Brasília (23/03/2010) Há
uma semana, Doha deixou de ser associada exclusivamente
à Rodada do Desenvolvimento da OMC para tratar
da conservação e comércio internacional
regulado de espécies animais e vegetais silvestres.
A capital do Catar sedia, desde o dia 13 de março,
a 15ª Conferência das Partes da Convenção
sobre o Comércio Internacional de Espécies
da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção
(COP-15 da Cites). Até 25 de março,
representantes enviados pelos 175 países
integrantes da Convenção, incluindo
o Brasil, terão deliberado sobre mais de
100 propostas e recomendações para
a conservação de espécies silvestres
ameaçadas pelo comércio internacional
descontrolado. Animais emblemáticos, como
o elefante africano, o tigre-de-bengala e o urso-panda,
além de árvores como o mogno e o pau-brasil,
são algumas das espécies que têm
sua retirada da natureza e exportação
limitadas, suspensas ou mesmo proibidas pela Cites.
Pau-rosa
O Brasil voltará de Doha com uma vitória
para a gestão sustentável: a aprovação
por consenso de sua proposta de inclusão
da Aniba rosaeodora, árvore conhecida como
pau-rosa, na lista de espécies que terão
seu comércio internacional controlado pelo
sistema de certificação da Cites.
O pau-rosa é uma árvore Amazônica
cujo óleo essencial (linalol) é muito
utilizado na Europa e Estados Unidos para a formulação
de perfumes finos, entre os quais o famoso Chanel
no 5, usado por Marilyn Monroe. A exploração
predatória, no entanto, levou a espécie
à lista brasileira de espécies ameaçadas
de extinção. Com a inclusão
do pau-rosa no Anexo II da Convenção
– que controla, mediante a concessão de licenças,
a exportação de produtos retirados
da natureza –, o governo brasileiro pretende não
apenas regular melhor o corte lícito dessa
madeira, para a produção do óleo
aromático, como também coibir sua
exploração ilegal.
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Em 2007, na COP-14 da Convenção,
realizada na Haia, nos Países Baixos, o Brasil
apresentou sua primeira proposta para proteção
de uma espécie brasileira comercializada
internacionalmente: o emblemático pau-brasil,
que, além do seu longo histórico de
exploração, é usado atualmente
na confecção de violinos. No Brasil,
entretanto, a lei ambiental já proibia a
exploração da espécie na floresta
nativa.
A fim de controlar também
o comércio internacional do cedro (Cedrela
odorata), o governo brasileiro anunciou a decisão
brasileira de incluir a espécie madeireira
no Anexo III da Convenção – ao qual
os países podem, autonomamente, recorrer
para controlar o comércio de suas populações
de fauna e flora nativas.
Atum-azul e tubarões
As atenções da COP-15, no entanto,
estão voltadas principalmente para o mar,
por conta das propostas de proibição
da pesca do atum-azul (caso fosse aprovada a inclusão
da espécie no Anexo I da Cites) e o controle
sobre a pesca comercial (Anexo II) de oito espécies
de tubarões, quando destinadas ao mercado
internacional.
A proposta de proteção
ao atum-azul (Thunnus thynnus), elaborada pelo Principado
de Mônaco, despertou grande resistência
dos países asiáticos, que comercializam
esse valorizado produto pesqueiro. Apesar do apoio
dos Estados Unidos à proibição
da pesca de atum-azul e da tentativa inicial da
União Européia de conciliar interesses
divergentes em sua própria região
(condicionando a entrada em vigor da proposta aos
resultados dos esforços de conservação
a serem apresentados no fim do ano), prevaleceu
a força do lobby japonês. A proposta
de Mônaco, apoiada pela FAO e pelas principais
organizações ambientalistas internacionais,
foi submetida a votação e amplamente
rejeitada1. Mantiveram-se, assim, os critérios
atuais para a exploração do atum-azul,
pescado nas águas do Atlântico Norte
e largamente utilizado na preparação
do sushi nas cozinhas asiáticas.
O Brasil, que não pesca,
não exporta nem importa atum-azul (e cujos
sushis são elaborados com outras espécies
de atum), privilegiava a busca de uma solução
intermediária, como o comércio controlado
em vez de sua suspensão. Acreditava, ainda,
que uma atuação coordenada entre a
Cites e a Comissão Internacional para a Conservação
do Atum Atlântico (ICCAT) traria maiores resultados
para a conservação da espécie,
a exemplo do que já ocorre com a baleia no
âmbito da Comissão Internacional da
Baleia (CIB). Como a maioria dos países se
recusou a dialogar sobre o tema, a delegação
brasileira optou pela abstenção.
