02/12/2009 - A Comissão
de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal promove
nesta quarta-feira (2/12), uma audiênica pública
sobre a construção da Usina de Belo
Monte na Bacia do Rio Xingu (Pará), que ameaça
a vida e a subsistência dos povos indígenas
e demais populações que habitam a
região. Estarão no evento cerca de
200 indígenas e ribeirinhos. Em seguida,
às 11h, na rampa do
Senado, as comunidades xinguanas farão um
ato contra a construção da hidrelétrica.
À tarde, alguns representantes da comitiva
participarão de reuniões no Tribunal
Regional Federal da 1ª Região (TRF1)
e no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos
Naturais (Ibama).
Especialistas de todo país
têm alertado para o impacto sem precedentes
que a construção da Usina de Belo
Monte terá sobre o ecossistema local, inclusive
com a redução do volume de água
no trecho conhecido como Volta Grande, o que pode
afetar de maneira irreparável a pesca e a
fauna. Além disso, serão alagados
cerca de 51 mil hectares de floresta.
Outra conseqüência
danosa da obra será o incremento populacional.
Segundo o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte,
serão atraídas para a região
mais de 100 mil pessoas, o que agravará a
pressão sobre os recursos naturais. O aumento
populacional que o empreendimento trará afetará
também as comunidades locais porque incentivará
um consequente aumento do desmatamento, da pesca
e caça ilegal, da exploração
madeireira e garimpeira.
O governo federal, interessado
na concretização de Belo Monte, a
qualquer custo, violou o legítimo direito
à consulta livre, prévia e informada
das comunidades indígenas, ribeirinhos e
demais afetados pelo empreendimento. Direitos estes
garantidos na Constituição Federal
e na legislação internacional (Convenção
169 da OIT e Declaração da ONU sobre
os Direitos dos Povos Indígenas). As audiências
públicas obrigatórias que antecederam
o projeto estão sob investigação
do Ministério Público Federal, por
não contarem com a participação
de todas as comunidades indígenas e outras
populações do Xingu. Nem mesmo o próprio
Ministério Público Federal participou
das reuniões.
Aval da Funai
Apesar das contestações
ao processo de licenciamento e do desrespeito à
legislação indigenista, a Fundação
Nacional do Índio (Funai) apresentou parecer
favorável à usina, contrariando a
posição de seus próprios técnicos
e de especialistas, mas sobretudo dos povos indígenas
contrários à construção
da Usina de Belo Monte e de qualquer outro empreendimento
que afete o curso do rio Xingu.
Audiência na PGR
Ontem, 1º de dezembro, as
comunidades xinguanas participaram de Audiência
Pública na Câmara de Coordenação
e Revisão (Índios e Minorias) do Ministério
Público Federal. A Sub-procuradora Geral
da República Débora Duprat afirmou
que a audiência visava atender a demanda dos
povos do Xingu por mais explicações
sobre o projeto da Usina de Belo Monte. Contudo,
ela ressaltou que o evento em Brasília não
pretende substituir as novas audiências sobre
o tema que deveriam ocorrer no Pará. No evento,
foi destacada a ausência da Fundação
Nacional do Índio (Funai), que não
enviou representante para a audiência. A Eletrobrás
e a Eletronorte, mesmo confirmando presença,
também não estiveram representadas.
Para saber mais acesse.
+ Mais
Cooperação franco-brasileira
promove seminário sobre sistemas agrícolas
locais como patrimônio cultural
02/12/2009 - Estudos de caso e
etnografias foram apresentados para debater as dinâmicas
do manejo agrícola, dos conhecimentos locais
associados e das redes sociais que os sustentam,
além de orientarem a discussão sobre
instrumentos para salvaguardá-los. O destaque
foi o sistema agrícola do Rio Negro(AM) em
processo de patrimonialização. O evento
foi promovido pelo Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
e pelo Institut de Recherche pour le Development
(Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento -
IRD), com participação de pesquisadores
do ISA.
