19/02/2010 - Depois de quatro
anos de trabalho, um grupo de cientistas brasileiros
concluiu o desenvolvimento de um ambiente computacional
que, por meio de softwares livres de código
aberto, permite modelar e estudar a distribuição
de espécies biológicas em diferentes
cenários.
Denominado openModeller, a novidade
foi desenvolvida pelo Centro de Referência
em Informação Ambiental (Cria), no
âmbito de um Projeto Temático apoiado
pela Fundação de Apoio à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp). O trabalho
foi feito em parceria com o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe/MCT) e com a Escola Politécnica
(Poli) da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com Vanderlei Perez
Canhos, coordenador do Temático e diretor-presidente
do Cria, o openModeller foi concebido inicialmente
para facilitar o acesso aos dados da rede Species
Link – um sistema distribuído de informação
que integra, em tempo real, dados primários
de coleções científicas e tem
cerca de 180 coleções e 3,5 milhões
de registros.
O Species Link foi desenvolvido
pelo Cria entre 2001 e 2005, no âmbito do
Biota-Fapesp, e se comunica com outras redes do
Programa, como o Sistema de Informação
Ambiental (SinBiota). Isso permite que o openModeller
realize modelagens integrando o conjunto de dados
disponíveis em diferentes redes.
“É um ambiente computacional
de acesso gratuito, com interface amigável,
que possibilita a modelagem da distribuição
de espécies e dados ambientais com uso de
diferentes algoritmos, projetando os modelos em
diversos cenários e utilizando diferentes
plataformas”, diz Canhos.
O conceito por trás do
openModeller é a disponibilização
de um ambiente computacional que permita selecionar
diferentes camadas de dados e algoritmos e, por
meio desse ambiente, obter acesso a mecanismos capazes
de analisar dados antes e depois do processamento.
“A partir daí, podemos construir modelos
e visualizá-los em uma escala espacial”,
explica.
Os resultados do projeto, incluindo
todos os detalhes do desenvolvimento do openModeller,
foram publicados em agosto de 2009 na revista GeoInformatica,
em artigo de autoria de pesquisadores do Cria e
de parceiros internacionais. O projeto temático
foi concluído no início deste mês.
Segundo Canhos, a modelagem de
distribuição potencial consiste em
definir os pré-requisitos ecológicos
fundamentais para a ocorrência de uma espécie,
extrapolando-os para uma região geográfica.
Os dados sobre ocorrências de espécies
são fundamentais não só para
construir cenários voltados para a conservação
da biodiversidade, mas também para desenhar
estratégias para o controle de doenças
infecciosas, por exemplo.
“Se quisermos analisar como se
espalha a leishmaniose em função da
perda de cobertura vegetal, precisamos de dados
de ocorrência do vetor e do hospedeiro, além
de dados abióticos como pluviosidade e mudanças
climáticas. A partir daí, é
preciso que toda essa infraestrutura de dados possa
ser acessada de forma transparente, com ferramentas
que permitam sua visualização e análise.
Essa é a proposta do openModeller”, diz.
Além de indicar estratégias
para a conservação da biodiversidade
– apontando áreas prioritárias com
ocorrência de espécies raras, por exemplo
– e de controle de doenças infecciosas, a
modelagem pode ser útil também para
previsão de impactos das mudanças
climáticas globais e das atividades humanas
sobre a biodiversidade e para a prevenção
e controle de espécies invasoras.
De acordo com Canhos, enquanto
o Cria contribuiu com a experiência no desenvolvimento
de sistemas on-line e na concepção
da infraestrutura computacional, o Inpe trabalhou
no desenvolvimento das camadas de dados ambientais
e na integração do openModeller ao
sistema TerraLib – tecnologia que pode ser usada
para acessar e armazenar dados geoespaciais.
Já a Poli atendeu à
demanda de construção simultânea
de modelos para várias espécies com
uso de diferentes camadas ambientais e contribuiu
com tecnologia adaptativa, computação
paralela e desenvolvimento de algoritmos.
“O ambiente computacional que
desenvolvemos tem uma computação muito
pesada. Foi preciso comprar um cluster de computadores
de alto desempenho, que ficou alocado na Poli”,
conta Canhos.
Species Link
O diretor-presidente do Cria destaca
que, além do desenvolvimento do ambiente
computacional, o projeto gerou grande retorno acadêmico,
envolvendo expressivo número de pós-graduandos
tanto na USP como no Inpe. O projeto gerou, até
o momento, 12 artigos científicos e 49 apresentações
em conferências.
“Tivemos nove doutorandos, cinco
mestrandos e sete estudantes de graduação,
além de seis bolsistas de treinamento técnico
envolvidos com o projeto. Muitos pesquisadores do
Cria, da Poli e do Inpe também tiveram envolvimento
direto. O resultado é que o projeto rendeu
um programa de capacitação muito abrangente,
gerando várias teses e dissertações”,
disse.
O projeto do openModeller nasceu
no contexto da contínua expansão da
rede Species Link. “Concluída em novembro
de 2005, a rede continuou evoluindo e aumentando
não apenas no número de provedores,
mas também na melhor qualidade de dados.
Quando concluímos o projeto, a rede contava
com 700 mil registros de cerca de 40 coleções
biológicas brasileiras. Agora, temos cerca
de 3,5 milhões de registros em 180 coleções”,
diz.
A rede Species Link é fundamentada
na concepção de acesso livre e aberto.
O openModeller herdou essa premissa e, além
disso, roda em sistemas operacionais Linux, Windows
e Mac OS.
“Tudo foi desenvolvido em código
aberto: os algoritmos e as ferramentas para verificar
qualidade dos dados, integrá-los e visualizá-los.
Tudo está disponível para que o usuário
possa modificar da maneira que lhe for mais conveniente.
Essa estratégia foi muito importante para
que pudéssemos ter a colaboração
de especialistas estrangeiros, além do pessoal
do Cria, da Poli e do Inpe”, explica.
Agora que o projeto foi concluído,
de acordo com Canhos, o Cria continuará focado
em trabalhos relacionados à infraestrutura
de dados. “Apesar da grande quantidade de coleções
incluída no Species Link, essa dimensão
ainda é minúscula em relação
à megadiversidade brasileira. Essa infraestrutura
ainda deve crescer muito, com o desenvolvimento
de várias sub-redes temáticas, como
na área de coleções zoológicas”,
diz.
Veja também: www.cria.org.br