22 Junho 2010
Por Bruno Taitson
WWF-Brasil
Um estudo realizado pela Universidade de São
Paulo (USP), sob a coordenação do
professor Gerd Sparovek, comprova que, ao contrário
do que argumentam deputados ruralistas, o Código
Florestal Brasileiro não representa um obstáculo
para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro.
De acordo com o estudo, realizado com o apoio do
WWF-Brasil, seria necessário apenas melhorar
a produtividade do setor em algumas regiões
para que a atividade seguisse crescendo no país.
O estudo da USP aponta que, atualmente,
cerca de 211 milhões de hectares são
utilizados pela pecuária, principalmente
de corte. Porém, na maior parte das áreas
é praticada a atividade de maneira extensiva,
com o baixíssimo índice de 1,1 cabeça
de gado por hectare. Os autores do trabalho defendem,
para intensificar a atividade, a integração
de agricultura e pecuária em um mesmo terreno,
praticando o manejo dos pastos por meio de correção
do solo, fertilização e outras técnicas
já aplicadas com sucesso em várias
regiões do Brasil.
Para Carlos Alberto de Mattos
Scaramuzza, superintendente de conservação
do WWF-Brasil, um dos graves equívocos do
relatório para mudar o Código Florestal
é o fato de a comunidade científica
não ter sido ouvida adequadamente na elaboração
do documento. “As discussões deveriam ter
sido pautadas por fundamentos científicos,
e não por argumentos enviesados e distorcidos”,
afirma.
Além disso, acrescenta
Scaramuzza, a aprovação de normas
ambientais mais permissivas e a anistia a infratores
da legislação podem trazer grande
prejuízo não só ao meio ambiente,
mas também ao próprio agronegócio
nacional. “Corremos o risco de perder um dos grandes
diferenciais de nossa agricultura, que é
o de produzir de maneira competitiva contribuindo
para a conservação dos ecossistemas
e cursos d’água”, declara.
A liderança do Partido
Verde também fez duras críticas ao
parecer que busca modificar a legislação
ambiental. Em nota, o PV classifica o documento
como “um grande retrocesso na legislação
ambiental”.
Para o Partido Verde, as principais
inconsistências do parecer estão na
substancial redução, sem qualquer
embasamento científico, das áreas
de preservação permanente às
margens de cursos d’água, além da
dispensa de licenciamento ambiental em diversos
casos para agricultores.
O deputado federal Ricardo Tripoli
(PSDB-SP), além de ressaltar o caráter
pouco participativo do parecer do deputado Aldo
Rebelo (PCdoB-SP), considera “absurda” a proposta
de se autorizar a recomposição de
mata nativa ilegalmente desmatada com espécies
exóticas (provenientes de outras áreas).
“Para que uma floresta seja de fato recuperada,
seriam necessárias pelo menos 80 espécies
diferentes”, argumenta Tripoli.
O deputado paulista também
critica a ideia de se dar aos estados mais autonomia
para definir a legislação ambiental
em caráter local. Ele ressaltou que a Amazônia
ocupa nove estados e que, portanto, não poderia
ter leis estaduais diferentes umas das outras para
conservar o bioma. “Trata-se de um relatório
péssimo. É superficial, incoerente
e só atende a parte do segmento rural”, avalia.
Está prevista para o dia
29 (28) de junho, mais uma sessão da Comissão
Especial sobre Alterações no Código
Florestal, na Câmara dos Deputados, para discutir
as mudanças propostas à legislação
ambiental brasileira. Os ruralistas, favoráveis
ao abrandamento do Código, pretendem aprovar
o relatório apresentado pelo deputado Aldo
Rebelo, fortemente contestado por organizações
não governamentais, pesquisadores, técnicos
e movimento social, entre outros setores da sociedade.
A sociedade está tomando
conhecimento do assunto, se mobilizando e registrando
seu descontentamento em diversos manifestos enviados
diretamente aos membros da comissão parlamentar.
Texto atualizado em 28 de junho, às 10h26.
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Nota pública: Código
Florestal, Desmatamento Zero e competividade agrícola
23 Junho 2010
Desmatamento causado pela agricultura na região
do Xingu
Foi recentemente lançado nos Estados Unidos
o estudo “Fazendas aqui, florestas lá” patrocinado
pela organização norte-americana National
Farmers Union (União Nacional de Fazendeiros),
que é o principal sindicato rural de lá,
e apoiado pela Avoided Deforestation Partners (Parceiros
pelo Desmatamento Evitado) – uma aliança
informal de pessoas e organizações
que defendem o fim do desmatamento no mundo. Este
estudo foi feito para promover a aprovação
de uma lei de mudanças climáticas,
que já passou pela Câmara, mas está
parada no Senado americano. Um dos dispositivos
desse projeto de lei prevê a possibilidade
de que grandes poluidores norte-americanos possam
compensar suas emissões de gases do efeito
estufa, financiando a proteção de
florestas em países tropicais. É o
caso da Indonésia e do Brasil, onde o desmatamento
torna esses dois países o terceiro e o quarto
maiores poluidores do clima no planeta, respectivamente.
