26 mai 2010
"A mudança do
Código Florestal será a pior coisa
que pode acontecer ao Brasil nos últimos
anos." A fala precisa parte de Jean Paul Metzger,
doutor em ecologia pela Universidade Paul Sabatier
de Toulouse (França) e professor da USP (Universidade
de São Paulo).
Presente em seminário em
São Paulo, no início deste mês,
que discutiu a proposta de mudança do Código
Florestal, Metzger apresentou estudo que critica
os planos da bancada ruralista de diminuição,
ou até mesmo fim, da reserva legal e permissão
de cultivo em áreas de preservação
permanente (APPs) – parte das propriedades que deveriam
ser mantidas, como determina a lei, mas que sofre
constante ataque.
Em entrevista, o pesquisador recomenda
a manutenção de extensões mínimas
de mata nativa dentro das propriedades, sob pena
de estarmos assinando sentença de morte para
várias espécies nos próximos
anos.
Que prejuízos podemos esperar
com mudanças no Código Florestal orquestradas
pela bancada ruralista?
Jean Paul Metzger: A mudança
do Código Florestal será a pior coisa
que pode acontecer ao Brasil nos últimos
anos. O limiar de área preservada dentro
das propriedades ficará muito abaixo do ideal
para preservação. Teremos um empobrecimento
enorme de espécies e, nos próximos
50 ou 100 anos, assistiremos a muitas extinções.
Mantido como está e se fosse corretamente
aplicado, o Código Florestal poderia restabelecer
as áreas de preservação permanente,
unir fragmentos que estão divididos e regenerar
os corredores, preservando a biodiversidade dentro
das propriedades produtivas.
Qual é a diferença
entre área de preservação permanente
e reserva legal?
As áreas de preservação
permanente são margens de rios, cursos d’água,
lagos, lagoas e reservatórios, morros, encostas
e chapadas que têm função de
estabilizar o solo, guardar fontes de água
e proteger a biodiversidade do entorno. São
as áreas consideradas mais sensíveis
e sofrem riscos de erosão do solo, enchentes
e deslizamentos. A reserva legal é uma extensão
de mata nativa preservada dentro de áreas
economicamente produtivas. O conceito teve origem
em países europeus, onde o perigo de extinção
de madeira já existia desde o início
do século 18. As normas de preservação
foram estabelecidas para garantir a continuidade
da extração da madeira e da caça.
É preciso manter APP e
reserva legal separadas, ou elas podem ser consideradas
uma coisa só?
Não, porque a composição
de espécies de uma reserva legal é
totalmente diferente da de uma APP. Dentro de uma
mesma propriedade, se temos áreas secas dentro
da reserva legal e vegetação sujeita
à enchente na APP, são necessários
dois mecanismos de conservação completamente
distintos para atender à fauna e à
flora específicas de cada área. Extinguir
a reserva legal, ou computá-la como APP,
seria o mesmo que dizer para o doente que tem problema
de coração e de tireóide: "Sinto
muito, estamos sem remédio contra o tireoidismo.
Você pode tomar dois para o coração?"
Qual é a extensão
ideal para uma reserva legal?
Muitos estudos científicos
convergem para o valor de 60% como percentual ideal
de reserva legal, extensão que garante continuidade
da cobertura de mata e a redução dos
riscos de extinção de espécies.
Esse valor é impossível para o Sul,
onde a devastação ao longo dos anos
foi avassaladora. Para estas áreas, chegou-se
a um limiar mínimo de 30%, abaixo do qual
você começa a ter perdas substanciais
de espécie e empobrecimento da diversidade
biológica.
Por que ocorre essa perda de biodiversidade
com o desmate?
Você precisa ter o que chamamos
de paisagem biologicamente condutora, que são
as áreas que permitem o trânsito de
espécies. Com menos de 30%, os ambientes
ficam completamente fragmentados. Quando você
fragmenta, uma espécie que tem mil indivíduos
fica dividida em dez populações de
cem. Isolados, não vão interagir,
aumenta a chance de cruzamentos entre parentes,
enfraquece a diversidade genética a cresce
consideravelmente a possibilidade de extinção.
Aves e primatas são alvos fáceis de
extinção por conta de isolamento em
fragmentos. Na mata atlântica, temos os exemplos
da ariranha-azul e do mico-leão-dourado,
espécies altamente ameaçadas.
Qual sua avaliação
do argumento dado pelos ruralistas para a ocupação
das APPs?
A comissão que avalia o
Código Florestal tem consciência de
que a APP é importante, mas alega que as
áreas historicamente ocupadas – como plantações
de maçã, uva e café em topo
de morro e criação de animais em áreas
alagadas, como búfalo no Amazonas e gado
no Pantanal – precisam ser legalizadas. Esses cultivos
não precisavam ter sido feitos em áreas
protegidas. Isso só ocorreu por anos de desrespeito
à legislação ambiental. Não
podemos permitir o uso para alguns e argumentar
com outros de que é preciso proteger.
