27 Abril 2010
Artigo
Por Pedro Bara Neto*
Desde que o setor elétrico brasileiro retomou
a velha prática de que o futuro passa por
grandes projetos hidrelétricos na Planície
Amazônica, autoridades têm abusado de
um argumento simplório, onde um bom barramento
é aquele cuja relação entre
área inundada e capacidade de geração
é a menor possível.
Sob o ponto de vista de segurança,
para um sistema tão dependente da boa vontade
dos céus, o argumento é falso. Quanto
mais represas de grande porte com reservatórios
relativamente pequenos forem construídas
na Amazônia, mais inseguro será o sistema
elétrico em relação a eventos
climáticos extremos. Não só
para garantir a “energia firme”, mas também
para transportá-la por milhares de quilômetros.
Sob o ponto de vista de mitigação,
o argumento continua sendo simplório. Tome-se
o caso de Belo Monte, cuja engenharia consiste em
encurtar o caminho do Rio Xingu em um trecho conhecido
como Volta Grande. Nessa arriscada empreita, haveria
dois reservatórios. No primeiro, o rio se
transformaria em lago por 60km. Entre os prováveis
inundados, o estudo de impacto ambiental
Fala em 20 mil pessoas. Para os prejudicados em
sua atividade econômica, os números
ainda não são conhecidos porque falta
um cadastro socioeconômico.
No segundo, batizado de Reservatório
dos Canais, residem os grandes riscos da obra. Para
transformá-los em imensos canais de derivação
seria preciso escavar dois igarapés e o próprio
reservatório, antes de as águas chegarem
à casa de força principal. No final
dessas escavações sobraria, sabe-se
lá onde, um totem equivalente de terra sobre
um campo de futebol com 32 quilômetros de
altura e um de rocha com 10 quilômetros. Além
de inundar e prejudicar a vida do rio e o modo de
vida das 120 mil pessoas que vivem na sua área
de influência direta, Belo Monte também
teria de secar parte do rio. Por quê?
Apesar de ser caudaloso onde a
vazão máxima em um ano-ciclo (outubro
a setembro) úmido (73-74) pode chegar a quase
30.000 m³/s, isto é, 12 piscinas olímpicas
por segundo (abril-74), em um ano seco (98-99) essa
vazão pode se reduzir em até 60%.
Mesmo em um mesmo ano-ciclo as variações
são enormes, em média, de 20 para
1, ou seja, menos de 5% de água em períodos
secos.
Com um comportamento hidrológico
tão instável, a terceira represa do
mundo geraria apenas 40% do potencial potencial.
Enfim, quanto mais da escassa água passar
pelo curso original menos sobrará para gerar
energia.
Ante tudo isso, fica claro que
estamos diante de dois dilemas.
O dilema de quem vive e depende
do rio como meio de vida nos pedrais, nas cachoeiras
e nas florestas mais preservadas das terras indígenas.
Outro, o dilema do povo brasileiro e os bilhões
de reais que vão ser colocados em um arriscado
projeto cuja decisão de ir a leilão
foi tomada sobre um estudo com inúmeras incertezas
e insuficiências de informações.
O povo brasileiro vai ser sócio em 49% e
credor em até 85% do que não pode
ser economicamente viável, a menos que a
vida na Volta Grande do Xingu pague a conta.
(*) engenheiro, mestre pela Univ.
Stanford e líder da estratégia de
infraestrutura do WWF-Brasil na Amazônia
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Apreensão histórica
de madeira ilegal na Resex Renascer
27 Abril 2010
Por Lígia Barros, Felipe Lobo e Isadora de
Afrodite
Criada em julho de 2009 no município de Prainha
(PA), a Reserva Extrativista (resex) Renascer protege
400 mil hectares, dentro dos quais vivem cerca de
600 famílias em 14 comunidades. Mas elas
não estão sozinhas. Lá também
estão serrarias que obtiveram licença
de operação antes da criação
da unidade e, agora, se recusam a deixar o local.
De acordo com o art. 23, parágrafo
primeiro, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação,
“a Reserva Extrativista é de domínio
público, com uso concedido às populações
extrativistas tradicionais (...) e em regulamentação
específica, sendo que as áreas particulares
incluídas em seus limites devem ser desapropriadas
(...)”. Não foi o que aconteceu na Resex
Renascer.
Diante dessa realidade, um serviço
de fiscalização contínuo era
necessário. Para isto, no dia 22 de março,
teve início a Operação Arco
de Fogo, ação conjunta entre Ibama,
Polícia Federal e Força Nacional.
Uma semana depois, os fiscais tiveram uma primeira
surpresa: foi encontrada, escondida dentro da floresta,
uma quantidade de madeira estimada em 41 mil metros
cúbicos de madeira ilegal. O número,
que já era alto, continuou crescendo e as
estimativas chegaram a 60 mil metros cúbicos.
“Esta pode ser a maior apreensão
desta matéria-prima na história do
Brasil”, afirma Paulo Teles, delegado da Polícia
Federal e responsável pela força-tarefa.