Elaborado com a intenção
de convencer parte da bancada republicana – contrária
à lei – a mudar de posição,
sobretudo a pertencente a estados com grande produção
agropecuária, o estudo defende que o investimento
em mecanismos de desmatamento evitado em países
tropicais elevaria os ganhos da agricultura norte-americana,
não só diminuindo os custos com a
mudança de tecnologia para reduzir a emissão
de gases do efeito estufa, mas, sobretudo, afastando
a competição de produtores rurais
desses países, que hoje competem diretamente
com os americanos pelos mercados de commodities
agrícolas. Segundo o estudo, os ganhos poderiam
alcançar US$ 270 bilhões entre 2012
e 2030 só com a diminuição
da competição dos países tropicais.
Em função dessa
conclusão infundada, esse estudo vem sendo
usado, nos últimos dias, por diversos parlamentares
e lideranças ruralistas brasileiros para
defender a tese de que a proteção
de florestas no Brasil é algo que contrariaria
o interesse nacional. Com isso, querem justificar
a necessidade de aprovação de um projeto
de lei que altera dramaticamente a legislação
florestal brasileira. Nessa história, no
entanto, estão enganados os ruralistas norte-americanos
e os brasileiros.
Em primeiro lugar o estudo, que
desconhece a realidade brasileira, é equivocado
ao assumir que o fim do desmatamento por aqui significaria
paralisar a expansão da produção
de commodities agrícolas a preços
competitivos. Segundo dados da Universidade de São
Paulo/Esalq, temos pelo menos 61 milhões
de hectares de terras de elevado potencial agrícola
hoje ocupadas por pecuária de baixa produtividade
e que podem ser rapidamente convertidas em áreas
de expansão agrícola. Com o fim da
expansão horizontal da fronteira agrícola,
há forte tendência de valorização
da terra e de substituição dos sistemas
de produção agropecuária de
baixa produtividade (que garimpam os nutrientes
e degradam o meio ambiente) por sistemas de produção
mais intensivos e com maior produtividade. Estudos
da Embrapa mostram que há um cenário
ganha-ganha quando se incorpora tecnologias (recuperação
de áreas de pastagens degradadas, agricultura
com plantio direto, sistemas integrados de lavoura-pecuária
e lavoura-pecuária-floresta) nas áreas
atualmente ocupadas com agricultura e pecuária,
aumentando a produção, reduzindo custos
e emissões de gases do efeito estufa. No
caso do Brasil, onde 4/5 das terras agricultáveis
são ocupadas por pastagens, tais ganhos são
especialmente expressivos - de forma que poderíamos
dobrar nossa produção de alimentos
sem ter que derrubar novas áreas de floresta
e ainda recuperando aquelas áreas onde o
reflorestamento se faz necessário por seu
potencial de prover serviços ecossistêmicos.
Portanto, o aumento da produção
agrícola não passa necessariamente
pelo aumento ou continuidade do desmatamento, como
quer fazer crer o estudo norte-americano. Os produtores
competitivos não são os que usam métodos
do século XVIII, grilando terras públicas,
desmatando e usando mão de obra escrava e
sonegando impostos. Pelo contrário, são
os que investem em tecnologia e mão de obra
qualificada para o bom aproveitamento de terras
com infraestrutura adequada. Por essa razão
até mesmo a Confederação Nacional
da Agricultura – CNA, afirma que não é
mais necessário desmatar para aumentar e
fortalecera produção agropecuária
brasileira.
Não devemos esquecer que
a preservação e a recuperação
de florestas no Brasil interessam, antes de tudo,
a nós mesmos. O fornecimento de produtos
florestais, a regulação das águas
e do clima, a manutenção da biodiversidade,
são todos serviços ambientais prestados
exclusivamente pelas florestas e indispensáveis
à sustentação da agropecuária
nacional.
Frente a isso, repudiamos não
só as conclusões do estudo norte-americano,
como a tentativa de usá-lo para legitimar
propostas que, essas sim, atentam contra o interesse
nacional, ao permitir o desmate de mais de 80 milhões
de hectares e a anistia definitiva para aqueles
já ocorridos, o que coloca em cheque a possibilidade
de cumprirmos com as metas assumidas de redução
de emissões de gases de efeito estufa e recuperar
a oferta de serviços ambientais em regiões
hoje totalmente desreguladas, algumas inclusive
em desertificação. Aumentar a produção
agropecuária com base no desmatamento de
novas áreas é uma lógica com
data marcada para acabar, tão logo os recursos
naturais se esgotem e o clima se modifique. Não
podemos, nesse momento em que o Código Florestal
pode vir a ser desfigurado pela bancada ruralista
do Congresso Nacional, nos desviar da discussão
que realmente interessa ao país, que é
saber se precisamos ou não das florestas
para o nosso próprio bem-estar e desenvolvimento.
A defesa das florestas é matéria de
alto e urgente interesse nacional.