+ Mais
Um peso, duas medidas
26 mai 2010
Os sete ativistas do Greenpeace que há dois
dias subiram em um navio de exploração
petrolífera ancorado em porto da Lousiana,
nos Estados Unidos, para protestar contra o vazamento
de óleo no Golfo do México e exigir
o fim da exploração petrolífera
em alto-mar foram indiciados por invasão
de propriedade.
Correm também o risco de
caírem na malha da lei antiterror americana
por invadirem infra-estrutura considerada crítica
para a economia do país. Os executivos da
BP, empresa responsável pelo atual vazamento
no Golfo, o maior da história americana,
não sofreram qualquer sançao legal
até agora.
A manifestação,
levada a cabo em águas da Lousianna cobertas
com óleo vazado pelo acidente com a plataforma
Deepwater Horizon em 20 de abril, teve como palco
um navio da Shell. Usando o óleo encontrado
no local, ativistas pintaram os dizeres “Ártico
é o próximo” no passadiço da
embarcação, que está de partida
para o Alasca para dar início a projeto de
exploração de petróleo encabeçado
pela Shell, com anuência do governo americano.
Os esforços podem ter sido parcialmente bem
sucedidos, pois, apesar de ainda não confirmado,
está prometido para o dia de hoje (27) um
anúncio oficial de moratória de seis
meses de exploração de petróleo
no Ártico.
Em resposta ao indiciamento dos
ativistas, presos durante o protesto mas liberados
depois de comparecerem frente à um juiz,
o Diretor Executivo do Greenpeace nos Estados Unidos,
Phil Radford, exortou as autoridades a penalizarem
a BP, não quem fez o protesto. “Processar
nossos ativistas por uma manifestação
pacífica foi uma resposta desproporcional,
especialmente se considerarmos que os executivos
da empresa responsável pelo maior desastre
com petróleo da história americana
não sofreram ainda nenhum processo”, disse
Radford.
Desde ontem (26), as expectativas
estão altas no Golfo. A BP colocou em prática
uma nova técnica, chamada “Top Kill”, nunca
antes experimentada em profundidade, para paralisar
o vazamento. A ideia é tapar o buraco com
um misto de lama e cimento. A expectativa de sucesso
é de 60%, mas a empresa vem afirmando que
o esforço está sendo bem sucedido.
O jornal The Guardian publicou um gráfico
animado que explica sobre a técnica do Top
Kill.
Aprender com os erros
Elizabeth Kolbert, na revista
The New Yorker, lembra que acidentes deste tipo
são fruto sobretudo da sede insaciável
do planeta. Como ele está se esgotando, somos
obrigados a ir cada vez mais longe, no caso do mar,
cada vez mais fundo, para buscá-lo. E o drama
é que não temos tecnologia para enfrentar
acidentes em locais tão distantes, como prova
o acidente com a Deepwater Horizon. Kolbert recorda
como, em 1968, um desastre envolvendo um poço
da Union Oil Company Califórnia (hoje pertencente
à Chevron) provocou comoção
e protestos entre os americanos.
A explosão seguida de vazamento
aconteceu próxima à costa de Santa
Bárbara, Califórnia, e liberou centenas
de milhares de barris de óleo em dez dias
de buraco aberto. Fichinha perto do que está
acontecendo no Golfo do México, onde o equivalente
ao acidente de Santa Bárbara vaza diariamente.
O óleo que continua viajando pelo Golfo –
atingiu a costa da Lousianna, área de Refúgio
de Vida Silvestre e pode estar rumando, via corrente
marítima, para as águas da Flórida,
vem obrigando o governo a interditar a cada dia
novas áreas de pesca. Isto, ao invés
de interditar novos poços de exploração.
Em recente coluna, publicada em
seu blog, a jornalista Miriam Leitão fala
do cenário brasileiro para os planos de exploração
de petróleo no pré-sal. O Brasil decidirá
pelo sistema de concessão, em que apenas
a empresa fica responsável por danos, ou
pelo de partilha, em que governo e empresa se responsabilizam
no caso de acidente. Para Leitão, tanto um
quanto o outro não mudam o fato de que o
país não está preparado para
um acidente deste porte.
A jornalista ouviu especialistas
no assunto que garantiram: no Brasil não
há plano de emergência para o caso
de acidentes, nem capacidade logística para
produzir ou importar dispersantes – produtos que
auxiliam na dissolução do óleo.
Com a agravante de que a nossa exploração
será mais profunda e ainda mais longe do
que a do Golfo do México.