Segundo Teles, o corte da madeira foi seletivo,
uma vez que as toras são provenientes de
árvores de alto valor econômico como
o Ipê, Jatobá, Maçaranduba e
Angelim. “A operação continua dentro
da reserva e devemos encontrar ainda maior quantidade
de madeira ilegal. Estamos investigando quem são
os responsáveis por esses cortes”, completa.
Essa apreensão chama a
atenção para a complexa realidade
da Amazônia brasileira, em que a presença
de atividades ilegais em unidades de conservação
não é uma exclusividade da reserva
extrativista Renascer. A extração
ilegal de madeira é uma das atividades que
contribuem para o desmatamento no Brasil – e, em
consequência, para as emissões de carbono
– e para a destruição dos ecossistemas
e perda de biodiversidade.
A principal causa do desmatamento
na Amazônia, no entanto, é o mercado
ilegal de terras, resultado da combinação
entre especulação imobiliária
e grilagem de terras. Um segundo elemento é
a expansão agropecuária e a busca
por novas áreas agricultáveis. A extração
ilegal de madeira combina-se com esses dois fatores,
servindo como passo inicial para a ocupação
de novas áreas.
Esse processo causa graves danos
aos ecossistemas e, consequentemente, à diversidade
biológica. No Ano Internacional da Biodiversidade,
a constatação de atividades predatórias
dentro de unidades de conservação
é um sinal de alerta de que o Brasil precisa
fortalecer suas ações de conservação,
para poder cumprir sua meta de redução
da perda de biodiversidade.
Soluções possíveis
As áreas protegidas – tanto
as unidades de conservação como as
terras indígenas –, como mostram estudos
recentes, são altamente eficientes em impedir
que o desmatamento alcance determinadas áreas.
O que ocorre na Resex Renascer, no entanto, ainda
é uma realidade que deve ser mudada.
“É inadmissível
a exploração ilegal de madeira dentro
de uma unidade de conservação”, afirma
o superintendente de conservação do
WWF-Brasil, Cláudio Maretti. “As áreas
protegidas de modo geral são eficientes para
combater o desmatamento, mas elas só poderão
cumprir plenamente seu papel se sua criação
for seguida pela adequada implementação
e por uma boa gestão dessas áreas”,
completa.
Além do investimento em
implementação e gestão de UCs,
combinado à fiscalização e
à punição para infratores,
uma possível resposta para o problema é
a valorização da economia florestal
sustentável: a realização de
manejo florestal sustentável no interior
e entorno de unidades de conservação
e a certificação dessa madeira.
“Projetos de manejo florestal
como os que o WWF-Brasil realiza em algumas unidades
de conservação têm se mostrado
eficientes no aumento considerável da renda
nas comunidades”, comenta Mauro Armelin, coordenador
do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável
do WWF-Brasil. “Além disso, temos exemplos
de muitas empresas que passaram a trabalhar com
madeira certificada e estão satisfeitas com
a recepção no mercado”, diz Armelin.
“Um dos grandes problemas que
a economia florestal sustentável ainda enfrenta
é que madeireiras ilegais continuam operando
na Amazônia e vendendo seus produtos no mercado
com custo menor, competindo de forma desleal com
as empresas que manejam as florestas de forma legal.
Além disso, as comunidades das unidades de
conservação, como a Renascer, são
diretamente prejudicadas, pois com esse desmatamento
elas perdem uma área de grande valor para
realizar o manejo e extrair seus produtos da floresta”,
comenta Maretti. “Espero que essa apreensão
sirva de exemplo aos madeireiros ilegais para que
deixem de destruir a Amazônia e comecem a
manejar florestas de forma legal e sustentável”,
completa.
Reserva Extrativista Renascer
A Resex Renascer está localizada
no município de Prainha, no Pará.
A área tem cerca de 400 mil hectares, abriga
14 comunidades e tem sido palco de polêmicas
e conflitos entre as 600 famílias de moradores
e madeireiros.
A área da Resex Renascer
apresenta grande relevância ambiental, porque
abrange ecossistemas de várzea e outras áreas
que protegem os ecossistemas aquáticos, que
são extremamente vulneráveis, importantes
para a subsistência das comunidades locais
e mesmo de populações urbanas na Amazônia
por meio do pescado, e que ainda estão pouco
representados no sistema de áreas protegidas
do Brasil.
Os moradores vivem sobretudo da
pesca e há muitas variedades de peixes como
pirarucu, tambaqui, surubim, dourada e filhote.
Entre as espécies florestais encontradas
estão madeiras nobres como mogno, ipê,
cedro, jacarandá e castanheiras.
A reserva extrativista foi criada
em 2009, depois de um longo período de tramitação
na Casa Civil da Presidência da República.
Nesse período, houve enfrentamentos diretos
entre moradores e madeireiros, que ameaçavam
constantemente as lideranças comunitárias.