A França, utilizando as
figuras de Parques Regionais e de Indicação
de Origem, o Terroir, e o Brasil, com o uso, ainda
incipiente, de Registros de Patrimônio Imaterial
são vanguarda em pesquisas e formulação
de instrumentos de salvaguarda de conhecimentos
tradicionais associados à agricultura. As
experiências dos dois países foram
apresentadas durante seminário realizado
em 19 e 20/11, na Embaixada da França, em
Brasília. Rico na promoção
de intercâmbio de informações
e discussões pioneiras, o evento contou com
a participação de representantes da
FAO (Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação),
Unesco, Embaixada da França, Iphan (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional), IRD (Institute de Recherche pour le Development),
Associação das Comunidades Indígenas
do Médio Rio Negro (Acimrn), pesquisadores
do Projeto de Pesquisa Pacta (Populações,
Agrobiodiversidade, Conhecimentos Tradicionais Associados
–Unicamp/IRD), do ISA, da Embrapa, da Universidade
de La Plata na Argentina e da Secretaria Nacional
de Meio Ambiente da Guiné Bissau.
Patrimônio invisível
A agrobiodiversidade nas regiões
do Alto Rio Juruá, especialmente na Reserva
Extrativista do Alto Juruá, no Acre, e no
Rio Negro, especialmente Médio Rio Negro,
Amazonas, são temas de pesquisa do projeto
Pacta, em cooperação entre Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e o IRD, que mantêm
vínculos estreitos com o ISA. O projeto,
cujo principal objetivo é pensar novas formas
de valorização dos sistemas agrícolas
tradicionais, vem proporcionando aos moradores destas
regiões um ambiente de reflexão sobre
suas maneiras de fazer roça, manejar as plantas
cultivadas, transmitir conhecimentos e modos de
fazer e se alimentar. No Rio Negro, por exemplo,
houve um desdobramento das pesquisas e reflexões
locais que culminou na solicitação
de reconhecimento do Sistema Agrícola do
Rio Negro como patrimônio imaterial ao Iphan,
protagonizado pela Associação das
Comunidades Indígenas do Rio Negro, e ainda
em trâmite de elaboração de
dossiê e aprovação. Este processo
ensejou a realização do seminário
e sua sustentação e implementação
residem na cooperação entre instituições
brasileiras de políticas públicas,
instituições de pesquisa e sociedade
civil. Para saber mais sobre este processo veja
quadro abaixo.
Mas por que os sistemas agrícolas
adquiriram tanto destaque e o do Rio Negro pode
até ser reconhecido como patrimônio
imaterial? Os estudos de caso e etnografias apresentados
durante o evento responderam, com detalhes, a estas
perguntas, que nem eram as grandes questões
propostas para o debate.
Lucia van Velthem, do Ministério
da Ciência e Tecnologia e do Pacta, ressaltou
que artefatos usados no Rio Negro estão vinculados
ao modo de processar a mandioca, diretamente relacionado
com manejo e alimentação. São
leves, realizam movimentos sincrônicos. Não
se trata de um repertório de artefatos passivo,
eles oferecem resistência e são “cheios
de vontade”: “o forno é que sabe se a farinha
será boa ou não, não o forneiro,
é o forno que sabe.” Estas características
orientam a gestão do uso e produção
destes bens compondo seu valor patrimonial.
A pesquisadora Laure Emperaire,
do IRD/Pacta, demonstrou que o sistema agrícola
do Rio Negro é um bem patrimonializável
pelo seu caráter complexo de manejo que inclui
os espaços, a diversidade das plantas, as
receitas, as formas de nomear e qualificar as manivas
e, talvez, principalmente, pelas formas de transmissão
do conhecimento, e redes de trocas que operam na
dimensão do espaço (entre as cabeceiras
da Bacia do Rio Negro, em Mitu, na Colômbia,
até sua foz, em Manaus) e no tempo (de gerações
em gerações). A exposição
de Laure mostrou que a diversidade das plantas tem
sua origem no próprio mito de origem da agricultura
para os povos indígenas do Rio Negro. Mais
do que a planta em si é o seu nome em cima
de um suporte biológico que é transmitido,
e por isso seu valor de patrimônio.
Há algum tempo que no Brasil
se reconhece o valor do empirismo das populações
tradicionais em criar novas variações
cultiváveis, mas nunca houve políticas
oficiais que dessem visibilidade aos serviços
ambientais e de segurança alimentar prestados
pelas populações que detém
o conhecimento associado a tais técnicas.
