12 de fevereiro de 2010 - Um fato
inédito ocorreu na Terra Indígena
Zo'É, noroeste do Estado do Pará.
Nos dias 14 e 15 de janeiro foram realizadas cirurgias
por videolaparoscopia para a remoção
de colecistopatia, mais popularmente conhecida como
pedra na vesícula. Situada entre os rios
Cuminapanema, Urucuriana
e Erepecurú, noroeste do Estado do Pará,
a Frente de Proteção Etno-Ambiental
Cuminapanema trabalha com 245 indígenas da
etnia Zo'é, divididos em 11 aldeias, habitantes
de seu território de ocupação
imemorial.
A necessidade cirúrgica
foi inicialmente diagnosticada por ultrassonografias,
feitas com equipamento portátil e na própria
área indígena, o que indicou o problema
em quatro mulheres Zo'É. O procedimento foi
minimamente invasivo, o que permitiu um pós-operatório
quase indolor e com pronto restabelecimento, possibilitando
liberação dos pacientes em menos de
24 horas.
Acredita-se que a alimentação
dos Zo’É, rica em castanha-da-amazônia
e gordura animal, favoreça o aparecimentos
das pedras, com mais frequência em mulheres.
A doença, quando agravada, pode levar a óbito
pela infecção na vesícula biliar
ou obstrução da via biliar principal.
Atualmente o povo Zo'é
apresenta um índice de mortalidade infantil
zero. A incisiva e contínua ação
e promoção do quadro de saúde
coletiva se dá por meio de investimento em
infraestrutura de atendimento na própria
área, tecnologia em equipamentos (recursos
laboratoriais, cirúrgicos e para atendimento
de emergências vitais), estoque de medicamentos
atualizado, disponibilidade de profissional de saúde
em área, em tempo integral, e estrutura de
telecomunicações em caso de urgência,
com sólida rede de profissionais médicos
colaboradores e instituições relacionadas
para o atendimento emergencial, quando necessário.
O empenho no aprendizado da língua
nativa e busca permanente pela valorização
da estrutura sócio-econômica autônoma
dos Zo'é, permite romper com práticas
de assistencialismo, que promoviam a dependência.
Concomitantemente à autonomia produtiva e
alimentar, o diálogo em sua própria
língua e o profundo respeito às suas
formas sociais promoveram a autoestima cultural
e o reconhecimento coletivo da importância
da perpetuação de sua autonomia produtiva
e práticas milenares, como o cerne de sua
sobrevivência e qualidade de vida, refletindo
positivamente na saúde, nos padrões
de ocupação territorial, na conservação
ambiental e na centralização da forma
de vida Zo'é como a essência de sua
autonomia e direito étnico. O Chefe da Frente
de proteção Cuminapanema, João
Lobato, que trabalha na região há
mais de 10 anos, destaca a importância desse
povo. Para ele, “o Zo'é hoje se constitui
ainda numa possibilidade de entendermos e/ou melhorarmos
a nossa relação com outros povos indígenas,
que ainda virão, enquanto isolados. E também
rever a possibilidade de conhecer melhor outros
povos”.
Todo o procedimento só
foi realizado com a colaboração do
Dr.Erik Jennings Simões, coordenador em saúde
da Frente Cuminapanema, do Dr. Alan Soares e Dr.
Bruno Moura, médicos radiologistas do Hospital
Regional do Oeste do Pará, Dr. Fábio
Tozzi, cirurgião do Projeto Saúde
e Alegria e médico colaborador junto aos
Zo’é, do Dr. Marcelo Averbach, cirurgião,
e do anestesista Dr. Enis Donizetti Silva, ambos
do Hospital Sírio-Libanês (SP), instituição
que emprestou o videolaparoscópio e todo
o aparato tecnológico. Para adaptar o Centro
de Saúde da Terra Indígena Zo’é
foi preciso da ajuda do Dr. Paulo Haiek, cirurgião
do Hospital Universitário da Paraíba
e Hospital Santa Izabel, que disponibilizaram parte
dos materiais. Em área, os cirurgiões
receberam integral apoio técnico e linguístico
da enfermeira Suely de Brito Pinto, da Frente Cuminapanema.
Memória
Os Zo'é tornaram-se publicamente
conhecidos no final dos anos 80 (inicialmente chamados
“Poturús”) como um dos últimos povos
da Amazônia a entrar em “contato efetivo”
com a sociedade ocidental. No início da década
de 80, missionários da Missão Novas
Tribos (MNTB), dispuseram-se a atraí-los
com fins evangelizadores, a revelia de autorização
do estado. Esta relação proselitista
perdurou por alguns anos e deixou sequelas coletivas,
sobretudo altíssimas taxas de morbi-mortalidade.
Em 1991, a FUNAI retirou legalmente a MNTB do território
Zo'é, assumindo a assistência exclusiva
daquela população. Mesmo sabendo da
existência do povo Zo'é, foi na década
de 90 que a Funai conseguiu a interdição
imediata do território, inicialmente conhecido
como Área Indígena Cuminapanema-Urucuriana
e, posteriormente, demarcado como Terra Indígena
Zo'é, com 668,5 mil hectares. Além
de garantir a demarcação da terra
indígena, a Funai se empenhou em adicionar
legalmente faixas de proteção ambiental
no entorno do território indígena,
implantando o princípio jurídico-ambiental
de “zonas intangíveis” para conservação
e reprodução segura dos espécimes
da flora e fauna e preservação de
recursos hídricos.