorestal) permite atividades extrativistas
sustentáveis associadas à reconstituição
de regiões degradadas.
Com apoio do subprograma Projetos
Demonstrativos (PDA), do Programa de Proteção
às Florestas Tropicais (PPG7/MMA), o projeto
Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado
e Adensado) é conduzido por uma organização
de agricultores associados que optaram por investir
na produção de espécies típicas
da floresta amazônica, em detrimento da lavoura
branca e da pecuária, de forma a garantir
a preservação do bioma e o plantio
de vegetação nativa. Localizado nas
divisas entre o Acre, Amazonas e Bolívia,
o projeto se destacou como alternativa econômica
bem sucedida em meio a uma região notoriamente
desmatada.
A sede da associação
beneficia e comercializa a produção
de 300 famílias, e indiretamente de outras
500. Atualmente, o Reca conta com cerca de 1500
hectares de SAFs (Sistemas Agroflorestais) implantados
em várias áreas de plantios, onde
existem mais de 40 tipos diferentes de espécies
(dentre frutíferas, madeireiras e medicinais).
O reflorestamento é feito de forma consorciada
e adensada, com pouquíssimas áreas
de monocultura.
Cada agricultor participante recebe
pelo que produz e tem o compromisso de plantar pelo
menos um produto agroflorestal, além de participar
das reuniões promovidas pela organização.
A produção é trazida para a
sede do Reca para ser beneficiada. Depois os produtos
são comercializados pelo grupo, o que garante
um aumento do preço final para o produtor.
No último ano, a associação
teve um faturamento de R$3 milhões, e há
a expectativa de que a produção seja
duplicada em cinco anos.
Entre as espécies produzidas
destacam-se o cupuaçu, pupunha, andiroba,
bacaba, copaíba, seringa, sangue de dragão
e rambotã. A associação dispõe
de três unidades de beneficiamento de palmito
pupunha, manteiga de cupuaçu, óleo
da castanha da Amazônia e de andiroba, e de
polpas de açaí, araçá-boi
e acerola. A unidade conta ainda com um barracão
para o tratamento das sementes de pupunha e produz
também mel, licores, geléias, doces
e sabonetes.
De acordo com Hamilton Condack,
gerente de comercialização do Reca,
trata-se de uma organização social
produtiva de base familiar comunitária. O
modelo é participativo e de gestão
compartilhada, e todo agricultor se sente parte
e dono do projeto. O objetivo dos cooperados é
promover a sustentabilidade com qualidade de vida,
de forma que a sociobiodiversidade da Amazônia
seja respeitada.
Ele garante que o sistema já
está sendo replicado em outras áreas
da região amazônica pelos bons resultados
apresentados. "Em uma pequena área de
plantio de cupuaçu e pupunha, por exemplo,
a renda supera a da criação de 100
cabeças de gado", explica Condack.
O projeto já recebeu duas
vezes o Prêmio Chico Mendes. Também
foi condecorado com o primeiro lugar da Fundação
Ford e pelo Objetivo Desenvolvimento do Milênio(ODM),
do Governo Federal, além de outras premiações
relevantes (checar o site da instituição:www.projetoreca.com.br/portal).
O Reca também está
investindo no processo de certificação
florestal, e hoje 50% da produção
vêm de áreas certificadas por órgãos
como o Innaflora e Instituto Biodinâmico Orgânico
(IBD).
Também está sendo
realizado um trabalho de conscientização,
treinamento e capacitação de um grupo
expressivo de agricultores do projeto. "Pretendemos
certificar todas as nossas propriedades, bem como
toda a cadeia produtiva", comenta o coordenador
presidente Eugênio Vacaro.
Produção
A produção do Reca
(Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado)
é comercializada em várias regiões
do Brasil, e há representações
do Reca em Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Rio
de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). A organização
também tem parceria com a Natura, que consome
toda sua produção de manteiga de cupuaçu.
Só em 2009, foram entregues 22 toneladas
do produto à empresa de cosméticos,
que emprega o sistema de repartição
de benefícios nessa parceria. Cerca de 0,15%
da receita líquida dos produtos à
base de manteiga de cupuaçu são destinados
à associação.