Os tubarões não
são tão palatáveis à
mesa quanto o atum-azul, mas seus derivados (pele,
óleo, cartilagem, dentes e, especialmente,
a barbatana) constituem valiosos produtos no comércio
internacional, muito utilizados pela medicina tradicional
asiática. Geralmente, os tubarões
são vítimas do by-catch, a pesca incidental,
mas nem por isso menos predatória. Para não
ocupar na embarcação o espaço
de uma espécie mais rentável, como
o próprio atum-azul, os pescadores muitas
vezes só aproveitam as barbatanas do tubarão,
jogando sua carcaça de volta ao mar.
Devido à pesca predatória,
os estoques de espécies de tubarão
tendem a colapsar entre cinco e vinte anos, afirma
Henrique Anatole, analista ambiental do Ibama especializado
em recursos pesqueiros.
Os Estados Unidos propuseram regular o comércio
internacional de seis espécies de tubarões:
tubarão-martelo comum ou entalhado (Sphyrna
lewini), tubarão-martelo gigante (S. Mokarran),
tubarão-martelo liso (S. Zygaena), barriga
d’água (Carcharhinus plumbeus), cação-fidalgo
(C. Obscurus) e tubarão galha-branca (Carcharhinus
longimanus). O controle sobre outras duas espécies:
anequim (Lamna nasus) e galhudo malhado (Squalus
acanthias) é defendido pela Suécia,
com o apoio da União Européia. O Brasil,
que já proibiu a pesca do galha-branca, aprovou
em novembro passado um plano de ação
para recuperação das populações
de várias espécies e apoiará
todas as propostas apresentadas para a proteção
dos tubarões a serem votadas nos dias 23
e 24 de março.
No entanto, com a oposição
do bloco asiático, apoiado por grande parte
dos países árabes e africanos (e favorecido
pela divisão dos latino-americanos), estima-se
que as propostas de inclusão dos tubarões
na lista de comércio controlado tenham poucas
chances de alcançar a maioria qualificada
(2/3 dos votos válidos), necessária
para sua aprovação.
A Cites, seus anexos e a posição
brasileira
Em vigor desde 1975 - ano da adesão brasileira,
a Convenção sobre o Comércio
Internacional de Espécies da Flora e Fauna
Selvagens em Perigo de Extinção (Cites)
foi assinada por 175 países com o objetivo
de impedir que o comércio internacional de
animais e plantas silvestres comprometa a sobrevivência
das espécies. Assim, toda importação,
exportação e reexportação
de animais e vegetais (bem como suas partes e derivados)
cuja taxonomia esteja listada nos anexos da Convenção
precisa ser previamente autorizada, com a concessão
de licença Cites. As espécies encontram-se
distribuídas em três apêndices,
de acordo com o grau de proteção considerado
necessário.
O Anexo I inclui as espécies
ameaçadas de extinção, para
as quais o comércio é apenas permitido
em circunstâncias excepcionais. Nesses casos,
exigem-se licenças tanto de importação
quanto de exportação. O Anexo II reúne
espécies - não necessariamente ameaçadas
de extinção - cujo comércio
deve ser controlado a fim de evitar usos incompatíveis
com a sua sobrevivência. No âmbito desse
anexo, apenas a licença de exportação
é requerida. Por último, o Anexo III
elenca as espécies voluntariamente protegidas
em pelo menos um país que tenha solicitado
a outras Partes assistência no controle de
seu comércio.
De modo geral, o Brasil tende
a privilegiar o recurso ao Anexo II - que, ao promover
o comércio da fauna e da flora selvagens
em bases sustentáveis, viabiliza a conservação
e reprodução de espécies cujo
valor econômico é internacionalmente
reconhecido. Ainda no entendimento brasileiro, o
Anexo I ficaria restrito apenas aos casos de risco
de extinção, quando a interrupção
do comércio faz-se temporariamente necessária
para a recuperação das populações
ameaçadas.
A Cites estabelece apenas diretrizes
orientadoras, cabendo a cada país definir
legislações nacionais específicas
para a proteção das espécies
contempladas em seus anexos. No caso brasileiro,
a legislação ambiental acolhe integralmente
as diretrizes e demandas da Convenção,
classificando o Brasil na categoria 1 em termos
de implementação nacional do instrumento.
Além disso, o Brasil antecipou-se na implementação
de sistema de certificação eletrônica.
Há quatro anos, o Ibama economiza tempo e
dinheiro com a concessão segura de licenças
eletrônicas. No entanto, a Cites tem sua atuação
restrita às transações que
envolvem o comércio internacional. Não
possui, mandato para tratar de outros fatores de
ameaça, como o comércio ilegal dentro
dos limites de cada país, por exemplo.
Ascom Ibama