Com dez anos de atraso, Cargill
apresenta Estudo de Impacto Ambiental de seu terminal
de escoamento de grãos em Santarém.
Devido as falhas do estudo,
MPE anuncia que vai protocolar inquérito
policial por fraude de dados.
Nesta quarta-feira, 14, cerca
de 2500 pessoas participaram da audiência
pública sobre o terminal graneleiro da Cargill
no Porto Público de Santarém, no Pará,
que ficou famoso pela queima das etapas legais necessárias
à sua construção. Ele começou
a ser construído em 2000 e foi inaugurado
sem apresentar Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
e sem realizar a audiência pública
para debatê-lo. Devido a falta de congruência
dos dados do EIA, o Ministério Público
anunciou hoje durante a audiência que irá
protocolar inquérito policial por fraude
de dados.
“O EIA não aborda as verdadeiras
soluções para os problemas criados
com a chegada da Cargill”, diz o procurador Felício
Pontes Jr., do MP. “Espero que ele possa ser analisado
de forma a medir esses impactos. Aí teremos
a verdadeira conta de quanto foi o prejuízo,
e isso poderá ser cobrado da empresa”.
Segundo o procurador, que acompanha
o caso desde o início, é a primeira
vez no Brasil que essa documentação
é produzida depois que a obra já está
pronta. Nesse caso, os estudos deveriam medir os
impactos que a região sofreu e oferecer medidas
de mitigação. Além do Ministério
Público do Pará, o Sindicato dos Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais de Santarém e o Greenpeace
também apontaram fragilidades nos dados do
estudo.
A chegada do terminal graneleiro
provocou uma corrida por terras para o plantio de
soja na região de Santarém. Segundo
a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na
safra de 1999/2000, o grão não ocupava
mais que 2,3 mil hectares no Pará. Na safra
2003/2004, com o terminal em funcionamento, a soja
tomava 35 mil hectares. Dois anos depois, ela estava
sendo plantada em 79 mil hectares – prova que o
Porto da Cargill de fato contribui para a conversão
desenfreada do uso do solo.
Essa expansão se refletiu
em desmatamento, contribuindo para o total de derrubadas
no Pará. Entre 1999 e 2006, o desmatamento
no estado pulou de 510 mil para 880 mil hectares
anuais. Em Santarém e Belterra, municípios
onde a ocupação da soja não
passava dos 50 hectares em 2000 e onde crescia tanto
mata virgem como floresta secundária em avançado
estágio de regenaração, tombaram
árvores em pouco mais de 80 mil hectares.
Os dois municípios hoje concentram 46% da
produção paraense de grãos.
A devastação só
foi freada a partir de 2006. Para tanto, teve papel
importante a moratória da soja, consequência
do trabalho realizado pelo Greenpeace em parceria
com entidades de trabalhadores rurais e comunidades
locais. Entre abril, quando foi lançado um
extenso relatório– “Comendo a Amazônia”
- e julho de 2006, grandes manifestações
de rua com moradores da região e “ações
diretas” de ativistas do Greenpeace no terminal
graneleiro da Cargill em Santarém e em empresas
consumidoras de soja brasileira na Europa, chamaram
a atenção da opinião pública
para o papel da soja na destruição
da floresta amazônica. Os protestos convenceram
empresas na Europa, entre elas o McDonald’s, grande
cliente da Cargill, a exigir que seus fornecedores
brasileiros deixassem de vender soja envolvida com
desmatamento. Em 26 de julho, a Associação
Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais
(Abiove) e a Associação Nacional dos
Exportadores de Cereais (Anec) assinaram acordo
determinando que seus associados não mais
comercializariam grãos plantados em áreas
desmatadas na Amazônia ª partir da data
de assinatura da moratória.
Mas todo o cuidado ainda é
pouco. A Cargill anunciou que vai expandir em 50%
a capacidade do terminal, com um novo armazém
para mais 30 mil toneladas de grãos. O maior
produtor de soja do Brasil, Eraí Maggi Scheffer,
do grupo Bom Futuro, também aguarda licitação
para construir um novo terminal de grãos
no Porto de Santarém, prometendo escoar três
milhões de toneladas por ano. E dois outros
lotes do porto estão disponíveis para
arrendamento de empreendimentos similares.