Na verdade, o que se vê, ao contrário
de programas de salvaguarda e políticas de
visibilidade, são programas rurais extensionistas
que, muitas vezes, levam às regiões,
tecnologias que não consideram os processos
de inovação elaborados e postos em
prática dia após dia pelas populações
locais. Parece que os modos de produzir, principalmente
no Rio Negro, estão operando e repousam sobre
saberes agronômicos locais. O que poderia
ajudar a mantê-los dinâmicos seriam
projetos de salvaguarda que levassem em consideração
por um lado, protocolos sustentáveis de escoamento
de certos produtos agrícolas de alto valor
agregado e, por outro, a aparente desmotivação
dos jovens em ir para roça, aprender a tecer
os artefatos ou valorizar os produtos locais no
dia-a-dia da alimentação.
Urbanização acelerada
e mudanças climáticas
Em exposição de
caráter etnográfico, a pesquisadora
Cristiane Lasmar, do Museu Nacional, indicou que
a urbanização acelerada de São
Gabriel da Cachoeira e as novas formas de enlaces
matrimoniais (entre mulheres indígenas e
homens brancos) podem acarretar implicações
no sistema agrícola do Rio Negro, principalmente,
por alterarem o sistema de vontades e desejos individuais.
Aspectos das mudanças climáticas,
como períodos severos de seca e chuvas, e
projetos nacionais de infraestrutura foram apresentados
pelo pesquisador do ISA, Arnaldo Carneiro, como
ameaças de escala maior aos sistemas tradicionais
de fazer agricultura. Carneiro terminou sua exposição
trazendo ao debate uma questão sobre “modernização”
dos sistemas locais como incremento positivo para
manutenção dos mesmos, de um modo
geral.
As questões postas pelas
ameaças não foram respondidas de maneira
consensual durante o simpósio, mas esquentaram
o debate e receberam alguns indicativos otimistas.
Em pesquisas recentes, Lucia van
Velthem e Laure Emperaire vêm revelando que
o repertório de plantas cultivadas, bem como
o de artefatos usados para processar a farinha é
maior nas proximidades da sede municipal de Santa
Isabel do Rio Negro e nas comunidades mais próximas
a elas quando comparado com comunidades mais distantes
nas margens do Rio Negro e principais afluentes.
Isso se deve ao fato do aumento da rede de trocas
e da maior possibilidade de obtenção
dos bens - mudas, manivas e artefatos - nos centros
urbanos.
Também apareceram no debate,
como formas de inverter o determinismo de catástrofes
climáticas, grandes projetos nacionais de
infraestrutura e urbanização, redes
de experimentação de novas formas
de organização dos territórios
e protagonismo político conquistado por diferentes
grupos sociais, inclusive por meio de acesso à
políticas culturais e de patrimonialização.
Dificuldades de implementar salvaguardas
A questão não é
que não se saiba o valor dos conhecimentos
tradicionais associados ao modo de fazer agricultura.
Charles Darwin já havia chamado atenção
para o caráter “inconsciente” de selecionar
plantas das sociedades com quem teve contato. O
antropólogo Lévi-Strauss, por sua
vez, observou que os povos indígenas administram
lógicas e taxonomias complexas para as plantas
cultivadas e, além disso, possuem técnicas
sofisticadas de manejo. A questão é
saber se os sistemas locais superam as ameaças
e como dar suporte jurídico-político
para salvaguardá-los.
Para Cecília Londres, do
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
do Iphan, que abriu o seminário com uma conferência,
patrimonializar, reconhecer um sistema agrícola
é um desafio instigador, menos pelo processo
de qualificá-lo, descrevê-lo e delimitá-lo,
e mais pelas dificuldades de implementar um programa
de salvaguarda que dê conta do caráter
dinâmico deste sistema.
O registro de um bem cultural,
como o sistema agrícola, em um livro de patrimônios
imaterial do Iphan, que não deve existir
sem um programa de salvaguarda elaborado pelo próprio
Iphan junto aos detentores do bem, poderia ser considerado,
por alguns, como uma forma de enrijecer o sistema,
colocar a cultura em uma camisa de força.