O Reca também é
convidado para participar de feiras em todo o Brasil
e outros países amazônicos. Além
de vender e expor os produtos, os associados aproveitam
as oportunidades para estabelecerem intercâmbios,
contactar novos clientes e outras entidades para
futuros negócios.
Resultados
O produtor Semildo Kaefer está
na região desde 1978, e faz parte do Reca
desde o início da associação.
Atualmente ele tem 13 hectares de sistemas agroflorestais
implementados. Sua produção anual
chega a 40 mil quilos de cupuaçu, e há
também açaí, café, pupunha,
bacaba e rambotã. A renda anual do agricultor
varia entre R$ 40mil e R$ 50 mil, e sua propriedade
já tem certificação orgânica.
Ele garante que "quando há este rótulo
não pode haver queimada".
Já o agricultor Selvino
Sordi implantou os SAFs em 5 hectares. No último
ano produziu 18 toneladas de cupuaçu, mas
chegou a alcançar o recorde de 30 toneladas.
A área estava muito degradada antes do sistema
agroflorestal, mas hoje ele colhe 22 tipos de espécies
em sua propriedade.
Sordi explica que chegou à
região em 1976 para criar gado. "A nossa
situação melhorou depois que ingressamos
no Reca. Sem isso muitas famílias já
teriam ido embora, porque houve dificuldades tremendas",
alega o produtor, ressaltando que a associação
ajudou a impedir o êxodo das famílias
para a cidade.
Residente em Nova Califórnia
há 23 anos, Francisco Berkenbrock tem 16
hectares de produtos florestais plantados. Ele foi
para a região pensando em implementar lavoura
branca. "Antes não tínhamos alternativas
e eu não sabia exatamente o que iria acontecer.
Passamos por momentos difíceis, e o Reca
foi a nossa salvação".
Hoje toda a família trabalha
na produção, e o filho mais velho
se formou como técnico agrícola para
ajudar a cuidar da propriedade. Ele tem uma safra
anual de 19 toneladas de cupuaçu, 4500 hastes
de palmito e 2500 quilos de semente de pupunha.
Sua renda varia entre R$60 mil e R$70 mil ao ano.
Também oriundo do Rio Grande
do Sul, seu irmão Engelberto Berkenbrock
tem 6 hectares e admite já ter extraído
madeira da floresta pra vender. Ele garante que
não compensou tirar madeira da mata, e que
atualmente a renda obtida permite que não
seja necessário o corte de árvores.
"Ganha-se mais dinheiro com a floresta em pé
do que derrubada, porque destruindo você só
ganha uma vez. E as árvores levam tanto tempo
pra crescer de novo que dá pra entender porque
é considerado um crime o corte sem manejo",
lamenta.
Seu Raimundo Cunha, 65, é
natural da região. Hoje retira 600 quilos
de palmito e 3 toneladas de cupuaçu por safra.
Ele também planta palmito pupunha, café
e castanha. Antes era seringueiro e extrativista
de castanha, e admite já ter enfrentado dificuldades
para alimentar a família. "O Reca melhorou
a vida da gente, e tenho dois filhos que estudaram
com apoio da associação".
Histórico
O Reca foi implementado na região
de Nova Califórnia (RO) em 1987, por iniciativa
de um grupo de agricultores oriundos de várias
partes do Brasil (especialmente do Sul e do Centro-Oeste),
que foram assentados pelo Incra no seringal Santa
Clara, em meados da década de 70. As terras
eram demarcadas e entregues às famílias
com a condição de que as mesmas promovessem
o desmatamento do terreno para a implantação
da agricultura, sem planejamento ou manejo adequados.
Quem não desmatasse corria
o risco de perder a terra para outro agricultor,
e assim as famílias eram pressionadas a derrubar
a floresta. Não demorou muito para que os
produtores percebessem que o solo daquela região
não era o mais propício para a introdução
da chamada lavoura branca, baseada na plantação
de trigo, arroz e milho, dentre outras espécies.