“O terminal da Cargill é
um marco da expansão do agronegócio
na Amazônia. Se o governo não estabelecer
e cobrar regras claras para operações
de escoamento de grãos pelo porto de Santarém,
obrigando os produtores a fazerem o cadastro ambiental
rural (CAR), podemos ter um novo ciclo de devastação”,
alerta Raquel Carvalho, da Campanha da Amazônia
do Greenpeace. “A expansão de terminais para
a exportação de commodities na Amazônia
precisa incluir a exigência de que eles só
possam escoar mercadorias produzidas em propriedades
que tenham o CAR, um instrumento fundamental para
controlar o avanço do desmatamento”. “A exigência
de mecanismos como esse é fundamental para
se saber de onde vem a produção e
garantir que ela não está avançando
sobre a floresta”.
+ Mais
Cada vez mais fundo
Brasil anuncia início da
produção de petróleo nas profundezas
do pré-sal. Europeus seguem o exemplo americano
e impõem moratória à exploração
de óleo em alto mar.
O comissário para Energia
da União Europeia, Günther Oettinger,
recomendou ontem que a Europa adote, a exemplo dos
Estados Unidos, moratória de exploração
de petróleo em alto mar até que a
causa do acidente com a plataforma Deepwater Horizon
seja inteiramente esclarecida. Na contramão
dos esforços mundiais, o Brasil anuncia hoje
o início oficial da produção
de petróleo da camada do pré-sal.
O poço de estréia
será o do Campo de Baleia Franca, na Bacia
de Campos, litoral do Espírito Santo e promete
produzir 13 mil barris de petróleo leve por
dia. Mais um poço do pré-sal será
perfurado no Baleia Franca ainda no segundo semestre
deste ano e, até o final do ano, os dois
poços deverão produzir diariamente
40 mil barris de óleo por dia.
Enquanto isso, nos Estados Unidos,
o presidente Obama estendeu até novembro
a suspensão de abertura de novos poços
em alto mar, uma resposta ao fracasso contínuo
das medidas de contenção adotadas
até agora pela empresa BP.
Incertezas rondam os últimos
testes programados para esta semana no Golfo do
México. O uso de um novo tipo de ‘rolha’,
equipamento que prometia ser capaz de conter boa
parte do óleo que vaza do buraco no fundo
do Golfo do México, foi adiado pela segunda
vez, por falta de segurança. Cientistas temem
que a medida não só seja infrutífera,
como possa danificar ainda mais o buraco.
“Quanto mais extrema a operação,
maior a probabilidade de acidentes e dificuldades
técnicas”, diz Ricardo Baitelo, da Campanha
de Energia do Greenpeace. É o caso do pré-sal,
considerado um dos dez pontos de exploração
em alto mar mais perigosos do mundo pela Aliança
Global para Combustíveis Renováveis.
“O acidente no Golfo do México mostrou que
os métodos e tecnologias disponíveis
hoje não são suficientes para conter
acidentes”, complementa Baitelo.
Além do risco de desastres
ambientais, os poços do pré-sal poderão
emitir enorme quantidade de gás carbônico,
tanto pela queima do óleo, quanto pelo CO2
contido nos poços. O cálculo é
que a emissão anual proveniente da exploração
e uso do petróleo do pré-sal seria
de 350 milhões a 1,4 bilhões de toneladas
de CO2, valor que manteria o Brasil entre os quatro
maiores emissores de CO2 do mundo, atrás
de China, Estados Unidos e Indonésia.
Os mais de 660 milhões
de litros de óleo que já vazaram do
buraco da BP desde 20 de abril, dia do acidente
com a plataforma, vêm alterando a composição
química e física da região
do Golfo e da costa da Lousianna. “Microorganismos
são os primeiros a serem afetados”, explica
Mikael Freitas, da Campanha de Oceanos. Pirossomos,
que servem de alimento para tartarugas e fitoplânctons,
base da cadeia alimentar marinha, começaram
a aparecer mortos em toda a região.
Morrem também as algas,
que deixam de receber a luz do sol pelo bloqueio
da mancha negra no mar e proliferam bactérias
que consomem compostos de óleo, mudando ainda
mais a composição química do
mar. “Os impactos deste vazamento serão vistos
e sentidos por muitos anos. Em um momento em que
atingimos taxas de extinção mundial
mil vezes maior que as naturais, somos obrigados
a acompanhar à distância o descaso
com a biodiversidade deste que tem tudo pra ser
o novo Mar Negro ou, quem sabe ainda, Mar Morto”,
diz Mikael.