Contudo, esta contradição tem um potencial
interessante. Se por um lado a “cultura” é
um termo caro à antropologia e quase que
evitado por autores de livros e etnografias contemporâneas,
por outro, índios e grupos sociais diversos
vêm se utilizando dele para legitimar-se historicamente,
indicando que processos de patrimonilaização
têm implicações políticas
e de auto-reflexão importantíssimas.
Ademais, o reconhecimento do sistema agrícola
como patrimônio potencializa, segundo o antropólogo
Mauro Almeida, da Unicamp e do Pacta, o horizonte
de articulação entre políticas
de natureza e políticas de cultura.
Para a antropóloga Manuela
Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago e
do Pacta, as coisas não se tornam visíveis
por si próprias, isso só ocorre a
partir de processos históricos, políticos
e muita mobilização social. Patrimonializar
o sistema agrícola é criar uma nova
alcunha que, por meio da visibilidade do que antes
era apenas virtual, resolve algumas questões.
Uma alternativa prática para o plano de salvaguarda
é estreitar este processo de explicitar tais
serviços, com as lógicas de mercado,
como seqüestro de carbono e pagamento por serviços
ambientais, por exemplo. Estas são, certamente,
fórmulas importantes que deverão ser
consideradas, mas, talvez, não sejam suficientes.
O Sistema Agrícola do Rio
Negro
A base do dossiê que sustenta
a tese de patrimonialização do sistema
agrícola do Rio Negro é o projeto
de pesquisa denominado Pacta (Populações,
Agrobiodiversidade e Conhecimentos Tradicionais
Associados), iniciado em final de 2005 no âmbito
da cooperação bilateral Unicamp-CNPq
e IRD e coordenado pelo antropólogo Mauro
Almeida e pela etnobotânica Laure Emperaire.
Dele participam pesquisadores do ISA. Ao longo desses
quatro anos foram construídas parcerias com
a Acirmn e a Foirn (Federação das
Organizações Indígenas do Rio
Negro). O apoio do Iphan levou à realização
de um projeto de documentação sobre
o sistema agrícola do Rio Negro e à
assinatura de um termo de cooperação
técnica, em agosto de 2009, para ampliar
e consolidar essa reflexão sobre a diversidade
dos sistemas agrícolas tradicionais no Brasil.
A abordagem é sistêmica,
multidimensional, e interdisciplinar, por isso o
conceito de sistema agrícola. Trata-se de
um processo continuum entre modos de utilização
e de gestão de um território relacionados
à: técnicas agrícolas propriamente
ditas; diversidade de espécies e variedades
associadas; formas de transmissão dos conhecimentos;
produções culturais, como é
o caso dos artefatos e objetos e formas de uso das
plantas cultivadas. Por exemplo, o processo de preparo
de cachiri (bebida fermentada) ou da farinha de
mandioca. O foco localiza-se, sobretudo, nos processos
que conduzem a existência de um corpo de saberes,
práticas e representações associados
a recursos biológicos, bem como, nos atores
desses processos e da gestão territorial
onde tais processos ocorrem.
A partir de pesquisas participativas
realizadas com pesquisadores indígenas e
acadêmicos com famílias no município
de Santa Isabel do Rio Negro pode-se aferir que
existem mais de 200 espécies cultivadas com
uso alimentar. Incluídas as plantas cultivadas
de uso medicinal, ornamentais e outras, esse número
pode chegar a quase 300. Esse acervo inclui plantas
locais da região (endêmicas), plantas
amazônicas ou plantas do Brasil ou de outros
continentes incorporadas historicamente. Novas plantas
continuam sendo incorporadas, demonstrando um constante
interesse das populações pela novidade
e inovação botânica.
Os modos de preparo dos derivados
da mandioca são extremamente complexos e
variados: farinhas, beijús, cachiris, mingaus
e outros. Estes preparos são compartilhados
entre as diversas etnias, às vezes com pequenas
variações. Cada receita associa variedades
diferentes de mandioca e de outros produtos, como
pimentas e frutas. Em 2009, também no âmbito
do Ano da França no Brasil, os sabores do
Rio Negro, receitas e produtos agrícolas
foram matéria de intercâmbio entre
mestres da culinário local de São
Gabriel da Cachoeira e chefs de restaurante de São
Paulo e Paris. Saiba mais
ISA, Carla Dias.