Notícia - 20 abr 2010 -
Um monte de estrume, encomendado especialmente pelo
Greenpeace para o governo federal, é a melhor
representação
do que esse projeto simboliza para o país
Brasília (DF) - Pouco antes
de o Sol despontar na capital federal na manhã
desta terça-feira, ativistas do Greenpeace
despejaram três toneladas de esterco na frente
da entrada principal do prédio da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), onde
o governo pretendia leiloar a concessão para
construção e operação
da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Sobre o morro formado de estrume, os ativistas colocaram
duas placas, com as mensagens: “Belo Monte de...
problemas” e outra, mais explícita: “Belo
Monte de merda”.
O protesto, é verdade,
assumiu contornos escatológicos. Mas era
a única maneira de resumir, em uma imagem,
a herança maldita que o governo Lula deixa
para o país insistindo nessa obra. Ontem,
a Justiça Federal concedeu uma liminar que
suspendeu novamente o leilão, a pedido do
Ministério Público Federal. Mas o
governo tentou reverter a decisão e conseguiu.
Ao meio dia, Tribunal Regional Federal cassou a
liminar da Justiça Federal e o leilão
deverá ser realizado ainda hoje.
Se sair do papel, Belo Monte será
ao mesmo tempo um disparate econômico, um
crime social e ambiental e uma mancha na história
do Brasil. O projeto ecoa um modelo de desenvolvimento
velho, que o país não deve nem precisa
investir, tendo em vista que é absolutamente
possível gerar a mesma quantidade de energia
com impactos infinitamente menores.
“Belo Monte é o exemplo
do que há de mais atrasado no Brasil, é
replicar o antigo molde energético que beneficia
poucos à custa de uma destruição
socioambiental imensa”, diz Sergio Leitão,
diretor de Campanhas do Greenpeace. “Defender Belo
Monte significa olhar o desenvolvimento do país
pelo espelho retrovisor. O Brasil de hoje e do futuro
podem seguir um caminho que una segurança
energética, crescimento econômico e
respeito ao ambiente e às pessoas.”
O custo inicial previsto pelo
governo para a obra, R$ 7 bilhões (valor
esse já revisado – para cima, obviamente
– agora em R$ 19 bilhões), seria suficiente
para formar um parque eólico equivalente
a Itaipu. Ou seja, em vez de o BNDES bancar 80%
desse projeto, como promete fazer, poderia aplicar
os recursos dos brasileiros de maneira muito mais
inteligente.
Outro argumento usado para justificar
o projeto é o custo de geração,
R$ 83 por megawatt/hora (MWh). Só que nessa
conta não entram os passivos sociais e ambientais.
Bater nessa tecla é menosprezar a vida de
pessoas que dependem do rio Xingu, assim como a
importância da floresta em pé para
o equilíbrio climático do planeta.
É o óbvio, mas não custa repetir
para quem governa: preço não justifica
tudo.
O custo da geração
eólica é de R$ 150/MWh, e das usinas
de cogeração a biomassa, de R$ 160/MWh.
“Hoje, as energias eólica e de biomassa são
opções economicamente viáveis
para o Brasil, com impactos socioambientais infinitamente
inferiores aos de Belo Monte”, explica Ricardo Baitelo,
coordenador da campanha de Energia do Greenpeace.
“A diferença tarifária para o valor
da usina planejada obviamente não compensa
o grave passivo social e ambiental inerente ao empreendimento.”
O custo da geração eólica e
solar também está muito a frente do
da nuclear e de termelétricas a óleo
combustível, que apresentam custos de R$
240/MWh e R$ 550/MWh, respectivamente.
Ataque ao coração
da floresta
Como se não bastasse a miopia generalizada
de Lula sobre alternativas mais amigáveis
de geração de energia, Belo Monte
seria construída em uma das mais belas regiões
da Amazônia, centro de alta biodiversidade
no sul do Pará.
Atualmente o local apresenta uma
boa taxa de preservação, quase uma
ilha conservada em meio ao avanço do desmatamento.
Mas a história de ocupação
da Amazônia mostra que, com toda grande megaobra
do governo, em conjunto vem uma onda de destruição
que varre floresta e povos tradicionais, como as
tribos indígenas que vivem do Xingu.
Ainda que o tamanho inicial do
projeto tenha sido reduzido, o impacto ainda é
inaceitável, com a derrubada de 12 mil hectares
no ano. Além disso, o que ninguém
envolvido no projeto gosta de dizer é que
costumeiramente o desmatamento esperado não
se concentra apenas na área delimitada para
a usina em si – ele cresce num raio muito maior,
impulsionado por uma promessa de desenvolvimento
da região que dificilmente se concretiza.
Proteger as florestas é
essencial para ajudar a reverter o aquecimento global
– compromisso assumido por Lula e sua então
ministra Dilma Roussef na última Conferência
do Clima, no ano passado, em Copenhague. Insistir
em Belo Monte é um erro. Em todos os aspectos.