23/07/2010 - 09:14
O que a ilha tropical de Trindade, situada a 1.167
quilômetros de Vitória (ES), e a 2.400
quilômetros da África tem em comum
com a fria e distante Antártida,
no pólo sul? Além de ter um tipo de
solo que não ocorre em nenhuma parte do planeta,
cujo ecossistema é composto por espécies
de plantas que enfrentaram uma longa viagem para
chegar à região e colonizá-la,
essa ilha oceânica, tal qual a Antártida,
está tendo que se readaptar ao ambiente devido
às mudanças climáticas globais
“Em função da elevação
da temperatura e do degelo no continente antártico
a disponibilidade de água no solo de determinadas
regiões, como as ilhas oceânicas, está
aumentando”, conta o professor da Universidade Federal
de Viçosa (UFV), Carlos Ernesto Schaefer,
pesquisador que realiza trabalhos de campo na Antártida
desde 2001 e há seis anos nas ilhas oceânicas
brasileiras.
“Por isso, algumas espécies
de gramíneas, briófitas e líquens
estão se expandindo e começando a
ocupar áreas no continente onde não
estavam presentes”, diz. O especialista aborda esse
assunto em uma conferência na 62ª Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), que se realiza de 25 a 30
próximos em Natal (RN).
De acordo com Schaefer, os ecossistemas
terrestres das ilhas oceânicas brasileiras
e o da Antártida são extremamente
frágeis e dependentes do equilíbrio
ecológico marinho. Dessa forma, qualquer
alteração no comportamento do mar
provocada pelas mudanças climáticas
globais ou por variabilidades naturais pode colocar
em risco à sobrevivência de determinadas
espécies ou favorecer outras.
“A chegada de espécies
de plantas e de nutrientes para alimentar a vegetação
dessas regiões depende muito das aves migratórias,
cuja rota é influenciada diretamente pelas
correntes marítimas e pela cadeia alimentar
nos oceanos”, explica. “Essas aves são responsáveis
por criar e fertilizar ecossistemas especiais, os
chamados ecossistemas ornitogênicos, que dependem
delas para sua existência”, conta.
Na ilha de Trindade, por exemplo,
a petrel de Trindade, uma ave nativa da região,
é responsável pela fertilização
de diversos ecossistemas em torno dos paredões
rochosos da ilha, onde se observa que o crescimento
da vegetação é mais abundante.
Já na Antártida os dejetos depositados
pelas colônias de pinguins no solo no verão
aumentam muito a oferta de nutrientes e proporcionam
mais oportunidades para a vegetação
do continente se desenvolver.
Espécies migratórias
Segundo Schaefer, o isolamento
geográfico e a presença do oceano
fizeram com que a Antártida e as ilhas oceânicas
brasileiras se transformassem em verdadeiros laboratórios
naturais para o estudo da colonização
e adaptação de novas espécies
de plantas e animais. As espécies de vegetais
que existem nelas surgiram há milhões
de anos e a partir de um determinando momento começaram
a se desenvolver, dando origem a espécies
endêmicas, que só existem nessas regiões.
Na ilha de Trindade, por exemplo,
é encontrada a única floresta de samambaias
gigantes do Atlântico Sul sobre solos orgânicos
espessos. Já na Antártida podem ser
observadas diversas espécies adaptadas de
musgos e líquens, que são as principais
espécies de vegetais que colonizam o ecossistema
do Continente.
Em comum, diz o especialista,
as espécies de plantas que se estabeleceram
tanto nas ilhas oceânicas brasileiras quanto
na Antártida são quase sempre migratórias
de longa dispersão, ou seja, suas sementes
podem ter sido transportadas a longas distâncias
pelo ar ou pelo mar. As samambaias gigantes da ilha
da Trindade, por exemplo, têm parentesco direto
com uma espécie da planta existente no sul
do País e fizeram uma longa travessia para
chegar à ilha. Os botânicos supõem
que minúsculos esporos de samambaias pré-históricas
circularam dentro de altíssimas correntes
aéreas sobre o Atlântico Sul há
milhares de anos e aterrissaram na ilha isolada,
onde se reproduziram e originaram uma espécie
diferenciada da planta.
Por sua vez, as plantas da Antártida
também têm origem ou parentes no extremo
sul da América do Sul e foram transportadas
para a região por aves migratórias,
como os pinguins e os petréis gigantes.