Diante das dificuldades encontradas,
os agricultores migrantes promoveram uma parceria
com seringueiros e pequenos agricultores da região,
a fim de montar uma organização extrativista
sustentável, que associasse suas experiências
de organização social e cooperação
aos conhecimentos dos povos da floresta, que conheciam
as plantas frutíferas adequadas e melhor
época de plantio.
Sem apoio, recursos e assistência
técnica, e ainda convivendo com uma forte
epidemia de malária, os associados enviaram
o primeiro projeto ao então bispo do Acre
Dom Moacyr Grech. A proposta foi enviada à
Cebemo (Organização Holandesa de Co-financiamento
e Desenvolvimento de Programas), que oferece apoio
a grupos de países em desenvolvimento. Com
os primeiros recursos recebidos, eles implementaram
o sistema agroflorestal em 400 hectares, por meio
do plantio de pupunheira para frutos, cupuazeiro
e castanha da Amazônia (também conhecida
como castanha do Pará).
A partir de 1992, o Reca passou
por um período de fortalecimento institucional,
e outros produtores do Acre e do Amazonas se integraram
à associação. Desde então
a organização passou a contar com
o apoio do MMA, Embrapa/AC, e de diferentes ONGs
estrangeiras, como a italiana Milco e a CCFD (Comitê
Católico Contra Fome para o Desenvolvimento
do Mundo), dentre outras.
O projeto recebe mais de 1500
visitas por ano, tanto de estudantes - alguns deles
em fase de mestrado e doutorado - quanto de outras
cooperativas, associações, ribeirinhos,
grupos indígenas e outros autônomos.
Ação Social
Desde o surgimento da organização
existia a preocupação de apoiar a
formação educacional dos filhos dos
produtores. A intenção é oferecer
ensino adequado às famílias, para
que os jovens sejam motivados a voltar para o campo
e trabalhar na propriedade. A equipe de educação
do Reca conseguiu ingressar vários alunos
em uma Escola Família Agrícola, onde
é aplicada a Pedagogia da Alternância,
e está concluindo outra, em parceria com
a Secretaria de Educação do Acre.
O aluno frequenta a escola 15
dias por mês, e nos outros 15 aplica as técnicas
e conhecimentos aprendidos na propriedade da família.
"Dessa forma o jovem não quebra o vínculo
social que tem com o ambiente rural onde vive e
traz novas possibilidades de desenvolvimento técnico
para a família, fatos que contribuem para
a redução do êxodo rural",
comenta Hamilton Condack.
Além disso, foi criada
uma equipe que desenvolve ações de
saúde. Os membros realizam partos e alguns
exames para análise de doenças, como
malária, com equipamentos disponibilizados
na sede. A organização contribui ainda
com atividades sociais em todo o município
de Nova Califórnia e dá apoio a outras
três associações da região.
O Reca também investe em
formação técnica para os sócios
nas áreas de comercialização,
administração rural, compostagem orgânica,
práticas de produção e gestão
da propriedade.
Organização
A organização é
constituída por 12 grupos, cada um com um
líder e dois coordenadores. As reuniões
acontecem nos primeiros sábados de cada mês,
e depois os líderes repassam as informações
para seus grupos, que sempre têm uma coordenadora
mulher. O líder organiza os trabalhos de
grupos, como mutirões e reuniões,
e o coordenador os trabalhos direcionadas à
organização.
Existem ainda cinco equipes de
apoio nas áreas de educação,
comercialização, execução
de projetos, conselho fiscal e apoio. A cada ano
são promovidas duas assembleias gerais, onde
todos os associados se reúnem para discutir
as decisões finais, como aprovação
e balanço de safra. A eleição
da diretoria é realizada a cada dois anos.
Hoje a sede do Reca conta com
um dormitório, refeitório, auditório
para reuniões e salas de escritório.
O espaço é utilizado para os encontros
e reuniões de toda a associação.
Confira outras espécies
encontradas nos SAFs do projeto
Pupunheira para frutos e sementes,
acerola, araçá-boi, patoá,
copaíba, andiroba, teca, cedro, mogno, cumaru,
abiu, cerejeira, açaí de touceira
e da espécie solteiro, ipê e amarelão.